Quentes como nunca antes registrado, os mares se transformaram em bombas de energia para a atmosfera e estão relacionados a desastres climáticos deste ano. Especialistas mundiais em oceanos acabam de divulgar uma declaração conjunta de alerta sobre as ondas de calor marinhas sem precedentes de 2023 e o risco de levarem a colapsos na biodiversidade e gerarem ainda mais grandes tempestades tropicais e secas.
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E, depois de assolar o Hemisfério Norte, com a mudança das estações e a contínua evolução do El Niño, o perigo que vem dos mares se desloca para o Sul, representando uma ameaça em potencial para o Brasil.
O país já tem sido afetado por extremos este ano, como as piores chuvas sofridas pelo Rio Grande Sul, nesta semana. A tragédia na Região Sul, porém, foi causada por um sistema de baixa pressão atmosférica que desencadeou chuvas torrenciais e, ao se deslocar para o mar, formou um ciclone extratropical. Elas não estão relacionadas a uma onda de calor marinha, como as citadas no documento. Mas cientistas não descartam que já podem ser resultado da influência do El Niño.
O documento do Programa de Pesquisa do Clima Mundial, ligado à Organização Mundial de Meteorologia (OMM), destaca as anomalias de intensidade, duração e área atingidas registradas até agora no Hemisfério Norte. Mas a coordenadora do grupo, a brasileira Regina Rodrigues, professora de oceanografia e clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ressalta que, nos próximos meses, os problemas se concentrarão no Hemisfério Sul.
As temperaturas médias mensais dos oceanos são as maiores já registradas. Nada menos que 27% dos oceanos tiveram ondas de calor extremas este ano, diz o documento. Isso representa uma zona quente sem precedentes de aproximadamente 89 milhões de quilômetros quadrados, ou mais do que dez vezes uma extensão de água do tamanho do território brasileiro.
E não é apenas o Pacífico, onde o El Niño continua a avançar, que a temperatura ferve. O Atlântico também está quente como nunca antes. Os oceanos interagem com a atmosfera e afetam o clima de todo o planeta. Se eles não estão bem, todo o planeta sofre.
Os oceanos cobrem 70% da Terra e absorvem mais de 90% de todo o excesso de calor produzido pelas emissões de gases-estufa relativas à ação humana. Se não fossem eles, o clima estaria ainda pior.
Desde o início da industrialização, aqueceram 0,9ºC. Parece pouco, mas apenas 0,5ºC acima da média já caracteriza o início de um El Niño. Apesar de demorar mais para se aquecer, a água conserva melhor o calor e leva mais tempo para resfriar.
Esse calor se manifesta na intensificação e na persistência de temperaturas extremas, diz o documento. E, em 2023, toda essa anomalia se juntou ao El Niño e a uma oscilação no Atlântico. Os cientistas consideram muito provável que as mudanças climáticas tenham contribuído para “a intensidade e a extensão das ondas quentes marinhas”.
Rodrigues, uma das maiores especialistas do mundo no Atlântico Sul, explica que as anomalias dos oceanos são uma ameaça planetária.
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— Este ano está extremamente atípico. Chama a atenção não só a intensidade do calor, mas também a extensão das áreas afetadas — frisa ela.
A cientista observa que a declaração centrou-se no Hemisfério Norte porque as ondas de calor marinho dos três últimos meses, com valores bem acima do normal de temperatura extrema, concentraram-se nessa parte do mundo porque lá é verão. Mas, diz ela, a tendência é de que, à medida que entrarmos na primavera e no nosso verão, os oceanos do Hemisfério Sul ficarão mais quentes.
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— É isso o que vai acontecer. Principalmente por causa do El Niño. A nossa expectativa é de que teremos significativas ondas de calor marinhas no Hemisfério Sul — afirma a pesquisadora.
Ela diz que não se sabe ainda se o El Niño vai se enfraquecer ou fortalecer. Se ele continuar forte, será pior, pois é um dos principais precursores de ondas de calor marinhas no Atlântico Sul. Outro fator de preocupação é que os oceanos estão mais ácidos.
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— Não nos preocupamos somente com o calor. O trabalho que desenvolvemos investiga os extremos de acidificação (causado pelo excesso de CO2 nos mares associado às emissões humanas) e baixa produtividade primária, que é a base da cadeia alimentar dos oceanos. Isso terá um impacto muito grande para a biodiversidade do Atlântico Sul. E, consequentemente, para o Brasil — enfatiza a cientista.
Uma das consequências é prejudicar a pesca. O El Niño de 2015 a 2016 afetou muito a costa da África. A pesca colapsou na costa africana do Atlântico, que é muito mais rica em peixes do que o lado brasileiro.
— É uma região muito produtiva e entrou em colapso. É esperado que tenhamos realmente problemas no Atlântico Sul — finaliza Rodrigues.