Dois grupos chineses que trabalham com inteligência artificial anunciaram hoje avanços inéditos na ciência da meteorologia: um atingiu deles realizou a previsão do tempo para uma semana com velocidade sem precedentes, outro conseguiu recordes de precisão na localização de chuvas extremas com algumas horas de antecedência.
O primeiro estudo foi realizado pela divisão de pesquisa da Huwaei, a Big Tech chinesa que trava corrida tecnológica com grandes rivais ocidentais. O segundo trabalho, da Universidade Tsinghua, de Pequim, teve colaboração da Universidade da Califórnia em Berkeley. Os algoritmos criados pelos pesquisadores e os métodos usados estão descritos em estudo na edição de hoje da revista Nature, espaço muito disputado por cientistas.
Nos estudos, os autores de ambos os trabalhos explicam que usaram metodologias que mesclam abordagens tradicionais de computação tradicionais para meteorologia, baseadas em equações da física, com seus métodos de inteligência artificial, que identificam padrões diretamente a partir de dados.
Para conseguir um resultado significativo, a Huwaei afirma que usou uma quantidade colossal de dados para "treinar" seu modelo, batizado de Pangu-Weather. Os computadores que fazem o trabalho de "aprendizado de máquina" foram alimentados com 39 anos de dados globais de padrões meteorológicos. O segredo da receita foi combinar os elementos corretos da previsão numérica clássica (que é lenta, embora precisa), com abordagens de IA (que até agora eram rápidas, mas imprecisas).
"Com os dados de previsões passadas reanalisados, o Pangu-Weather obteve resultados de previsão determinística mais fortes que os do melhor sistema de previsão de tempo numérica em operação, o sistema integrado do Centro Europeu de Previsão Meteorológica de Médio Prazo (ECMWF)", afirmam os cientistas no estudo, liderado por Kaifeng Bi.
O resultado da disputa, a rigor, foi um empate técnico entre os dois sistemas, mas o projeto chinês conseguiu rodar as previsões em uma velocidade cerca de 10 mil vezes mais rápida, por ter criado um algoritmo mais "enxuto". O avanço é importante porque a disponibilidade de supercomputadores para processar algoritmos "pesados" é hoje um fator que já limita agências de meteorologia em vários países.
No estudo, os cientistas mostram que o Pangu-Weather conseguiu trabalhar bem com a "previsão de conjunto", uma técnica importante de meteorologia que usa probabilidade, e antecipou com competência a ocorrência de furacões, por exemplo.
Chuvas torrenciais
Enquanto o método da Huwaei enfocou previsões de clima globais, o método da Tsinghua foi projetado para aplicação em áreas regionais de 2.000 km de largura e enfoca sobretudo a previsão de chuvas. Obter a localização de precipitação é historicamente um desafio para a meteorologia, e os cientistas da apostaram na mesma fórmula: mesclar física clássica à inteligência artificial.
"Com base em observações de radares dos EUA e da China, nosso modelo produz previsões de curto prazo plausíveis para precipitação, com padrões precisos de escala múltipla, em antecipação de até três horas", escreveram os pesquisadores, liderados por Yuchen Zhang.
Uma previsão com apenas três horas de antecipação não parecer avanço significativo em grande escala, mas pode ser vital na pequena escala, para autoridades concentrarem esforços contra enchentes e deslizamentos. A pesquisa ganha ainda mais importância no cenário de mudança climática, em que eventos extremos devem aumentar de frequência.
Para validar seu método, Zhang distribuiu seu algoritmo, batizado de NowcastNet, a 62 meteorologistas do país, que o compararam a seus sistemas de preferência na prática diária. O modelo que mescla inteligência artificial se mostrou melhor que os outros em 71% dos casos.
Pedido de transparência
Num artigo científico de comentário independente, os cientistas Kyle Hilburn e Imme Ebert-Uphoff, da Unversidade Estadual do Colorado, afirma que os avanços anunciados hoje trazem "um potencial enorme de benefícios", mas pedem cautela na aplicação de inteligência artificial em meteorologia. Particularmente, os pesquisadores afirmam que é preciso entender bem o que exatamente está dentro dos algoritmos criados por IA, para que eles não se tornem caixas-pretas insondáveis com potencial para erro em algumas situações.
"Uma exigência chave para essas iniciativas é que as publicações de estudos sejam acompanhadas da liberação de códigos de programação fáceis de rodar", escrevem os pesquisadores, que estão eles próprios trabalhando para validar independentemente os métodos de outros grupos que trabalham com a mesma abordagem.