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Coreias do Sul e Norte restauram linhas de comunicação, um ano após Kim Jong-un cancelar diálogo

Os líderes de ambos países trocam cartas desde abril para melhorar a relação na península; questões internas nas duas nações podem influenciar próximos passos de eventual aproximação
Presidente sul-coreano Moon Jae-in e líder norte-coreano Kim Jong-un se cumprimentam em setembro de 2018 Foto: KCNA / via Reuters
Presidente sul-coreano Moon Jae-in e líder norte-coreano Kim Jong-un se cumprimentam em setembro de 2018 Foto: KCNA / via Reuters

SEUL E PYONGYANG — As Coreias do Norte e do Sul retomaram na manhã desta terça-feira (noite de segunda-feira no Brasil) as linhas de comunicação entre as duas nações, cortadas há pouco mais de um ano, em um ato que pode servir de passo inicial para retomar as hoje congeladas negociações sobre o programa nuclear coreano.

O anúncio veio através de notas oficiais similares divulgadas por Pyongyang e Seul: ambas apontaram que a restauração das linhas de comunicação era um passo para reconstruir a confiança, melhorar os laços e levar adiante a relação intercoreana.

Os textos também revelaram que, apesar das conversas oficialmente congeladas, o presidente sul-coreano Moon Jae-in e o líder norte-coreano Kim Jong-un estavam em contato desde abril, por meio de cartas. Foi através deste canal que os dois negociaram a retomada dos canais de comunicação, e podem ter dado passos concretos para quebrar o impasse diplomático na Península Coreana.

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A Coreia do Norte havia interrompido todo diálogo oficial com a vizinha do Sul em junho de 2020, acusando Seul de não reprimir ativistas que lançavam panfletos em seu território. Em um dos pontos mais baixos das relações diplomáticas entre os dois lados, o escritório de diálogo intercoreano na cidade de Kaesong foi demolido , sugerindo tempos difíceis para qualquer proposta de retomada das conversas nucleares.

Contudo, em setembro do ano passado, apareceu uma evidência de que, mesmo sem linhas de comunicação, havia um canal de diálogo: naquele mês, um funcionário do governo sul-coreano foi morto por militares do Norte ao cruzar a divisa marítima entre as duas nações. Kim Jong-un escreveu uma carta a Moon pedindo desculpas pelo incidente.

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Em abril, os dois voltaram a trocar mensagens, agora por ocasião dos três anos da reunião de Panmunjon, quando foram fechados uma série de acordos de cooperação bilateral, além do próprio estabelecimento dos canais de comunicação retomados esta semana. Ao todo, são 48 linhas exclusivas de comunicação entre as duas Coreias, sendo que nove delas para uso militar — de acordo com o site NK News, os canais entre os Ministérios da Unificação e entre os militares foram os primeiros a serem retomados.

Momento crítico

Na prática, a infraestrutura física dos canais de comunicação permaneceu intacta  — o “corte” das linhas significa que os norte-coreanos não atenderam mais às chamadas dos representantes do Sul, o que agora voltará a ocorrer.

— O fato de a Coreia do Norte também ter reconhecido a restauração das linhas de comunicação é positivo, assim como a linguagem usada no comunicado norte-coreano — declarou à Bloomberg Rachel Minyoung Lee, pesquisadora do Programa 30 Norte no Centro Stimson. — Parece que Pyongyang pode estar se preparando para retomar algum tipo de diplomacia com a Coreia do Sul, mas é prematuro chegar a alguma conclusão sobre impactos da restauração das linhas de comunicação.

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A retomada da comunicação direta intercoreana acontece em um momento crítico para os dois governos. Ao Norte, o impacto do fechamento de fronteiras desde fevereiro do ano passado, por causa da Covid-19, das sanções internacionais e de desastres naturais, provocou uma das maiores crises econômicas em muitos anos. O próprio Kim Jong-un reconheceu a gravidade e pressionou lideranças nacionais por medidas urgentes de retomada, em especial da produção de alimentos.

Em fevereiro, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que 40% dos norte-coreanos vivem em situação de insegurança alimentar, enquanto 140 mil crianças com menos de cinco anos estão severamente desnutridas.

Do lado sul da fronteira, a estagnação das conversas bilaterais, espécie de “legado” do fracasso das negociações entre EUA e Coreia do Norte em 2019, deve ser um dos principais elementos da eleição presidencial de março do ano que vem. O atual presidente, Moon Jae-in, não pode se candidatar à reeleição, e pesquisas mostram os eleitores mais propensos a escolher um candidato mais duro com Pyongyang, o que poderia trazer mais incerteza a um cenário já extremamente complexo.