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Criticado, Trump diz que entrevistas coletivas sobre Covid-19 não 'valem seu tempo ou esforço'

Presidente foi condenado por especialistas após sugerir tratamentos não só ineficazes, mas potencialmente fatais, contra o novo coronavírus, como o uso de desinfetante
Presidente Donald Trump, durante entrevistac coletiva na Casa Branca Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP / 24-04-2020
Presidente Donald Trump, durante entrevistac coletiva na Casa Branca Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP / 24-04-2020

WASHINGTON — O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , disse no sábado que as entrevistas coletivas da força-tarefa dos EUA contra a pandemia da Covid-19 “não valem o tempo ou esforço”. Segundo a imprensa americana, os briefings da Casa Branca poderão deixar de ser diários, em meio a críticas crescentes sobre o comportamento errático e sugestões potencialmente danosas que o presidente vem fazendo frente às câmeras.

A gota d’água para a mudança de posição do presidente americano parece ter sido a imensa repercussão negativa de comentários que fez na quinta-feira, quando sugeriu que “injeções com desinfetantes ” ou luzes ultravioletas poderiam ser tratamentos eficazes contra o novo coronavírus. A comunidade médica foi rápida ao condenar o presidente, chamando sua fala de “irresponsável” e “perigosa” e alertando que os procedimentos podem levar à morte.

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Em resposta, Trump declarou que “estava sendo sarcástico ” e a Casa Branca afirmou que a imprensa distorceu seus comentários. No entanto, apenas o estado de Maryland recebeu “centenas de ligações” perguntando sobre a eficácia do procedimento potencialmente fatal, segundo o governador Larry Hogan.

Coletivas em xeque

O incidente parece ter reforçado o coro de republicanos que vinham questionamento as entrevistas diárias por temer que o comportamento errático e autocongratulatório do presidente afete suas chances nas eleições presidenciais de novembro. Integrantes da cúpula do partido governista também temem que isso possa lhes custar a atual maioria no Senado ou impedir que retomem o controle da Câmara, sob comando da oposição democrata desde 2018.

“Qual é o objetivo de ter entrevistas na Casa Branca quando a mídia patética não pergunta nada além de perguntas hostis e depois se recusa a relatar os fatos e a verdade com precisão”, questionou Trump em seu Twitter na noite de sábado. “Eles têm recordes de audiência e o povo americano não recebe nada além de notícias falsas. Não vale o tempo ou esforço.”

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Horas antes da postagem do presidente, um porta-voz da Casa Branca havia anunciado que a já tradicional entrevista não iria acontecer naquele dia, após uma rara entrevista curta na sexta, quando o presidente nem sequer falou. Em paralelo, fontes ouvidas pelo site Axios apontam que as aparições da força-tarefa poderão deixar de ser diárias. Sem negar ou confirmar a reportagem, a porta-voz do governo americano, Kaileigh McEnany, disse que a decisão cabe unicamente a Trump.

Desde março, a Casa Branca realizou mais de 50 entrevistas coletivas diárias, que se tornaram um palanque político para Trump. Com eventos de campanha suspensos pela pandemia, o presidente vem aproveitando os briefings, que chegaram a durar 2h30, para exaltar o governo, suas ações contra a pandemia, distribuir informações questionáveis, atacar a imprensa e fazer elogios a si mesmo.

Prêmio 'Noble'

Neste domingo, o presidente voltou a realizar seus habituais ataques à imprensa, aparentemente em resposta a uma matéria publicada na quinta-feira pelo New York Times sobre sua rotina de trabalho em meio à pandemia  de coronavírus – história que, segundo o presidente, foi escrita por “uma repórter de terceira que não sabe nada sobre mim”.

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Em uma série de tuítes, Trump disse que os repórteres que haviam recebido Prêmios Nobel – chamados pelo presidente erroneamente de “Noble” – por suas investigações sobre a suposta interferência russa nas eleições de 2016 deveriam retorná-los. A premiação, segundo o presidente, deveria ser então entregue a “repórteres e jornalistas de verdade”:

“Eu posso dar ao comitê uma lista muito compreensiva. Quando o comitê do Prêmio Noble irá demandá-los de volta, especialmente após terem sido conquistados de maneira fraudulenta? Os repórteres e a mídia patética sabiam da verdade o tempo todo”, escreveu o presidente, demandando que a organização aja rapidamente.

Os comentários fizeram com que o presidente se tornasse alvo de piadas no Twitter não apenas por ter escrito errado o nome do prêmio, mas também porque não existe um Prêmio Nobel para o jornalismo. É possível que o presidente estivesse se referindo ao Pulitzer, maior prêmio da categoria nos EUA, que em 2019 premiou o Wall Street Journal e o New York Times por reportagens sobre o presidente. Nenhuma delas, no entanto, tinha vínculos com a Rússia.