Líderes ao redor do mundo, de rivais a aliados dos EUA, criticaram ontem a decisão do presidente americano, Donald Trump , de suspender o pagamento das contribuições à Organização Mundial da Saúde (OMS) , no momento em que os casos confirmados de coronavírus ultrapassam dois milhões, com pelo menos 126 mil mortes — sendo o maior número de casos nos EUA, mais de 610 mil.
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, manifestou consternação com a decisão de Trump. Os EUA são o maior doador do organismo global de saúde pública, contribuindo com mais de US$ 400 milhões por ano, cerca de 22% do seu orçamento. Neste ano, US$ 58 milhões haviam sido pagos.
— Com o apoio do povo e do governo dos EUA, a OMS trabalha para melhorar a saúde de muitas das pessoas mais pobres e vulneráveis no mundo — afirmou ele, acrescentando que trabalhará com outros países para “preencher as lacunas financeiras”. — A OMS não está apenas lutando contra a Covid-19. Também trabalhamos para combater poliomielite, sarampo, malária, Ebola, HIV, tuberculose, desnutrição, câncer, diabetes, saúde mental e muitas outras doenças e condições.
A China é o segundo maior contribuinte da organização, com cerca de 10% do seu orçamento. Em seguida vêm Japão (8,6%) e Alemanha (6,1%).
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Trump, que no passado já cortara o financiamento americano a outros órgãos da ONU, acusou a OMS de “administrar muito mal” a crise e “encobrir” a disseminação do coronavírus na China. O presidente afirmou que “muitas mortes foram causadas por seus erros”.
Uma autoridade americana disse à Reuters que Trump tomou a decisão apesar da resistência dentro de seu governo, especialmente de seus consultores de saúde. De acordo com o New York Times, o ocupante da Casa Branca agiu em alinhamento com sua base ultraconservadora, que tem culpado a China, onde o novo coronavírus surgiu, pela pandemia. A OMS havia pedido mais US$ 1 bilhão, além do seu orçamento, para financiar suas operações contra a Covid-19.
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O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que a agência global de saúde está “na linha de frente” da crise e que o momento é inapropriado para cortar seu financiamento.
— É minha convicção que a organização deve ser apoiada, pois ela é absolutamente fundamental para os esforços mundiais para vencer a guerra contra a Covid-19 — disse ele.
Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, que já recebeu elogios do próprio Trump e de autoridades de saúde dos EUA pela administração da pandemia, pediu que o país cumpra sua obrigação em um momento crucial. O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, condenou o anúncio dos EUA, que chamou de “egoísta”.
Josep Borrell, chefe da política externa da UE, disse que o bloco de 27 países “lamenta profundamente” a decisão e acrescentou que a agência é “mais necessária do que nunca” em uma crise “que não conhece fronteiras”. O chanceler da França, Jean-Yves le Drian, disse que possivelmente faltaram à OMS “mais autonomia em relação aos Estados” e mais “meios de detecção, de alerta e de informação, de capacidade reguladora”, mas “lamentou” a medida do ocupante da Casa Branca. Heiko Maas, o chanceler alemão, foi breve: “Não adianta apontar culpas”, escreveu ele no Twitter. “O vírus não conhece fronteiras.”
O premier australiano, o conservador Scott Morrison, disse que entende as críticas de Trump à OMS, mas ressaltou que trabalha em colaboração com a agência, que faz um “bom trabalho” na área do Pacífico: “Não vamos jogar o bebê fora com a água do banho”.
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O presidente da União Africana, Moussa Faki Mahamat, chamou a ação de "profundamente lamentável". "Nossa responsabilidade coletiva de garantir que a OMS possa cumprir plenamente seu mandato nunca foi tão urgente", escreveu ele no Twitter.
Autoridades americanas disseram nesta quarta-feira que Washington pode redirecionar para outros grupos de ajuda internacional o dinheiro que seria pago à OMS. Além da contribuição obrigatoria, os Estados Unidos também tradicionalmente fornecem várias centenas de milhões de dólares anualmente em financiamento voluntário vinculado a programas específicos da OMS, como erradicação da poliomielite, doenças evitáveis por vacina, HIV e hepatite, tuberculose e saúde materna, neonatal, infantil e adolescente, o que eleva o total aos US$ 400 mihões.