Mundo Europa

Com trunfo da estabilidade, Costa tirou votos de ex-parceiros da esquerda e ganhou aposta política em Portugal

Crescimento econômico pós-pandemia, desemprego baixo e vacinação em massa inclinaram balança em favor do Partido Socialista
António Costa comemora a vitória nas urnas: maioria absoluta, sem apoio dos antigo companheiros de esquerda Foto: PEDRO NUNES / REUTERS
António Costa comemora a vitória nas urnas: maioria absoluta, sem apoio dos antigo companheiros de esquerda Foto: PEDRO NUNES / REUTERS

LISBOA — António Costa apostou alto e saiu vencedor. Após a crise política causada pela reprovação do Orçamento de Estado, o primeiro-ministro pediu aos portugueses uma maioria absoluta no Parlamento para governar livre dos aliados de esquerda. Correu o risco de perder o mandato, a liderança do Partido Socialista (PS) e a carreira política em Portugal. Mas, no domingo, venceu as eleições antecipadas de maneira histórica , conquistando a maioria absoluta na Assembleia da República e esmagando os ex-parceiros de Geringonça, a antiga coalizão de governo com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista (PCP).

Do limbo ao terceiro lugar no Parlamento: A ascensão da extrema direita em Portugal

A estratégia de jogar nos ex-aliados a culpa da crise que levou à convocação das eleições deu certo. Costa começou a campanha com o seu Orçamento para 2022 debaixo do braço . Fez dele o símbolo da estabilidade derrubada pelos vetos da esquerda. Herdou cerca de 350 mil votos diretos do Bloco, que caiu de 19 para cinco deputados, e do PCP, que tinha 12 e perdeu seis. O PS fez 117 deputados, um a mais que os 116 necessários para a maioria absoluta, e ainda pode fazer mais com as quatro cadeiras correspondentes a votos no exterior que estão pendentes de definição.

O cientista político português António Costa Pinto previa um “castigo” para as siglas de esquerda e ligeira subida do PS, mas ressaltou que nenhuma pesquisa foi capaz de antecipar o impacto do resultado da aposta do premier.

— António Costa ganhou a aposta porque entendeu que os partidos de esquerda seriam punidos, mas a extensão foi maior que o previsto. E, além dessa transferência de votos do Bloco e PCP, a crise mobilizou os militantes do PS, uma prova que o eleitorado de esquerda não queria uma crise neste momento — disse Pinto.

Portugal Giro: O blog de Gian Amato, de Lisboa

Outros números ajudam a explicar a preferência dos portugueses pelo PS. Cansados da crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19 e dos dois exaustivos anos de combate ao coronavírus, os eleitores votaram pela estabilidade para o país virar a página e voltar a crescer. Na reta final da campanha, Costa já havia deixado escapar um ou outro índice, confirmados nesta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE): o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,9% em 2021, valor mais elevado desde 1990. E a taxa de desemprego desceu para 5,9%, a mais baixa em quase 20 anos.

O resultado final da eleição

Para o cientista político José Adelino Maltez, o português provou que está satisfeito com a política econômica e com as propostas elaboradas por Costa em seu Orçamento, que é o mais social de todos os seis anos de governo, com mexidas em alíquotas do Imposto de Renda, aumento de salário mínimo e investimento no Sistema Nacional de Saúde. Propostas que o Bloco e o PCP consideraram insuficientes, mas que Costa manteve.

— Os portugueses querem voltar a crescer sem crise e preferem ganhar pouco, mas ganhar todo mês. Não há classe média em Portugal, há o remediado e a maioria absoluta do PS prova que os eleitores não querem aventuras. Não querem empobrecer, mas perceberam que não vão enriquecer. Então, preferem uma vida segura, uma aposentadoria segura, que Costa deu. Querem um Estado social, com escola e saúde públicas — analisou Maltez.

Além de confiar na retomada econômica, impulsionada pelos € 16,6 bilhões do pacote de resgate da União Europeia que começam a chegar este ano, cada voto no PS pode ser considerado um agradecimento pelo sucesso da campanha de vacinação contra o coronavírus, que alcançou os maiores índices de imunizados do bloco: 90,5% da população total e 48% já com a dose de reforço .

— O português não encontrou razão para, nesta conjuntura, derrubar o PS. Pelo contrário, quis referendar o governo com um voto de reconhecimento ao combate à Covid-19 — explicou Pinto.

Futuro da extrema direita

Ao mesmo tempo em que alçaram o PS à segunda maioria absoluta de sua história — a primeira foi com José Sócrates, em 2005 — as urnas deram à extrema direita um crescimento expressivo. Criado em 2019 para as eleições daquele ano, quando elegeu o deputado André Ventura, o Chega passou de um para 12 assentos e virou a terceira força do Parlamento.

Sozinho, o partido supera o número de deputados eleitos pelo Bloco e o PCP juntos. A ultradireita tirou votos dos dois partidos da esquerda e da direita tradicional, enfraquecendo o Partido Social Democrata (PSD), principal sigla de oposição ao PS, que elegeu 71 deputados, e ajudando na aniquilação do nanico Partido Popular (CDS-PP), que deixa o Parlamento. Parte dos votos da direita também foi para a Iniciativa Liberal (IL), que saltou de um para oito deputados.

— O Chega fez como a extrema direita europeia costuma fazer, tirando votos à esquerda e à direita, no interior e nas cidades litorâneas. Enquanto o IL se concentrou no litoral — disse Maltez.

Egresso das mesas redondas esportivas da TV, Ventura usou a tática do bate-boca nos debates para evitar o escrutínio das propostas de teor xenófobo, racista e nacionalista que não têm como passar no Parlamento. Especialistas garantem que é um partido marqueteiro e personalista, sem quadros relevantes no cenário nacional, mas que reforçou consideravelmente seu capital político diante de uma direita tradicional em crise.

— Não é ameaça à democracia, mas é evidente que os resultados provam que dificilmente a direita tradicional terá chance de um governo nacional sem o Chega. É possível que o PSD vire mais à direita para tentar acompanhar o ritmo — ressaltou o cientista político Costa Pinto.

Entre as novas faces da bancada da direita populista, a jovem deputada Rita Matias, de apenas 23 anos e eleita por Lisboa, entrará no Parlamento para tentar alavancar uma agenda conservadora. Ela é filha de Manuel Matias, líder do antigo Partido Pró-Vida/Cidadania e Democracia, fundido com o Chega.

— Esta jovem é bem determinada, contra o aborto, ultracatólica. Eles têm três deputados deste grupo. Não há ameaça, mas vão ser incômodos — disse Maltez.

Uma prova do incômodo que pode ser causado: eleito por Braga, Felipe Melo é acusado de xenofobia dentro do próprio partido contra a brasileira Cibelli Pinheiro, natural do Recife e, na época, presidente da mesa da Assembleia Distrital. Ao criticar a brasileira numa rede social, Melo escreveu: “Não vai ser uma brasileira que vai mandar nos destinos de um partido nacionalista… Se uma brasileira não se preocupa com o futuro do partido e do nosso líder, vamos mostrar de que raça somos feitos”.