Os roteiristas de filmes-catástrofe terão dificuldade para processar 2023. Desde o início do ano, mais de 100 pessoas morreram em enxurradas históricas só no Brasil — da tragédia no Litoral Norte de São Paulo, em fevereiro, ao desastre no Rio Grande do Sul, em setembro. Na pior estiagem do Amazonas, rios secaram. Mais de 100 botos e milhares de peixes cozinharam até a morte. O prejuízo econômico é enorme, e o impacto social e humano jamais conseguiremos esquecer ou precificar.
Sim, é ano de El Niño, potencializado pela elevação da temperatura dos oceanos causada pela mudança do clima. Este pode em breve ser o novo normal num planeta em ebulição, como alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
A mudança climática é um acelerador de pobreza e desigualdade. Nossos sonhos de desenvolvimento social podem ser comprometidos para sempre se não fizermos nada.
Veja efeitos da forte seca no Amazonas
![Vista aérea do Rio Negro com níveis de água muito baixos no Distrito de Cacau Pirera, em Iranduba, estado do Amazonas, em 25 de setembro de 2023 — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/hLjwYjXso-8AA7YSKs2HKzAbC0k=/0x0:4000x3000/648x248/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/o/K/5LlOutTbabsNnrrHDVpg/104437557-aerial-view-of-the-rio-negro-with-very-low-water-levels-at-the-cacau-pirera-district-in-ir.jpg)
![Vista aérea do Rio Negro com níveis de água muito baixos no Distrito de Cacau Pirera, em Iranduba, estado do Amazonas, em 25 de setembro de 2023 — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/ypk0CGOHIrgAKCfjwdaltC-izsE=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/o/K/5LlOutTbabsNnrrHDVpg/104437557-aerial-view-of-the-rio-negro-with-very-low-water-levels-at-the-cacau-pirera-district-in-ir.jpg)
Vista aérea do Rio Negro com níveis de água muito baixos no Distrito de Cacau Pirera, em Iranduba, estado do Amazonas, em 25 de setembro de 2023 — Foto: Michael Dantas / AFP
![O Amazonas está sofrendo uma severa seca que está afetando a navegação e a distribuição de combustível e alimentos para o interior do estado — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/mr1N7cRcjY5H-Hk9-Iw5SEyF-yQ=/0x0:4000x3000/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/B/V/dsSO2YSva6TrBIIigFEg/104431141-topshot-view-of-the-low-level-of-the-rio-negro-due-to-the-drought-in-iranduba-amazonas-n.jpg)
![O Amazonas está sofrendo uma severa seca que está afetando a navegação e a distribuição de combustível e alimentos para o interior do estado — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/EWAqDxt02ZNh_8rjRbCX8MBkZyA=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/B/V/dsSO2YSva6TrBIIigFEg/104431141-topshot-view-of-the-low-level-of-the-rio-negro-due-to-the-drought-in-iranduba-amazonas-n.jpg)
O Amazonas está sofrendo uma severa seca que está afetando a navegação e a distribuição de combustível e alimentos para o interior do estado — Foto: Michael Dantas / AFP
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![Flutuadores encalharam durante uma seca no Rio Negro, em Iranduba — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/uXkXEWqTXgqUfNTWPQ04PAzkINE=/0x0:6720x4480/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/X/1/7m1Dg1R5KKMdvdvt73xQ/104431097-topshot-floaters-run-aground-during-a-drought-on-the-rio-negro-in-iranduba-amazonas-nort.jpg)
![Flutuadores encalharam durante uma seca no Rio Negro, em Iranduba — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/OXNzaGXqKFHEsJE7xuy4K7bVXBM=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/X/1/7m1Dg1R5KKMdvdvt73xQ/104431097-topshot-floaters-run-aground-during-a-drought-on-the-rio-negro-in-iranduba-amazonas-nort.jpg)
Flutuadores encalharam durante uma seca no Rio Negro, em Iranduba — Foto: Michael Dantas / AFP
![Os efeitos da seca na Amazônia são visíveis em grandes rios, como o Negro — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/ehhEEuib3L4TroofL4_UWB6U08k=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/c/P/P7fJAuRMyoiZrJJBq2RA/104431095-topshot-view-of-the-low-level-of-the-rio-negro-due-to-the-drought-in-iranduba-amazonas-n.jpg)
Os efeitos da seca na Amazônia são visíveis em grandes rios, como o Negro — Foto: Michael Dantas / AFP
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![Homem limpa peixes às margens do leito seco do Rio Negro em Iranduba — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/8UJmis6SOKrSZRedirdpFMGDinM=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/n/1/JWlBSLQWWuTDABAswc9Q/104427379-view-of-a-fish-stall-on-the-banks-of-the-rio-negro-in-iranduba-amazonas-northern-brazil-on.jpg)
Homem limpa peixes às margens do leito seco do Rio Negro em Iranduba — Foto: Michael Dantas / AFP
![Cerca de 130 mil famílias do estado serão afetadas pela estiagem e cor rem risco de desabastecimento — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/Iyss-SorFOiirLXqmgz_wgcRnPo=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/L/1/a7rgekToiu38rhUJcFQA/104427381-view-of-the-low-level-of-the-rio-negro-due-to-the-drought-in-iranduba-amazonas-northern-br.jpg)
Cerca de 130 mil famílias do estado serão afetadas pela estiagem e cor rem risco de desabastecimento — Foto: Michael Dantas / AFP
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![Bombeiros tentam apagar incêndio ilegal em área de mata no distrito de Cacau Pirera, em Iranduba — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/4rzR6sqEzS4wZd-8LijXRzVbPJs=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/y/3/Af2fORRXA14VEOYwbjPw/104437511-firefighters-try-to-put-out-an-illegal-fire-in-a-forest-area-at-the-cacau-pirera-district.jpg)
Bombeiros tentam apagar incêndio ilegal em área de mata no distrito de Cacau Pirera, em Iranduba — Foto: Michael Dantas / AFP
![Governo federal e os governos do Amazonas e de Rondônia anunciaram uma força-tarefa para envio aos dois estados de mantimentos, combate aos incêndios e mitigação dos prejuízos ao transporte fluvial — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/882auVY5tZCVJjbbEt092ZsnV0o=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/s/p/IS2i2hQByQKu4yVKWfQA/104427377-view-of-the-low-level-of-the-rio-negro-due-to-the-drought-in-iranduba-amazonas-northern-br.jpg)
Governo federal e os governos do Amazonas e de Rondônia anunciaram uma força-tarefa para envio aos dois estados de mantimentos, combate aos incêndios e mitigação dos prejuízos ao transporte fluvial — Foto: Michael Dantas / AFP
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![Vista aérea do Rio Negro, durante a seca, na Zona Portuária de Manaus, Amazonas, em 23 de setembro de 2023 — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/GKf_wNWqEfqeiXeTkdzBoM6aaso=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/J/w/rvmBpsQem7ARVrHIbEfQ/104427369-aerial-view-of-the-rio-negro-during-drought-in-the-port-zone-of-manaus-amazonas-northern-b.jpg)
Vista aérea do Rio Negro, durante a seca, na Zona Portuária de Manaus, Amazonas, em 23 de setembro de 2023 — Foto: Michael Dantas / AFP
![Incêndio na floresta amazônica em Iranduba, Amazonas — Foto: Michael Dantas / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/AaUDKSu5Oj8yLEZzZMQkg8EANms=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/T/f/mVkoTKS9eQa7SxoNknpg/104427399-aerial-view-of-a-fire-in-the-amazon-rainforest-in-iranduba-amazonas-northern-brazil-on-sep.jpg)
Incêndio na floresta amazônica em Iranduba, Amazonas — Foto: Michael Dantas / AFP
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Décadas de inação, alimentadas por campanhas negacionistas, retardaram muito as urgentes ações de mitigação. Temos não só que cortar emissões aceleradamente, mas adaptar nossa vida e infraestrutura aos impactos climáticos, além de gerenciar perdas e danos causados por eventos cada vez mais fortes e frequentes.
O cobertor é curto e o desafio, cada vez mais intenso e caro. Há pouco tempo para fazer tudo o que precisamos sem comprometer mais o desenvolvimento humano e ampliar as desigualdades.
O Brasil é um dos países com maiores vantagens comparativas para se tornar parte da solução. Não podemos perder a oportunidade de transformar nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas. Precisamos de um pacto social entre governo, sociedade e setor privado.
Liderar pelo exemplo
Desde a posse do presidente Lula, o Brasil reconstruiu a governança climática, retomou a fiscalização ambiental e começou a implementar um novo plano que já resultou na queda de 49% do desmatamento na Amazônia de janeiro a setembro, na comparação com o mesmo período de 2022. Corrigimos a meta brasileira no Acordo de Paris, retomando os níveis de ambição de 2015. Lançamos o Plano de Transformação Ecológica e caminhamos para aprovar o mercado de carbono. Fortalecemos o Fundo Clima, com emissão de títulos soberanos verdes. Retomamos o Fundo Amazônia, relançamos o Bolsa Verde e priorizamos ações para desenvolvimento da bioeconomia e do reflorestamento. Também iniciamos a reindustrialização verde e o novo Plano Safra com elementos de baixo carbono, assim como a transição energética.
Essa agenda sistêmica e integrada demonstra a determinação de unir de forma inédita e estruturada nossos recursos naturais e capacidades sociais e financeiras a caminho de um modelo de desenvolvimento socialmente justo, economicamente robusto e ambientalmente sustentável.
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Zerar desmatamento, precificar o carbono e adaptar a sociedade são ações para defender os interesses nacionais: proteger cidadãos e ecossistemas, turbinar a economia e aumentar a inserção internacional.
O Brasil está centrado em liderar pelo exemplo. Isso é fundamental para cobrar de quem tem mais responsabilidades históricas. Não se resolve a mais grave crise da Humanidade permanecendo na zona de conforto.
Sabemos da nossa responsabilidade de liderar pelo exemplo em um biênio decisivo. Da trajetória que começou com a Cúpula da Amazônia, em agosto, até a COP30, em 2025, vamos presidir o G20, o Mercosul e o Brics. Será preciso fechar lacunas cruciais do Acordo de Paris, como financiamento e novos compromissos de mitigação e adaptação. Talvez a maior contribuição brasileira, além da queda do desmatamento, seja reconstruir a confiança no Acordo de Paris, com maior ambição climática e compromisso ético.
É enorme a preocupação com o fato de que países desenvolvidos retrocedam ou retardem seus compromissos, acelerando a produção de hidrocarbonetos ou fazendo malabarismo contábil com promessas de financiamento climático.
O Brasil já ajudou a romper a paralisia no passado. Precisamos de mais nações com coragem para quebrar a inércia dos resultados obtidos. Por mais meritórios que sejam, eles são insuficientes para atingir a neutralidade de emissões até 2050. Esta é uma agenda inadiável.
*Ana Toni é secretária nacional de Mudança do Clima do MMA
**O artigo faz parte de uma série de 12 textos que explicam e detalham a Convenção da ONU sobre a Mudança do Clima (COP) e as negociações para as mudanças climáticas. A seleção de articulistas e a edição foram obra da Alter Conteúdo.