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China e EUA acirram disputa de narrativas sobre novo coronavírus

Trump muda discurso para acusar Pequim e secretário de Estado diz que ameaça poderia ter sido contida pela China, que responde o acusando de mentir
Um close up de notas para um discurso de Donald Trump mostra que ele riscou a palavra "corona" e escreveu "chinês" Foto: Jabin Botsford/ The Washington Post
Um close up de notas para um discurso de Donald Trump mostra que ele riscou a palavra "corona" e escreveu "chinês" Foto: Jabin Botsford/ The Washington Post

As tensões entre Estados Unidos e China relacionadas à pandemia do novo coronavírus continuaram a se acirrar nesta sexta-feira, com Pequim e Washington trocando acusações na imprensa e em redes sociais, e o presidente Donald Trump adaptando um discurso para responsabilizar a China.

Em uma entrevista à Fox News, emissora fortemente identificada com Trump, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse que Pequim “perdeu dias valiosos” depois de identificar a nova doença, permitindo que "centenas de milhares" de pessoas deixassem a cidade de Wuhan, epicentro da epidemia, e viajassem para o exterior, incluindo a Itália.

— O Partido Comunista Chinês não se saiu bem e colocou inúmeras vidas em risco como resultado disso— afirmou Pompeo.

A declaração do principal diplomata dos EUA despertou a ira do governo chinês, que tem usado um tom enérgico para rebater acusações de que o Partido Comunista Chinês foi negligente no controle da epidemia.

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A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, expressou sua raiva no Twitter e escreveu em inglês: "Pare de mentir!”, afirmou. "Como especialistas da OMS afirmaram, os esforços da China impediram centenas de milhares de casos de infecção", acrescentou.

Ela também observou que a China informou primeiro os Estados Unidos do novo surto de coronavírus em 3 de janeiro e que o Departamento de Estado dos EUA só alertou os americanos que estavam em Wuhan em 15 de janeiro.

Também nesta sexta-feira, o presidente Donald Trump foi flagrado por Jabin Botsford, fotógrafo do Washington Post, com notas preparadas para um discurso na Casa Branca para a força-tarefa de combate à epidemia. No detalhe da fotografia, é possível ver que, onde  estava escrito “vírus corona”, a palavra “corona” foi riscada e substituída por “chinês”.

Estados Unidos e China travam uma disputa comercial, política, tecnológica e estratégica, que adquiriu nova profundidade diante da pandemia. Desde que, por meio de medidas duras, controlou o surto da doença em seu território, o governo chinês adotou uma intensa campanha de propaganda e relações públicas, oferecendo apoio material e técnico a outros países, como modo de se destacar como uma superpotência da saúde e de aumentar sua influência global.

Em contraposição a isso, os EUA, que tiveram uma reação lenta ao vírus, não oferecem recursos significativos para seus aliados — dentre eles o Brasil. Trump, no lugar disso, tem usado uma retórica agressiva, muitas vezes acusada de racista, referindo-se, como o fez hoje, ao novo coronavírus como “o vírus chinês”.

A disputa entre os países envolveu a expulsão de uma dúzia de jornalistas americanos nesta semana, medida sem precedentes na memória recente. Pequim alegou retaliar limitações impostas por Washington a profissionais da mídia estatal chinesa em território americano.

Em dezembro, os dois países concordaram em uma primeira fase de um acordo comercial, que reduz, sem eliminar completamente, tarifas impostas por Trump sobre itens chineses. A China também concordou em expandir em US$ 200 bilhões suas compras de bens e serviços dos EUA até 2022.

A epidemia coloca este acordo em risco. Na quarta-feira, Trump disse que não suspenderia tarifas que permaneceram, com a exceção de alguns suprimentos médicos, que obtiveram isenção.

O Brasil viu-se envolvido na disputa nesta semana, a partir de uma declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que, à maneira de Trump, responsabilizou Pequim pela epidemia.

Por meio de seu embaixador no Brasil, a China emitiu uma veemente resposta, o que deflagrou um incidente diplomático. Segundo pesquisadores de Relações Internacionais, é possível que, em retaliação à frase do filho do presidente, a China não conceda serviços ou material ao Brasil para ajudar no combate ao coronavírus.