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'Consome minha alma': vítimas de bilionário americano testemunham na Justiça após suicídio dele

Ao todo, 16 mulheres afirmaram terem sofrido abusos de Jeffrey Epstein, encontrado morto na própria cela
Jennifer Araoz foi uma das vítimas que depôs nesta terça-feira contra Jeffrey Epstein Foto: SPENCER PLATT / AFP
Jennifer Araoz foi uma das vítimas que depôs nesta terça-feira contra Jeffrey Epstein Foto: SPENCER PLATT / AFP

NOVA YORK — Uma sucessão de mulheres que afirmam ter sido abusadas por Jeffrey Epstein quando jovens expressaram raiva e comoção em um tribunal lotado em Nova York nesta terça-feira, algumas lamentando que o suicídio do bilionário as tenha privado da oportunidade de obter justiça.

— O fato de que eu nunca vou ter a chance de encarar esse predador na corte consome minha alma — disse a acusadora Jennifer Araoz durante audiência de duas horas e meia diante do juiz distrital Richard Berman , que deixou que as vítimas testemunhassem apesar de a morte de Epstein significar que ele não estaria presente no próprio julgamento.

— Não deixarei que ele vença nem na morte — disse outra vítima, Chauntae Davies, à corte.

As declarações de mulheres expressando sua dor e, muitas das vezes, segurando as lágrimas, vieram menos de três semanas depois de Epstein ter sido encontrado morto em sua cela em Manhattan , onde aguardava julgamento por acusações de tráfico sexual envolvendo dezenas de meninas de até 14 anos.

Promotores federais solicitaram que o juiz arquivasse formalmente o caso contra Epstein devido a sua morte, mas garantiram que a investigação do governo sobre possíveis co-conspiradores estava em andamento.

Uma após a outra, as vítimas detalharam as atitudes que Epstein tomara com elas quando eram apenas adolescentes. Ao todo, 16 mulheres testemunharam. Seis optaram por manter seus nomes em sigilo e sete tiveram seus depoimentos lidos pelos advogados.

— Ele mostrou ao mundo o tipo de covarde depravado que era ao tirar sua própria vida. — disse Sarah Ransome, uma das vítimas que prestou depoimento. — Por favor, por favor, terminem o que vocês começaram. Nós sabemos que ele não agiu sozinho — implorou ainda aos promotores, para que responsabilizem os co-conspiradores de Epstein.

Epstein, que já teve em seu círculo de amigos personalidades como o atual presidente dos Estados Unidos , Donald Trump , o ex-presidente Bill Clinton e o príncipe inglês Andrew , foi preso no dia 6 de julho e se declarou inocente.

O financista bilionário de 66 anos foi encontrado morto em sua cela no Metropolitan Correctional Center , em Lower Manhattan . O resultado da autópsia concluiu que ele se enforcou.

Ao explicar porque deu às mulheres e aos seus advogados a oportunidade de se dirigir ao tribunal, o juiz disse que era "tanto devido a relevância do que elas viveram quanto porque as vítimas deveriam estar envolvidas antes, e não depois". No final da audiência, Berman também disse que "todos se beneficiariam muito" em terem ouvido as mulheres.

Os promotores acusaram Epstein de providenciar que as meninas realizassem massagens nuas e outros atos de cunho sexual, além de pagar as garotas para recrutar outras, pelo menos entre 2002 e 2005. Algumas das vítimas também acusaram Epstein de estupro.

'Mais clareza'

Davies contou ao tribunal que Epstein havia a contratado para fazer massagens. Ela disse ainda que Epstein a estuprou pela terceira ou quarta vez que se encontraram em sua ilha particular e continuou a abusar dela.

Outra testemunha, que preferiu não se identificar, afirmou que Epstein a molestou aos 15 anos em seu rancho no Novo México .

— O que me lembro com mais clareza é dele me explicando como aquela experiência seria benéfica para mim — disse a vítima.

A morte de Epstein desencadeou investigações do FBI , do escritório do inspetor-geral do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do Federal Bureau of Prisons (BOP), agência do Departamento de Justiça responsável pelo sistema federal de prisões, que administra o centro de detenção.

Os advogados de Epstein, Reid Weingarten e Martin Weinberg , disseram ter dúvidas em relação a conclusão do médico legista de que Epstein teria cometido suicídio , e pediram a Berman que a investigação continue.

Epstein foi preso em Nova York mais de dez anos depois de ter evitado um processo por acusações federais semelhantes no estado da Flórida . Na ocasião, ele fechou um acordo que permitiu que se declarasse culpado pelas acusações estaduais de prostituição.

O acordo, que foi amplamente criticado por ser considerado brando demais para a gravidade da situação, resultou em 13 meses de prisão para Einstein no condado local, a qual ele era autorizado a deixar durante o dia com liberação para trabalhar.

Na audiência, o juiz disse que era obrigado a negar provimento ao indiciamento.

— A rejeição desta acusação a Jeffrey Epstein de forma alguma proíbe ou inibe a investigação em andamento do governo sobre possíveis co-conspiradores — disse o procurador assistente dos EUA, Maurene Comey , acrescentando que os promotores também podem continuar investigando a perda dos bens de Epstein.

Muitas das mulheres que prestaram depoimento afirmaram que Ghislaine Maxwell , companheira de longa data de Epstein, ajudou-o a recrutar meninas e a praticar seus abusos.

Um porta-voz dos promotores federais de Manhattan se recusou a confirmar ou negar se Maxwell ou qualquer outra pessoa estaria sob investigação. Os advogados de Maxwell não foram encontrados a tempo de comentar o conteúdo dos depoimentos.

Muitas mulheres entraram com ações civis desde a morte de Epstein, buscando indenização monetária.

Dois dias antes de sua morte, Epstein assinou um testamento que colocava todas as suas propriedades, que utrapassam a quantia de US$ 577 milhões, em uma relação de confiança, de acordo com uma cópia do documento. A medida pode dificultar o acesso de acusadores a suas riquezas em processos civis.

— Sinto-me muito zangada e triste que a justiça nunca tenha sido cumprida nesse caso — disse Courtney Wild, umas das acusadoras.