A crise climática provocada pelas atividades humanas "abriu as portas do inferno", afirmou, nesta quarta-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura da Cúpula da Ambição Climática, em Nova York, da qual se ausentaram Estados Unidos e China — os dois países mais poluentes do planeta.
— A humanidade abriu as portas do inferno, como demonstraram os horríveis efeitos do terrível calor — disse Guterres, referindo-se aos “agricultores angustiados” que veem suas colheitas serem devastadas pelas inundações, doenças ligadas às altas temperaturas e incêndios históricos. — A ação climática é ofuscada pela magnitude do desafio.
Guterres não só lamentou a falta de ambição dos governos, como também criticou as grandes empresas. Fez críticas às “promessas obscuras” feitas por algumas empresas que se apresentam comprometidas com as alterações climáticas e lembrou que, “vergonhosamente”, outras “até tentaram bloquear a transição” para um mundo livre de emissões.
— Essas sociedades usaram o seu dinheiro e influência para atrasar, distrair e enganar.
Apesar da multiplicação e da intensificação dos fenômenos climáticos extremos, as emissões de gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento continuam aumentando no mundo e o setor da energia fóssil segue gerando recordes de lucros. Caso não haja mudanças, o planeta se dirige para um aumento da temperatura de 2,8°C, alertou Guterres.
O secretário-Geral da ONU também apelou aos principais países emissores, “que mais beneficiaram dos combustíveis fósseis”, para que fizessem esforços adicionais para reduzir os seus gases com efeito de estufa. Na última reunião do G20, as principais economias mundiais concordaram em triplicar a implementação de energias renováveis até 2030.
— O futuro não está decidido, cabe a líderes como vocês escrevê-lo — alfinetou. — Ainda podemos limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C e construir um mundo de ar limpo, com empregos verdes e energia limpa e acessível para todos. Devemos recuperar o tempo perdido por causa da lentidão, das pressões e da ganância dos interesses arraigados que ganham trilhões com os combustíveis fósseis.
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Especificamente, Guterres destacou que é necessário que os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) parem de usar o carvão, o pior dos combustíveis fósseis, até 2030 e o resto das nações até 2040. Além disso, pediu fim da ajuda pública aos combustíveis fósseis, que um relatório recente do Fundo Monetário Internacional estimou em US$ 7 trilhões só em 2022, o equivalente a 7,1% do PIB global.
A cúpula, convocada por Guterres no fim de ano passado, é a reunião climática mais importante nos Estados Unidos desde 2019, quando a ativista sueca Greta Thunberg disparou seu famoso "Como se atrevem!" aos líderes mundiais.
Seu objetivo é divulgar os planos climáticos de cerca de 30 líderes internacionais que participam do evento, incluindo representantes da Alemanha, França, Canadá, Colômbia e Chile. Os dois maiores poluentes do planeta, no entanto, não estiveram presentes: nem os Estados Unidos — embora o presidente Joe Biden esteja em Nova York, onde no dia anterior falou na Assembleia Geral da ONU — nem a China, cujo presidente, Xi Jinping, é uma das grandes ausências da cúpula nova-iorquina.
— Temos que aumentar o nosso nível de ambição — reconheceu o presidente espanhol, Pedro Sánchez, durante a conferência.
Outra ausência notável é a do Reino Unido. O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak — também ausente na Assembleia Geral da ONU —, sugeriu na terça-feira que poderia revisar seu objetivo de alcançar a neutralidade de carbono até 2050.
Não se espera nenhum compromisso formal na cúpula, mas o evento é visto como um impulso para a COP28, que acontece em dezembro, em Dubai, e reunirá representantes dos quase 200 países que participam nas negociações sobre o aquecimento global.
O cansaço entre os ativistas do clima vem aumentando, sobretudo entre os jovens, que no último fim de semana voltaram a tomar as ruas de Nova York em uma manifestação contra os combustíveis fósseis. O descumprimento dos países ricos em suas promessas de ajuda aos países em desenvolvimento é um tema especialmente delicado nas negociações internacionais sobre o clima.
— Talvez seja uma boa notícia que Biden não tenha um espaço na agenda para falar na cúpula — afirmou Catherine Abreu, da ONG Destination Zero, apontando o dedo para os planos de expansão dos combustíveis fósseis dos Estados Unidos. — Trata-se de uma correção em relação a cúpulas anteriores, nas quais os líderes tiveram a oportunidade de tomarem para si a liderança climática no cenário internacional, enquanto perseguiam planos de expansão dos combustíveis fósseis que estão alimentando a crise climática em casa.