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Diante de motins policiais, Evo Morales pede que povo cuide da democracia

Presidente diz que golpe de Estado está em andamento e acusa oposição
Policiais no telhado e manifestantes no chão protestam contra Morales em Cochabamba, Bolívia Foto: DANILO BALDERRAMA / REUTERS
Policiais no telhado e manifestantes no chão protestam contra Morales em Cochabamba, Bolívia Foto: DANILO BALDERRAMA / REUTERS

Após a eclosão de motins de unidades da polícia em sete dos nove departamentos (estados) do país  na sexta-feira, o presidente da Bolívia, Evo Morales, advertiu no Twitter que "a democracia está em risco" e pediu à população que se mobilize para protegê-la. O movimento policial, que teve origem aparentemente em reivindicações setoriais, agrava a crise política boliviana, iniciada com a recusa da oposição em aceitar a vitória de Morales no primeiro turno nas eleições presidenciais de 20 de outubro, sob alegação de que houve fraude . Muitos policiais amotinados deram declarações de apoio à oposição.

"Irmãs e irmãos, nossa democracia está em risco devido ao golpe de Estado lançado por grupos violentos que prejudicam a ordem constitucional", diz o tuíte do presidente, que conclamou ao povo boliviano a "cuidar pacíficamente da democracia e da Constituição para preservar a paz e a vida”.

A dimensão do movimento e seus objetivos exatos não são claros. Os motins começaram na Unidade Tática de Operações Policiais de Cochabamba, no centro da Bolívia, e espalharam-se para outras cidades, como Sucre, Santa Cruz, Potosí e Oruro.  Em Cochabamba, os amotinados  exigiam a princípio a demissão do chefe de polícia local, Raúl Grandy, por ter dado declarações a favor de movimentos sociais leais ao governo envolvidos em confrontos com a oposição. Ele acabou sendo substituído na própria tarde de sexta-feira pelo ex-diretor nacional de Trânsito Jaime Edwin Zurita, mas o amotinamento prosseguiu.  Neste sábado, o governo substituiu também o comandante de polícia de Santa Cruz, coronel Igor Echegaray.

'Não à fraude'

Segundo o jornal El Deber, entre as reivindicações dos policiais rebelados em Cochabamba estão o nivelamento salarial e de aposentadorias com os membros das Forças Armadas  e a garantia de independência em relação ao governo.

— Negaram nossa dignidade institucional ao se porem a serviço de um partido de governo. Somos independentes, não políticos, devemos lealdade ao povo — disse um policial amotinado.

Morales atravessa sua maior crise política em quase 14 anos de governo desde as eleições do dia 20 de outubro, quando a apuração rápida dos votos saiu do ar por 24 horas  e voltou indicando uma tendência à vitória do presidente já no primeiro turno, ao contrário do que se desenhava antes do apagão do sistema do órgão eleitoral. A apuração oficial depois acabou dando vitória ao presidente por décimos. Em protesto, a oposição pediu a anulação da votação, e em Santa Cruz, reduto anti-Morales, decretou uma greve que já dura 18 dias e se expandiu num movimento maior.

Na tarde deste sábado, em mensagem à nação, Morales convocou a um diálogo os partidos políticos que elegeram representantes ao Congresso nas eleições de 20 de outubro, mas excluiu do convite os comitês cívicos que impulsionam os protestos para que renuncie.

—  Convoco a uma agenda aberta para pacificar a Bolívia. Convoco de maneira urgente, imediata. Esperamos ser escutados —  disse o presidente,  que conclamou os policiais a porem fim aos motins e convidou organismos internacionais, como a ONU e a  OEA, e igrejas a acompanharem o diálogo.

Nesta sexta-feira e na madrugada de sábado, manifestantes antigoverno saíram às ruas e fizeram vigília ao redor de unidades militares em várias cidades dando apoio ao movimento policial e pedindo que as forças de segurança se juntassem à oposição. Em Oruro, os policiais amotinados tomaram a sede do governo local, e em Cochabamba, o prédio do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, foi incendiado. Na cidade, policiais estenderam uma faixa com os dizeres "não à fraude". Na manhã deste sábado, unidades que guarneciam a Praça Murillo, centro político de La Paz, onde está o Congresso, voltaram ao quartel, deixando o local praticamente sem segurança.  Por volta do meio-dia, os policiais anunciaram apoio à exigência de renúncia de Morales e às reivindicações salariais.

O MAS convocou neste sábado militantes do partido em toda a Bolívia a uma manifestação em La Paz para defender a vitória de Morales nas urnas. Já a oposição prometeu manter a pressão sobre o governo nas ruas.

—  Não podermos descansar, não podemos dar um passo atrás nem para tomar impulso —  disse Marco Pumari, líder do movimento cívico anti-Morales em Potosi.

A presidente do Senado, Adriana Salvatierra, do MAS, pediu calma e disse este sábado que as autoridades estão estabelecendo um diálogo com os policiais amotinados para tentar encontrar uma solução pacífica para a crise. Na noite de sexta-feira, o ministro da Defesa, Javier Zavaleta, indicou que o governo não vai mobilizar nem enviar os militares para conter os motins.

— Está descartado — garantiu ele, pedindo que os policiais reflitam sobre sua ação e retomem seu "dever constitucional de proteger os cidadãos".

O empresário e advogado Luis Fernando Camacho , líder  radical do opositor Comitê Cívico de Santa Cruz que prega uma intervenção das Forças Armadas para retirar Morales do poder, saudou os motins policiais e respondeu ao tuíte de Morales: "Não viemos derrubar um presidente, viemos libertar a Bolívia de sua ditadura". Camacho já anunciou que na segunda-feira encabeçará uma marcha ao palácio de governo em La Paz a fim de entregar uma carta de renúncia para que Morales a assine. O presidente, no entanto, no poder desde 2006, já deixou claro que não pretende abandonar o cargo.

Por sua vez, o candidato derrotado nas urnas por Morales, Carlos Mesa — que, diferentemente de Camacho, aceitou uma auditoria dos votos feita pela Organização dos Estados Americanos (OEA) —  pediu na noite de sexta-feira que o Congresso designe um novo órgão eleitoral que convoque novas eleições. Na manhã deste sábado, ele negou que um golpe de Estado esteja em andamento.

—  Essa é uma mentira que o governo está tentando passar em nível nacional e internacional — disse ele. — O único protagonista de um golpe de Estado é o presidente Evo Morales, quando decidiu realizar uma fraude monumental, tentanto roubar pela segunda vez o voto popular.

Para o sociólogo Daniel Moreno, diretor da ONG  Ciudadania, não está claro se o motim chegará a todo o país “mas é um fato simbólico de desobediência da polícia em relação ao governo”. Ao GLOBO, Moreno também associou o motim ao discurso de alguns dias atrás de Camacho convocando  as Forças Armadas e a polícia a se rebelarem.

— Por enquanto, o governo ainda não convocou as Forças Armadas para as ruas, mas não se sabe se por prudência ou por fraqueza. Se os militares apoiarem o motim, Evo pode cair, mas seria vítima de um golpe de Estado.