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Coalizão espanhola apresenta plano de governo com mais impostos para ricos, revogação de reforma trabalhista e agenda feminista

Primeira aliança de esquerda desde a Guerra Civil, que ainda precisa do aval do Congresso, aspira ser 'referência mundial' de 'modernidade, progressismo e feminismo'
Os líderes do Psoe, Pedro Sánchez, e o do Podemos, Pablo Iglesias, assinam o programa da coalizão de governo Foto: GABRIEL BOUYS / AFP
Os líderes do Psoe, Pedro Sánchez, e o do Podemos, Pablo Iglesias, assinam o programa da coalizão de governo Foto: GABRIEL BOUYS / AFP

MADRI — O Partido Socialista Espanhol (Psoe) e o Unidas Podemos, ambos de esquerda, apresentaram nesta segunda-feira o plano da coalizão de governo que formaram depois das eleições gerais espanholas de novembro e que ainda precisa ser aprovada pelo Parlamento. O futuro Executivo, que, para ser formado, depende da abstenção do partido independentista Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), aspira ser uma "referência mundial" de "modernidade, progressismo e feminismo", segundo disse o secretário geral do Podemos, Pablo Iglesias.

O plano foi apresentado nesta segunda-feira à tarde, depois de sete semanas de negociações desde as últimas eleições. Caso a ERC torne o acordo possível, este será o primeiro governo de coalizão de esquerda no país desde a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), tendo por principais referências as políticas sociais, as mudanças climáticas e o feminismo, segundo afirma o texto. O primeiro-ministro, caso o governo seja aprovado no Parlamento, será o atual incumbente do cargo, Pedro Sánchez, do Psoe, com Iglesias como vice.

O plano contém duas propostas cruciais:  uma ambiciosa reforma tributária com aumentos de impostos para os mais ricos e grandes empresas e a revogação dos aspectos considerados mais prejudiciais pela esquerda da reforma trabalhista implantada em 2012 no governo de Mariano Rajoy, do direitista Partido Popular (PP).

Além disso, o plano de governo inclui também o fim da Lei de Segurança Cidadã, conhecida como Lei da Mordaça, que restringe o direito de manifestação — proibindo, principalmente, manifestações não autorizadas — e permite a expulsão de imigrantes sem documentação.

Entre outras medidas, há também um aumento acentuado do salário mínimo e um aumento da autonomia concedida à Catalunha e ao País Basco, sem contudo remover as regiões da Espanha.

Segundo a proposta apresentada, o Imposto de Renda subirá dois pontos para quem ganha mais de 130 mil euros por ano, e quatro pontos para quem recebe mais de 300 mil euros por ano. A taxa imposta pelo Estado sobre a renda também aumentará em quatro pontos percentuais a partir de 140 mil euros, chegando a 27%. Além disso, será estabelecida uma taxa mínima de 18% para bancos e empresas de energia.

O texto também promete recuperar “direitos trabalhistas retirados pela reforma de 2012”, aprovada por Rajoy. Com caráter urgente se revogará a demissão por ausência causada por doença, o que já foi pactado com sindicatos. Para tentar combater a precariedade, um dos grandes males do mercado de trabalho espanhol, a subcontratação será limitada a serviços especializados que não sejam vinculados à atividade principal da empresa. Além disso, se limitará “a capacidade de modificação unilateral das condições do contrato por parte da empresa”.

Leia mais: Advocacia da Espanha pede libertação temporária de líder separatista catalão

O texto também inclui um aumento acentuado do salário mínimo, de até 60% ao longo da legislatura, até chegar a 1.200 euros. Nas aposentadorias também haverá novidades: são eliminados o fator de sustentabilidade (a fórmula que liga as aposentadorias à expectativa de vida) e o índice de reavaliação (que associa o aumento das aposentadorias ao progresso da economia) previsto na lei de 2013 para “garantir a sustentabilidade do sistema em médio e longo prazo”.

Em termos de políticas de gênero, o texto propõe promover a igualdade de oportunidades e iniciativas de natureza transversal para promover a "luta determinada" contra a violência sexista. As duas partes comprometeram-se a aprovar uma lei específica contra a violência sexual, a coibir o tráfico e a exploração de mulheres — sem entrar na questão da prostituição — e a reduzir a diferença salarial entre os gêneros. Parte dessas propostas já está em andamento ou já fora anunciada, como a equalização das licenças paternidade e maternidade.

O texto dedica uma seção inteira à luta contra as mudanças climáticas, e estabelece como primeira prioridade a aprovação da lei de mudança climática e transição energética, pendente desde o início desta década. Poucos dados são oferecidos sobre os objetivos que seriam estabelecidos com esse novo padrão, mas o texto afirma que, em 2050, 100% da geração de eletricidade deve ser de origem renovável (o percentual atual é de em torno de 40%).

O ponto mais delicado do acordo é uma possível solução para a crise política na Catalunha. A este respeito, o acordo entre o Psoe e o Unidas Podemos propõe a atualização da condição de autonomia conferida às regiões, mas mantém o compromisso com "uma Espanha forte e coesa". No texto assinado pelas duas partes que buscam governar a Espanha em coalizão, está acordado "abordar o conflito político catalão promovendo o caminho político através do diálogo, da negociação e de acordos entre as partes que superarão a situação atual".

O acordo permite o estabelecimento de uma "mesa de diálogo" entre o governo da Espanha e o das regiões autônomas, como defende a ERC. "O quadro de colaboração entre o governo central e as comunidades autônomas será definido pelo princípio do multilateralismo", diz o texto, o que "não impede a presença de procedimentos e órgãos bilaterais, especialmente quando se trata de resolver uma questão de interesse específico para uma ou mais comunidades autônomas ".

Para tentar remover as críticas sobre a futura mesa de diálogo, que é atacada pela direita como uma forma de entreguismo e um canal que provocará a fragmentação do Estado espanhol, o texto afirma que "as relações bilaterais sempre serão governadas pelos princípios de lealdade e colaboração entre territórios estabelecidos pela Constituição".

A abstenção da ERC é indispensável para que a coalizão seja aprovada no Parlamento e forme o governo, ao lado dos partidos menores PNV, Mais países, Compromís, regionalistas da Cantábria (RPC) e Nova Canárias. A decisão dos 13 deputados do ERC e dos cinco do partido basco Bildu de se abster abriria caminho para a eleição de Sánchez. Nos últimos dias, o PSOE manteve diálogo intenso com pequenos partidos e deixou tudo pronto para terminar o mais difícil, que foi o acordo com a ERC.

Durante a apresentação do programa, Sánchez e Iglesias não responderam a perguntas de jornalistas. O processo de negociação entre as partes foi muito complexo porque o ERC, que se abstive na votação em julho sem qualquer compensação, agora enfrenta muitas dificuldades depois da condenação de seu líder Oriol Junqueras a 13 anos de prisão pelo caso do referendo sobre a independência catalã , em outubro de 2017, e a declaração de independência feita dias depois.

O ambiente político mudou muito na Catalunha após a sentença, algo que Gabriel Rufián, porta-voz da ERC, já havia avisado em julho, quando incentivou Pedro Sánchez e Pablo Iglesias a chegarem a um acordo em setembro. Nesta segunda-feira pela manhã, a Advocacia da Espanha, que representa os interesses do Estado espanhol, pediu ao Tribunal Supremo do país a libertação temporária de Junqueras. A decisão foi vista como um gesto de boa vontade política por parte do Psoe, e um aceno para a formação de um governo.