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Com Morales, satisfação dos bolivianos com a democracia chegou a 50%, mas caiu para 28% em 2018

A deterioração do respaldo ao sistema democrático, apontaram especialistas, começou com o terceiro mandato presidencial consecutivo do Movimento ao Socialismo
Oficialmente chamdada de Estado Plurinacional da Bolívia reúne diferentes culturas e línguas indígenas Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Oficialmente chamdada de Estado Plurinacional da Bolívia reúne diferentes culturas e línguas indígenas Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO — Quando Evo Morales foi eleito presidente pela primeira vez, em 2005, o apoio dos bolivianos à democracia alcançava 56%, de acordo com dados da ONG chilena Latinobarômetro. Em 2009, o percentual chegou a 76% e a partir daquele momento entrou numa curva negativa até chegar a 60% no ano passado, bem próximo dos níveis de 14 anos atrás. Na opinião de Marta Lagos, diretora da ONG, "Morales perdeu a chance de ser o último grande presidente democrata de esquerda da região por ter, como muitos outros, cedido à tentação de perpetuar-se no poder".

— Morales estava no caminho de virar uma autocracia eleitoral, um governo que tem fachada democrática mas se mantém por eleições ilegítmas — assegurou Marta ao GLOBO.

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Ela considera que a saída de Morales do poder é consequencia de um "golpe, mas não um dos clássicos, não vimos militares ocupando o poder". Para a especialista chilena, numa democracia é "inadmissível que um chefe militar dê recomendações a um presidente. Mas o quadro é complexo, a realidade é que Morales já tinha quebrado suas próprias regras democráticas".

Os dados da Latinobarômetro mostram que no começo do governo do Movimento ao Socialismo (Mas) , o percentual de satisfação dos bolivianos com a democracia era de 40%, chegando a 50% no segundo governo de Morales, em 2009. Era um dos mais altos da região. Foi a partir daquele momento, apontou a diretora da Latinobarômetro, que "Morales perdeu o rumo". Em 2018, o percentual foi de apenas 28%.

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— O ex-presidente começou a ir além da lei, decidiu ficar no poder a qualquer custo. É muito triste o que estamos vendo, mas também é verdade que a Bolívia nunca voltará a ser o que era antes de Morales, não tem volta atrás em muitas de suas conquistas, entre elas o reconhecimento de que o país é plural e os indígenas devem ser reconhecidos — frisou e especialista.

O professor da Universidade Internacional da Florida Eduardo Gamarra, nascido na Bolívia e que acompanha de perto a política de seu país, acredita que a cúpula das Forças Armadas pediu a saída de Morales porque "estava totalmente decidida a não reprimir manifestantes, pelo trauma deixado pelos protestos de 2003, quando morreram pelo menos 58  pessoas".

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— Os militares hoje não admitem cumprir funções policiais e pelo que sei já havia ocorrido uma reunião na qual tinham se negado a isso. As marchas estavam cheias de jovens, estudantes, reprimir não era uma opção para as Forças Armadas — assegurou Gamarra.

O professor questionou a "candidatura ilegímita" de Morales e "uma fraude colossal antes, durante e depois da eleição".

— Morales transformou a Bolívia, os jovens de hoje têm uma consciência sobre igualdade que nunca antes se teve. Mas ele não percebeu sua própria transformação, queria se manter no poder com um discurso político que já não funciona — opinou Gamarra.

O professor, como Marta realiza pesquisas sobre os sistemas políticos no continente e afirma que há mais de 30 anos já se vê "uma queda expressiva na confiança das instituições democráticas". Essa queda, concluiu, foi o que permitiu a chegada de líderes como Evo Morales e o venezuelano Hugo Chávez ao poder. O problema, frisou, "é que ninguém, nem de esquerda, nem de direita, cumpriu suas promessas".