Mundo

Comissão da OEA recomenda investigação internacional independente sobre mortes na Bolívia

CIDH condenou massacres de Sacaba e Senkata, quando 18 apoiadores do ex-presidente Evo Morales morreram
Fumaça na entrada da fábrica em Sankata, palco dos confrontos na terça-feira Foto: DAVID MERCADO / REUTERS / 19-11-2019
Fumaça na entrada da fábrica em Sankata, palco dos confrontos na terça-feira Foto: DAVID MERCADO / REUTERS / 19-11-2019

LA PAZ — A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomendou nesta quarta-feira a realização de uma investigação internacional sobre as graves violações ocorridas durante os protestos na Bolívia, que acabaram com a morte de 36 pessoas e mais de 800 feridos. Após a publicação, o governo de transição rejeitou o relatório, classificando o documento de “tendencioso” e favorável ao “narcoterrorismo”.

Em um documento preliminar após uma visita ao país, a CIDH expressou sua “condenação aos massacres de Sacaba (Cochabamba) e Senkata (El Alto), nos quais teriam sido cometidas graves violações de direitos humanos”. Nos dois locais, 18 apoiadores do ex-presidente Evo Morales morreram, a maioria por disparos de armas de fogo, durante operações de militares e policiais.

À época, o ministro da Defesa do governo interino que assumiu após a renúncia de Morales, em 10 de novembro, Fernando López, disse que os projéteis usados não eram compatíveis com os das Forças Armadas.

Leia mais: Exploração do lítio, o ‘ouro branco’ de Evo Morales, vira uma incógnita na Bolívia

O ministro do Interior, Arturo Murillo, por sua vez, sugeriu que as mortes podem ter sido causadas por infiltrados com a intenção de culpar o governo. Nesta quarta-feira, após a divulgação do documento, Murillo descreveu o relatório como “totalmente tendencioso”. O organismo faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), entidade que denunciou fraude na votação , levando aos protestos que acabaram com a renúncia de Morales.

— Ele não reflete a realidade. Está favorecendo apenas o narcoterrorismo. Essas mortes, quase inteiramente, foram realizadas por narcoterroristas — insistiu Murillo.

O documento também sugeriu a formação de um grupo internacional de peritos independentes para realizar “uma investigação imparcial sobre os fatos”. Em seu relatório, a CIDH lembra que as operações aconteceram sob o Decreto 4078, já revogado, que eximia de responsabilidade penal militares que participaram de operações para reestabelecer a ordem interna. O decreto foi baixado logo após sua posse pela presidente interina, Jeanine Añez .

A CIDH também recomendou que o governo “adote medidas para investigar, processar e punir os responsáveis por todos os atos de violência e para desmantelar os grupos armados privados que exerceram violência contra a população civil”.

Veja também: Uma viagem ao berço político de Evo Morales na Bolívia

Morales, que está atualmente em Cuba após um mês exilado no México , comentou o documento:

“O relatório do @CIDH confirma que houve massacres contra minhas irmãs e irmãos em Sacaba e Senkata”, escreveu o ex-presidente no Twitter. “Os golpistas (Jeanine) Áñez, (o líder de extrema direita Luis Fernando) Camacho, (o ex-presidente Carlos) Mesa e todos os que atiraram pensaram que poderiam matar sem nenhuma consequência. Agora serão julgados por tribunais nacionais e internacionais”.

Buscas na casa de Morales

A viagem a Cuba é apenas uma parada até seu destino final: a Argentina , de onde comandará a campanha de seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS).

Na Bolivia, o governo continua investigando aliados do ex-presidente. Na noite de terça-feira, o Ministério Público realizou buscas em uma casa em La Paz, conhecida como a “casa de Evo Morales”, como parte de uma investigação no inquérito em que o ex-presidente é acusado de supostos terrorismo e sedição. Foram levados documentos, dois computadores e um inventário de móveis. Segundo o promotor Rudy Terrazas, a propriedade servia para o ex-presidente realizar reuniões com pessoas em quem confiava.

A crise política boliviana teve início no dia 20 de outubro, quando ocorreram as eleições presidenciais que deram a Evo Morales um quarto mandato ainda no primeiro turno. Um conturbado processo de apuração e a minúscula margem de vitória geraram uma série de denúncias de fraude.

Em uma auditoria, a Organização dos Estados Americanos ( OEA ) constatou indícios de irregularidades, o que levou Morales a convocar novas eleições em 10 de novembro, em meio a protestos opositores e um motim policial. As Forças Armadas, no entanto, retiraram seu apoio ao presidente, e Morales renunciou no mesmo dia, buscando em seguida asilo no México.

O então vice-presidente, Álvaro García Linera, também renunciou — atitude que foi seguida pelos presidentes da Câmara, do Senado e seus vices, abrindo uma vacância no poder que fez com que Jeanine Áñez se declarasse presidente interina no país por ser a segunda vice-presidente do Senado, numa sessão sem quórum no Congresso .