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Câmara dos EUA aprova pedido de abertura de processo contra Bannon, mas caminho até punição é incerto

Deputados querem que ex-conselheiro de Trump seja punido por se recusar a colaborar com comissão que investiga a invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro
Ex-conselheiro da Casa Branca e estrategista político, Steve Bannon deixa tribunal em Nova York, onde prestou depoimento em processo relacionado a acusações de lavagem de dinheiro, em 2020 Foto: Andrew Kelly / REUTERS
Ex-conselheiro da Casa Branca e estrategista político, Steve Bannon deixa tribunal em Nova York, onde prestou depoimento em processo relacionado a acusações de lavagem de dinheiro, em 2020 Foto: Andrew Kelly / REUTERS

WASHINGTON — A Câmara dos Deputados dos EUA aprovou moção que pede a abertura de processo por desacato contra o ex-estrategista político Steve Bannon, por sua recusa em cooperar com a comissão da Casa que investiga a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro deste ano.

O texto, aprovado por unanimidade na véspera pela própria comissão , passou no plenário com 229 votos, sendo 9 de parlamentares republicanos críticos a Trump, e 202 contra. Agora, o pedido está com o Departamento de Justiça, mas juristas veem como pequenas as chances de uma punição a Bannon.

O ex-conselheiro de Trump é acusado de se recusar a prestar depoimento e fornecer documentos requisitados pela comissão que investiga a invasão do Capitólio, quando o Legislativo se reuniu para certificar a vitória de Joe Biden na eleição presidencial de novembro do ano passado.

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Bannon é uma das principais vozes na propagação da teoria infundada de que a votação teria sido fraudada para favorecer o democrata —mesmo passado quase um ano da eleição, a narrativa segue como ponto central do discurso político do ex-presidente e tem boa recepção em setores da extrema direita dos EUA.

Na véspera da invasão, Bannon declarou, em um programa de rádio, que “seriam abertas as portas do inferno”, referindo-se a um ato convocado pelo próprio presidente antes da sessão de certificação de Biden. No evento, Bannon não estava entre os aliados de Trump que, por quase duas horas, desfilaram teorias descoladas da realidade sobre o processo eleitoral para algumas milhares de pessoas em Washington.

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No momento mais aguardado, Trump subiu ao palco, falou por cerca de uma hora e, ao final, defendeu que seus apoiadores fossem até o Congresso protestar contra a confirmação da vitória de Biden e pedir a anulação de alguns dos resultados, algo sem precedentes na História americana.

'Convocação'

Essa parte do discurso foi, para os deputados, uma espécie de “convocação” para os trumpistas, que em questão de horas invadiriam a sede do Legislativo dos Estados Unidos, deixando um rastro de destruição, dezenas de feridos e cinco mortos. As ações (e inações) de Trump levaram a um processo de impeachment, o segundo em seu mandato, que terminou com uma absolvição no Senado.

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Semanas depois do ataque e já com Trump fora da Casa Branca, lideranças democratas passaram a defender a criação de uma comissão bipartidária para investigar os eventos daquele dia, mas a iniciativa foi barrada pelo Senado, que via ali uma manobra “revanchista” dos agora governistas.

Em resposta, os democratas na Câmara instauraram uma comissão própria, formada por apenas dois republicanos — ambos rivais de Trump — para dar sequência às investigações. E é esse o inquérito que busca a colaboração de Bannon, seja de forma voluntária ou não.

— Isso [a investigação] não é uma questão teórica. Estávamos aqui. Ouvimos as portas se quebrando, o vidro estilhaçando, os gritos do lado de fora do plenário. Vimos aqui os violentos resultados: os policiais feridos e aqueles que morreram — afirmou no plenário o deputado democrata Adam Schiff.

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Para os deputados, Bannon teria informações preliminares sobre planos para atos de violência com o objetivo de tumultuar ou mesmo suspender o processo de confirmação da vitória de Joe Biden. Nas semanas que antecederam a sessão, normalmente protocolar, Trump pressionou autoridades estaduais, o Departamento de Justiça e até o vice-presidente, Mike Pence, para que fossem adotadas manobras irregulares para mudar o resultado da eleição, sem sucesso.

Privilégio executivo

Contudo, Bannon vem se recusando a colaborar, seguindo ordens do próprio Trump —o ex-presidente afirma ter direito a um mecanismo chamado “privilégio executivo”, que lhe permite ocultar certos documentos e registros de conversas alegando que eles contêm informações sigilosas. Parlamentares e juristas rejeitam tal interpretação da regra, e a Casa Branca chegou a ordenar que alguns dos documentos requisitados pela comissão sejam entregues , mesmo diante de um processo do ex-presidente tentando impedir seu compartilhamento.

— É uma vergonha que o sr. Bannon nos tenha colocado nessa posição, mas não aceitaremos um "não" como resposta. Acreditamos que o sr. Bannon tenha informações relevantes, e vamos usar todas as ferramentas à nossa disposição para obter essas informações —afirmou, na quarta-feira, o deputado democrata Bennie Thompson, presidente da comissão.

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O caminho até uma eventual punição de Bannon é longo, e as chances de sucesso são apontadas como pequenas. Após a assinatura da moção pela presidente da Casa, Nancy Pelosi, ela seguiu para o Departamento de Justiça, que tem a palavra final sobre a instauração de um processo. Na quinta-feira, o secretário de Justiça, Merrick Garland, afirmou que vai decidir “com base nos fatos”, sem indicar uma posição preliminar.

— Desde o governo de Ronald Reagan (1981-1989) não houve um processo de sucesso relacionado a desacato —afirmou ao site Politico Thomas Spulak, ex-conselheiro da Câmara. — Apesar de haver algum alinhamento político, há considerações institucionais envolvendo o Departamento de Justiça, uma delas relacionada à vontade, ou não, de Garland se envolver em uma continuação das batalhas sobre intimações ocorridas durante o governo Trump.

Caso seja condenado, Bannon pode ser condenado a até um ano de prisão e pagamento de multa de US$ 100 mil, mas uma decisão poderia levar anos até ser tomada. Mesmo com as reduzidas chances de sucesso, os deputados apostam que a simples ameaça de detenção sirva de “incentivo” para que o ex-conselheiro de Trump e outras 17 pessoas intimadas pela comissão cooperem com o inquérito.