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Casos de Covid-19 na América do Sul aumentam 77% em um mês, sem contar com o Brasil

Por temor da disseminação de novas variantes presentes em território brasileiro, países se fecham e adotam novas medidas de restrição
De máscara, argentinos esperam em ponto de ônibus em Buenos Aires Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS/31-3-21
De máscara, argentinos esperam em ponto de ônibus em Buenos Aires Foto: AGUSTIN MARCARIAN / REUTERS/31-3-21

A América do Sul tem enfrentado uma piora no cenário da pandemia de Covid-19 que força boa parte da região a endurecer as restrições de locomoção e fechar suas fronteiras. Países vêm batendo recordes de casos, impondo quarentenas e toques de recolher, buscando conter não só as novas variantes, mas também evitar que o colapso sanitário brasileiro transborde para seus territórios.

Entre 1º de março e 1º de abril, a soma das médias móveis de novos casos diários nos países sul-americanos, excluindo o Brasil, aumentou 77% — em um mês, os diagnósticos diários passaram de pouco mais de 25 mil para 44,3 mil. A média móvel de mortes, por sua vez, passou de 601,1 para quase 730, crescendo cerca de 21%.

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No Brasil, o epicentro global da Covid-19, a média dos novos contágios era de 74,2 mil no dia 1º de abril, 33% a mais que no início de março. É o aumento das mortes, contudo, que assusta mais por aqui: elas cresceram 154%, chegando a uma média diária de 3.117. Para fins comparativos, o Brasil tem cerca de 5 milhões de habitantes a menos que a soma da população de seus vizinhos, segundo os dados do Banco Mundial, mas o número de mortes diárias no país é maior do que o triplo do registrado em todo o seu entorno.

O temor é que as novas variantes que se alastram pelo Brasil, em especial a P.1, circulem ainda mais intensamente pela região, preocupação acirrada pela resistência do presidente Jair Bolsonaro a medidas que limitem a circulação de pessoas. Mais contagiosa e possivelmente mais letal, a cepa é tida como uma das principais responsáveis pela explosão nos números.

— Se o Brasil não for sério no combate à pandemia, então continuará a afetar a vizinhança e além — disse o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em uma coletiva no mês passado.

A P.1, que foi a responsável pelo colapso do sistema de saúde de Manaus no início do ano, já foi encontrada em ao menos 15 países e territórios das Américas, incluindo Bolívia, Venezuela, Chile, Uruguai, Colômbia e Paraguai. Na região, apenas Assunção mantém suas fronteiras abertas para brasileiros, apesar da pressão de especialistas locais para que elas sejam fechadas.

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Região se fecha

Na Venezuela, onde a média de casos diários passou de 428, em 1 o de março, para 1.083, em 1 o abril, acadêmicos de saúde fizeram um apelo nesta segunda por uma campanha de vacinação mais rápida. Se a imunização na América do Sul caminha a passos lentos — exceto no Chile , que já aplicou ao menos uma dose em 37% de seus habitantes —, a situação venezuelana é particularmente preocupante.

O país só inoculou 0,3% da sua população e enfrenta dificuldades para pôr suas mãos em grandes remessas de vacinas, situação agravada por fundos bloqueados por sanções internacionais, por desavenças internas e pela recusa do governo em receber doses da AstraZeneca . No domingo, o presidente Nicolás Maduro estendeu por mais uma semana o confinamento de 14 dias para impedir o avanço da P.1 em seu território .

— A mutante brasileira deveria se chamar “mutante Bolsonaro” — disse Maduro. — Ele é o culpado por abandonar o seu povo e por ser louco, insensível, um psicopata (...). O Brasil é o epicentro mundial das variantes mais perigosas e da expansão do coronavírus. Essa é a verdade.

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A Colômbia, por sua vez, anunciou que irá estender os toques de recolher noturnos em diversos pontos do país, após os diagnósticos diários crescerem 2,2 vezes em um mês e as unidades de terapia intensiva chegarem perto de sua ocupação máxima.

Cidades onde mais 80% dos leitos de UTI estão ocupados terão toques de recolher das 20h às 5h. Naquelas em que a ocupação varia de 70% a 79%, as restrições começam a valer às 22h e, onde está acima de 50%, entram em vigor à meia-noite. Em Bogotá, a taxa atual de ocupação das UTIs é de 65,5%.

A Argentina aumentou os controles em suas fronteiras, retornou seus servidores públicos ao trabalho remoto e orientou que as empresas privadas fizessem o mesmo. O governo avalia nesta segunda toques de recolher e limitações ao transporte e à vida noturna na província de Buenos Aires, segundo o jornal La Nación, devido à disseminação da cepa amazônica.

Os novos casos no país passaram de pouco mais de 8 mil no último dia 26 para mais de 12,1 mil no dia 1º de abril. Entre os infectados está o presidente Alberto Fernández , que apresenta um quadro leve da doença pouco mais de dois meses após tomar as duas doses da vacina Sputnik. A vacina nem sempre impede a contaminação pelo coronavírus, mas sim o agravamento dos sintomas.

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Eleições em xeque

Já o Equador declarou na última sexta estado de exceção em oito das 24 províncias do país por 30 dias. A medida, que afeta cerca de 70% dos 17,4 milhões de habitantes do país , inclui um toque de recolher que limita a mobilidade das 20h às 5h.

O Chile, que viu a média de casos quase duplicar em um mês apesar da vacinação acelerada , pôs 16 milhões dos seus 18,7 milhões sob quarentena no último dia 27 e fechou todas suas fronteiras a partir desta segunda. O governo de Sebastián Piñera apresentou ainda um projeto para adiar para maio as eleições legislativas, regionais e para a Constituinte marcadas para 10 e 11 abril, diante do temor que o pleito catalise a transmissão do vírus, em especial das variantes britânica e amazonense.

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Segundo dados do fim de março do governo peruano, 40% dos casos em Lima foram causados pela variante P.1 . No dia 1º, o país registrava uma média móvel de 8,7 mil novos casos de Covid-19 — 2,1 mil a mais que em 1º de março. A menos de uma semana das eleições presidenciais no país, que ocorrem no domingo, o ex-jogador de futebol George Forsyth tornou-se o terceiro presidenciável a ser diagnosticado com Covid-19.

O Paraguai, em paralelo, esteve sob quarentena durante toda a Semana Santa, diante da falta de leitos em hospitais públicos e privados. Já o Uruguai fechou suas repartições públicas e suspendeu as aulas presenciais até 12 de abril, entre outras medidas, para "reduzir a mobilidade" e conter os novos diagnósticos, que aumentaram três vezes entre março e abril.

A Bolívia anunciou, na sexta, a proibição da entrada de brasileiros no país por ao menos uma semana, em uma tentativa de evitar a disseminação da P.1. Tal qual Montevidéu, La Paz também tomou medidas para acelerar a campanha de vacinação em cidades fronteiriças ao Brasil.