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Derrota de líder tcheco oferece guia para derrubar outros populistas de direita ao redor do mundo

Coalizão de partidos de centro-direita deixaram diferenças de lado para se concentrar no único objetivo de despachar Andrej Babis; oposição na Hungria espera repetir o feito
Apoiadores da coalizão de oposição da República Tcheca comemorando os resultados das eleições no sábado em Praga. Crédito ... Foto: EPA / Shutterstock (The New York Times)
Apoiadores da coalizão de oposição da República Tcheca comemorando os resultados das eleições no sábado em Praga. Crédito ... Foto: EPA / Shutterstock (The New York Times)

ROZDROJOVICE — Marie Malenova, uma senhora tcheca aposentada, moradora de um vilarejo bem organizado e próspero na Morávia do Sul, não votava desde 1989, ano em que seu país realizou suas primeiras eleições livres após mais de quatro décadas de governo comunista.

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Na última sexta-feira, porém, ela decidiu votar novamente, um evento tão incomum que a família, incrédula, registrou sua mudança de opinião, tirando fotos dela colocando sua cédula em uma grande caixa branca no salão do vilarejo.

Ela disse que não gostava muito das pessoas em quem votou, uma coalizão de partidos de centro-direita anteriormente divididos, descrevendo-os como "um mal menor entre todos os nossos muitos ladrões". Mas eles pelo menos tinham uma mensagem simples e clara: podemos derrotar Andrej Babis , o populista e bilionário primeiro-ministro da República Tcheca.

— Eu queria uma mudança, algo que pudesse vencer Babis — declarou Malenova.

Na última década, populistas como Babis muitas vezes pareceram politicamente invencíveis, chegando ao poder na Europa Central e Oriental como parte de uma tendência global de homens-fortes que desdenham das normas democráticas. Mas, no sábado, o aparentemente invencível Babis foi derrotado porque os partidos de oposição colocaram as diferenças ideológicas de lado e se uniram para expulsar um líder que temem ter erodido a democracia do país.

Petr Fiala, centro, um ex-cientista político e reitor universitário que liderou uma das duas coalizões de oposição, em uma coletiva de imprensa no sábado em Praga. Foto: EPA / Shutterstock (The New York Times)
Petr Fiala, centro, um ex-cientista político e reitor universitário que liderou uma das duas coalizões de oposição, em uma coletiva de imprensa no sábado em Praga. Foto: EPA / Shutterstock (The New York Times)

O sucesso na estratégia dos tchecos pode ter grandes repercussões na região e além. Na Hungria e na Polônia, onde os líderes nacionalistas danificaram as instituições democráticas e procuraram minar a União Europeia, os líderes da oposição estão se mobilizando numa tentativa de formar frentes unificadas e expulsar os líderes populistas nas próximas eleições.

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— O populismo é derrotável. O primeiro passo para derrotar um líder populista é suprimir egos individuais e fazer concessões no interesse de trazer mudança — disse o chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Masaryk em Brno, capital da Morávia do Sul, Otto Eibl.

O maior confronto poderia acontecer na Hungria, onde o primeiro-ministro Viktor Orbán se promoveu como porta-estandarte da "democracia iliberal" na Europa, enquanto seu partido Fidesz constantemente eliminava os controles democráticos, espremendo a mídia independente e o Judiciário.

Orbán assumiu posições políticas de direita — incluindo hostilidade à imigração, à União Europeia e aos direitos LGBTQ (embora também tenha provado ser adepto da adoção de políticas de bem-estar de esquerda) — que foram imitadas por seus aliados na Polônia, do partido político Prawo i Sprawiedliwość  (“Lei e Justiça”, na tradução livre).

Nos últimos anos, os campeões da democracia liberal ficaram confusos em seus esforços na luta para voltar ao poder contra os líderes nacionalistas hábeis em alimentar o medo e se apresentarem como salvadores. Diante de máquinas políticas bem lubrificadas e bem financiadas, como o partido Fidesz de Orbán ou o partido de Babis, Ano, as forças da oposição ficaram notoriamente divididas — até agora.

O primeiro-ministro Andrej Babis após os resultados das eleições foram anunciados no sábado em Praga. Foto: Petr David Josek / Associated Press
O primeiro-ministro Andrej Babis após os resultados das eleições foram anunciados no sábado em Praga. Foto: Petr David Josek / Associated Press

Mobilização em outros países

Neste fim de semana, seis partidos húngaros vão completar uma semana de disputas primárias da oposição, a primeira do tipo, para reduzir a lista de potenciais candidatos para serem oposição ao partido de Orbán em cada distrito eleitoral. A coalizão inclui grupos que vão de conservadores nacionalistas a esquerdistas, que discordam na maioria das coisas, mas compartilham um desejo fervoroso de despachar Orbán.

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Na Polônia, Donald Tusk, ex-primeiro-ministro e ex-presidente do Conselho Europeu, tentou unir o principal partido da oposição e pessoas que muitas vezes não votam, e também tentou atrair o apoio de uma infinidade de outros grupos de oposição.

Os apelos pela unidade da oposição também foram evidentes na Rússia, onde as eleições parlamentares realizadas no mês passado não foram livres nem justas. Aliados do líder da oposição preso Alexei Navalny vinham tentando persuadir os eleitores a se unir a um único candidato da oposição em cada distrito, gostassem dele ou não, em nome da tentativa de ganhar uma única cadeira e quebrar o controle de poder completo do presidente Vladimir Putin.

Não funcionou — em parte porque a maioria dos candidatos reais da oposição foi mantida fora das cédulas, mas também porque o governo de Putin pressionou as empresas a remover um aplicativo de “votação inteligente” que a oposição usava para coordenar sua campanha.

Sr. Babis (direita) com o primeiro-ministro Viktor Orban da Hungria no mês passado em Praga. Foto: David W. Cerny / Reuters
Sr. Babis (direita) com o primeiro-ministro Viktor Orban da Hungria no mês passado em Praga. Foto: David W. Cerny / Reuters

Como Putin, os líderes populistas europeus afirmam defender os valores cristãos tradicionais contra os liberais decadentes, mas, ao contrário do presidente russo, precisam realizar eleições reais. Até recentemente, eles eram ajudados pelo fato de os partidos de oposição dividirem a votação, significando que poucos tinham muita chance de derrotar partidos governistas altamente organizados.

Esses partidos governistas também ganharam um controle significativo sobre a mídia em seus países. Na República Tcheca, Babis possui uma holding de mídia com jornais, portais de internet e outros meios de comunicação. Na Hungria, Orbán colocou a televisão estatal e grande parte da mídia privada sob o controle de aliados leais ou companheiros de negócios.

Peter Kreko, diretor do Capital Político, um grupo de pesquisa em Budapeste, descreveu a Hungria como “o estado mais capturado e com o ambiente de mídia mais centralizado” da Europa. No entanto, ele disse que a nova mobilização dos partidos de oposição da Hungria pode mudar a dinâmica política lá.

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— Eles têm uma boa mensagem: se você lutar contra os populistas, as coisas podem ser diferentes — afirmou Kreko.

Nas eleições tchecas, esse foi em grande parte o tema. Embora Babis seja visto como menos radical do que Orban, ele alienou muitas pessoas na República Tcheca. Por isso, os tchecos o enxergam como um valentão cuja riqueza e laços corporativos lhe deram uma quantidade excessiva de poder.

Os políticos da oposição russa Aleksei A. Navalny, à direita, Lyubov Sobol e Ivan Zhdanov em fevereiro de 2020 em um comício em Moscou. Foto: Shamil Zhumatov / Reuters
Os políticos da oposição russa Aleksei A. Navalny, à direita, Lyubov Sobol e Ivan Zhdanov em fevereiro de 2020 em um comício em Moscou. Foto: Shamil Zhumatov / Reuters

Marie Jilkova, uma candidata anti-Babis de sucesso na Morávia do Sul de uma das duas coalizões de partidos que se uniram para se opor ao primeiro-ministro, disse que se unir para confrontar Babis e sua máquina partidária “era, para nós, a única maneira de sobreviver. Não havia alternativa”.

Seu próprio partido, o Democrata Cristão, difere em questões como aborto e casamento do mesmo sexo em relação aos partidos mais centristas de sua coalizão, então, disse, “concordamos que não falaríamos sobre essas coisas durante a campanha”.

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Diante de um bloco unido de oponentes de centro-direita, Babis e seu partido Ano desviaram-se para a direita, protestando contra a imigração e a União Europeia. Ele convidou Orbán para fazer campanha com ele.

— Ele estava desesperado para encontrar problemas que assustassem as pessoas e as convencessem de que somente ele poderia salvá-las. Felizmente, não funcionou — disse Jilkova em uma entrevista em Brno.

Nacionalmente, as coalizões de oposição conquistaram 108 dos 200 assentos no Parlamento, uma clara maioria.

Em Rozdrojovice, onde Malenova deu seu primeiro voto desde 1989, sua coalizão se beneficiou de uma alta participação e obteve 37,3% dos votos, um grande salto em relação ao que seus partidos componentes obtiveram quando concorreram separadamente há quatro anos.

Donald Tusk, ex-primeiro-ministro da Polônia, no domingo em Varsóvia. Ele tem tentado angariar apoio da oposição. Foto: Slawomir Kaminski / Agencja Gazeta Via Reuters
Donald Tusk, ex-primeiro-ministro da Polônia, no domingo em Varsóvia. Ele tem tentado angariar apoio da oposição. Foto: Slawomir Kaminski / Agencja Gazeta Via Reuters

Petr Jerousek, que dirige uma vinícola e é dono de um pub em Rozdrojovice, disse que seus clientes geralmente não falavam muito sobre política, mas, diante da escolha entre Babis e seus adversários, "às vezes ficavam muito entusiasmados com a discussão".

Jerousek estava em êxtase com os resultados finais no sábado. “As pessoas finalmente abriram os olhos”, disse. "Eles não aguentavam mais."

Uma manifestação no domingo em Varsóvia em apoio à União Europeia. O partido do governo polonês há muito tempo está em desacordo com o bloco por questões de estado de direito. Foto: Wojtek Radwanski / Agence France-Presse - Getty Images
Uma manifestação no domingo em Varsóvia em apoio à União Europeia. O partido do governo polonês há muito tempo está em desacordo com o bloco por questões de estado de direito. Foto: Wojtek Radwanski / Agence France-Presse - Getty Images