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Com testagem e rastreamento de casos, Vietnã anuncia que controlou disseminação da Covid-19

Enquanto os EUA têm mais mortes do que soldados americanos que perderam a vida na guerra contra Hanói, país do Sudeste Asiático se antecipa e evita explosão de casos
Propaganda do governo vietnamita para o uso obrigatório de máscaras no país Foto: MANAN VATSYAYANA / AFP
Propaganda do governo vietnamita para o uso obrigatório de máscaras no país Foto: MANAN VATSYAYANA / AFP

HANÓI — Enquanto mais de 60 mil americanos morreram na pandemia da Covid-19 , mais do que os 58.202 soldados americanos mortos na Guerra do Vietnã , o país do Sudeste Asiático anunciou ter controlado a expansão da doença com uma estratégia de testagem e rastreamento de casos.

O empresário Phan Quoc Viet estava fazendo suas orações habituais em um templo em Tay Ninh, uma província no sul do Vietnã, quando recebeu uma ligação do governo. Era final de janeiro, logo após o Ano Novo Lunar. O Vietnã havia detectado seus dois primeiros casos do novo coronavírus dias antes, e as autoridades estavam entrando em contato com empresas com experiência em diagnósticos médicos para obter ajuda urgente.

— O funcionário disse que o Vietnã precisava agir rapidamente — disse Viet, cuja empresa de equipamentos médicos, Viet A Corp, fabrica kits de teste e tem sido fundamental para o país intensificar seu programa de testagem em resposta à pandemia.

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O Vietnã, um país de 96 milhões de pessoas que faz fronteira com a China , está declarando que foi bem-sucedido em controlar a pandemia do novo coronavírus — algo que nações mais ricas e mais desenvolvidas não conseguiram.

Segundo os números oficiais do governo vietnamita, houve 270 caso confirmados da Covid-19 e nenhuma morte — em comparação, as Filipinas , nação vizinha e cuja população é um pouco maior, registrou quase 30 vezes mais contaminações e mais de 500 óbitos.

De acordo com especialistas entrevistados pela Reuters, o sucesso do Vietnã se deu pelas medidas precoces e decisivas para restringir as viagens ao país, pela ampliação da testagem e pela organização de um sistema para rastrear aqueles que poderiam ter sido expostas ao vírus, pondo em quarentena em centros especiais dezenas de milhares de pessoas nessa condição.

— As etapas são fáceis de descrever, mas difíceis de implementar, e [o país] foi bem-sucedido em implementá-las repetidas vezes — disse Matthew Moore, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA ( CDC ) em Hanói, a capital do país, que tem mantido contato com o governo do Vietnã desde o início de janeiro.

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De acordo com Moore, o CDC tem uma "grande confiança" na resposta do governo vietnamita à crise. O país asiático aumentou o número de laboratórios capazes de testar a Covid-19, indo de três, no início do surto em janeiro, para 112 em abril. Até a última quarta-feira, mais de 213 mil testes foram feitos no Vietnã, dos quais 270 foram positivos, segundo dados do Ministério da Saúde. A proporção, de 791 testes para cada caso confirmado, é de longe a mais alta do mundo, de acordo com dados compilados pela Reuters. A segunda mais alta, em Taiwan, foi de 140 testes para cada confirmação.

Testagem em massa

Segundo especialistas, o cenário no Vietnã envolveu uma combinação de uma liderança autoritária, uma economia de mercado aberta e uma população com experiência em epidemias e pronta para cooperar.

— Tudo é organizado, [o governo] pode tomar decisões para todo o país que são adotadas de maneira rápida, eficiente e sem muita controvérsia — explica Guy Thwaites, diretor da Unidade de Pesquisa Clínica da Universidade de Oxford na cidade de Ho Chi Minh, antiga Saigon.

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O laboratório de Thwaites tem ajudado a processar testes e, segundo ele, o número de testes com resultado positivo obtido pelo laboratório de sua organização está em linha com os dados do governo. Ele disse que, nas enfermarias do hospital onde trabalha — o Hospital de Doenças Tropicais de Ho Chi Minh, que com 550 leitos atende uma população de 45 milhões de pessoas no sul do Vietnã —, não houve a admissão de nenhum caso que não esteja refletido nos números oficiais.

— Se houvesse transmissão comunitária não declarada ou não reconhecida, teríamos visto os pacientes em nosso hospital — disse.

Segundo Thwaites, o laboratório de sua organização aumentou a capacidade de testagem, indo de 100 para mil testes por dia.

Os gerentes de 13 casas funerárias em Hanói também afirmaram que não viram aumento nas mortes. Um deles disse que os pedidos de funerais caíram durante a quarentena no país, devido à redução de acidentes de trânsito, uma das principais causas de morte no Vietnã.

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Todd Pollack, um especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina de Harvard e que mora em Hanói, disse que menos de 10% das pessoas que testaram positivo para o vírus no Vietnã tinham mais de 60 anos — a faixa etária mais vulnerável à Covid-19. Todos os pacientes, acrescentou, foram monitorados de perto nas unidades de saúde e receberam bons cuidados médicos. Pollack disse ainda que uma boa comparação com o Vietnã é a Coreia do Sul, outro país que conseguiu fazer um grande programa de testes e manter o número de óbitos relativamente baixo.

Medidas precoces

No final de fevereiro, enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , ainda estava minimizando os perigos do novo coronavírus, o Vietnã já começava a procurar os componentes cruciais para produzir em massa kits de teste. Pesquisadores da Universidade Médica Militar, trabalhando em conjunto com a Viet A Corp, a empresa de Phan Quoc Viet, já haviam criado um kit de testagem, e o governo deu à companhia uma licença para sua produção maciça.

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No dia 23 de janeiro, o país asiático já havia suspendido os voos que iam e vinham da cidade chinesa de Wuhan , onde a pandemia começou, imediatamente após a descoberta dos dois primeiros casos. A medida foi tomada antes mesmo que a Organização Mundial de Saúde ( OMS ) aconselhasse as restrições de viagem . Uma semana depois disso, o Vietnã fechou sua fronteira de 1.400 km com a China, exceto para o comércio de bens essenciais.

Em meados de março, o Vietnã tornou obrigatório o uso de máscara s em locais públicos em todo o território, bem à frente da maioria dos outros países e sem seguir os conselhos da época da OMS, de que apenas pessoas com sintomas deveriam usá-las. Algumas fábricas de roupas do Vietnã passaram a fazer máscaras cirúrgicas e de tecido para atender à demanda.

A testagem no Vietnã foi acompanhada pelo programa de rastreamento dos contato dos infectados, pondo em quarentena dezenas de milhares de pessoas em centros organizados pelos militares.

Os testes da Viet A Corp começaram a ser usados em 4 de março. Antes disso, o número de casos confirmados não passava de 20. Na segunda semana de março, esse número mais que dobrou. No início de abril, o número de testados ultrapassou a quantidade de pessoas em quarentena.

Médicos militares testaram e retestaram casos suspeitos, liberando gradualmente da quarentena aqueles cujos testes deram seguidos resultados negativos. Pessoas que não tiveram contato conhecido com infectados, e que não estavam em quarentena, também foram testadas.

A resposta rápida do Vietnã não parece ter sido afetada pela aposentadoria do ministro da Saúde em novembro. O ministro interino, o vice-primeiro-ministro Vu Duc Dam, tem sido exaltado nas mídias sociais pela coordenação da força-tarefa contra o coronavírus.