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Empoderamento feminino e arte combatem desemprego na África do Sul

Cooperativa de mulheres artesãs mudou a rotina de vilarejo de 600 famílias
A gerente Beauty Mbongwa, de 54 anos, mostra os produtos da cooperativa Thandanani Foto: Foto de Daniel Laper com arte de Nina Millen Leal
A gerente Beauty Mbongwa, de 54 anos, mostra os produtos da cooperativa Thandanani Foto: Foto de Daniel Laper com arte de Nina Millen Leal

KWAZULU-NATAL (África do Sul) — Thandanani, em língua zulu, quer dizer “amem uns aos outros”. No povoado de Obonjaneni, no estado de KwaZulu-Natal, leste da África do Sul , a palavra ganhou mais alguns significados: trabalho, independência, empoderamento. Thandadani dá nome a uma cooperativa de mulheres que mudou a rotina do vilarejo de 600 famílias.

Aos pés da maior cordilheira da África do Sul, Drakensberg, Thandanani entrou no circuito turístico da região e garante visibilidade e renda às artesãs em um país que tem entre seus maiores problemas atuais a carência de empregos.

Nas eleições presidenciais do início do mês, a bandeira de combate ao desemprego ajudou a reeleger o presidente Cyril Ramaphosa, do Congresso Nacional Africano (CNA), ainda que o partido de Nelson Mandela esteja desgastado após 25 anos no poder.

O ex-sindicalista, hoje empresário, prometeu criar 300 mil postos de trabalho por ano. A pressão aumenta. A falta de oportunidades na África do Sul, junto com a desigualdade e a corrupção, é motivo de insatisfação da população, sobretudo em áreas rurais como KwaZulu-Natal.

— Não há trabalho na África do Sul. Algumas pessoas trabalham em hotéis, no turismo, mas outras estão em casa. Quanto tempo dá para viver com um homem em casa sem trabalhar? Isso aqui é importante porque o dinheiro volta para a comunidade — conta a gerente da cooperativa Thandanani, Beauty Mbongwa, de 54 anos.

A construção de tijolinhos coloridos chama a atenção na via que leva ao Parque Nacional Royal Natal. A casa abriga uma infinidade de cestas, esteiras, bijuterias, tapetes e outros artigos tradicionais da cultura local.

No começo, muitas mulheres da comunidade duvidavam que pudessem se sustentar do artesanato. Depois que registraram formalmente o negócio, os pedidos cresceram. A variedade do estoque e a organização das integrantes fortaleceram o grupo, que já recebeu prêmios governamentais e privados de empreendedorismo, além de convites para o exterior.

Com apoio de ONGs e do governo local, as artesãs também fizeram cursos de negócios e economia, e alguns produtos começaram a ser exportados.

— Trabalho é tudo para mim. Me faz sentir bem, independente. O início foi difícil. Vendíamos nossos produtos na beira da estrada. Mas eles acabavam danificados pelo sol, pela chuva, pelo vento. Precisávamos de um lugar fixo de venda, de encontro. A comunidade se uniu e ajudou a construir essa casa. E não paramos mais — lembra Beauty.

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As mulheres recolhem a palha para as cestas na mesma paisagem de trilhas, montanhas e natureza que atrai os visitantes. O artesanato pagou a casa de Beauty e a educação dos filhos. Um deles saiu de Obonjaneni para virar chef em um hotel e a outra filha faz faculdade em Durban.

Na cooperativa, os produtos levam os nomes das autoras, que podem trabalhar na própria sede ou de casa — muitas também têm de cuidar dos filhos. Elas recebem o dinheiro da venda depois de descontada uma taxa para a manutenção da cooperativa e o pagamento de contas de eletricidade, água e reparos na construção.

Tradição ameaçada

Além dos turistas, Thandanani tem compradores fixos em Johanesburgo, Durban e Cidade do Cabo. Os maridos apoiam a iniciativa.

— Eles só não gostam quando viajamos para longe. Reclamam que demora muito — conta a gerente, que já levou sua arte para Estados Unidos, Islândia e até Coreia do Norte. — Foi um convite para uma exposição. Vendemos muito.

O maior desafio hoje, diz Beauty, é garantir a continuidade da cooperativa. As integrantes envelhecem e mal há renovação. Algumas morreram, outras se casaram e pararam de trabalhar, algo não raro em uma região de tradição patriarcal. As novas gerações, como a filha de Beauty, não se interessam em levar a tradição adiante, afirma ela:

— Não tenho certeza se esse trabalho vai continuar. As mais jovens não gostam de fazer cestas. Mas uma coisa já mostramos. Não são só os homens que podem fazer as coisas acontecerem. Nós também temos o poder.