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'É o fim da minha Presidência', disse Trump ao saber que seria investigado nos EUA

Relatório final sobre inquérito indica que presidente tentou influenciar investigações, mas falhou; segundo procurador especial, é impossível estabelecer que ele não cometeu crime de obstrução da Justiça
Presidente dos EUA, Donald Trump, participa de evento após divulgação de relatório do procurador especial Robert Mueller Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS
Presidente dos EUA, Donald Trump, participa de evento após divulgação de relatório do procurador especial Robert Mueller Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS

RIO — "Isso é terrível. É o fim da minha Presidência. Estou f...". Foi com estas palavras que o presidente dos EUA, Donald Trump , reagiu ao ser informado que uma equipe especial seria formada para investigar as conexões entre a sua campanha e a Rússia. A informação aparece num relatório editado do procurador especial indicado para o caso, Robert Mueller, divulgado nesta quinta-feira pelo Departamento de Justiça, em que são revelados detalhes comprometedores dos bastidores do caso que paira sobre a Presidência de Trump desde 2017.

O relatório lista uma série de ações do presidente para impedir a investigação, assinalando que elas fracassaram porque subordinados se recusaram a cumprir suas determinações e gerando dúvidas sobre se Trump cometeu ou não o crime de obstrução de Justiça, conclusão que no final Mueller deixa em aberto.

Produto de 22 meses de trabalho da equipe de Mueller, o relatório editado — sem trechos considerados dados confidenciais pelo governo — confirmou as conclusões já previamente anunciadas. Entretanto, traz à tona uma série de episódios em que Trump adotou ações para impedir a investigação que buscava definir se, até aquele momento, ele havia cometido o crime de obstrução de Justiça.

De acordo com o documento, Trump teria ficado consternado pela notícia da nomeação de Mueller, que lhe foi repassada pelo seu então secretário de Justiça, Jeff Sessions. Segundo o relatório, o presidente ligou pessoalmente em uma ocasião para a casa do conselheiro juridíco da Casa Branca, Don McGahn, para pedir a destituição de Mueller das suas funções, sob a alegação de que o procurador especial mantinha conflito de interesses. O conselheiro, no entanto, se recusou a acatar a ordem.

"Os esforços do presidente para influenciar a investigação foram majoritariamente malsucedidos, mas isso é amplamente explicado pelo fato de que as pessoas ao seu redor se recusaram a executar ordens ou acatar seus pedidos", diz o documento.

A investigação de Mueller terminou com a conclusão de que não houve conluio da campanha de Trump com os russos para favorecer sua eleição à Casa Branca. E não conseguiu provar que houve — nem que não houve — obstrução de Justiça, mas deixou aberta a porta ao Congresso para eventualmente realizar novas investigações.

"Com relação a se o Presidente pode ter obstruído a Justiça pelo exercício de seus poderes sob o Artigo II da Constituição, concluímos que o Congresso tem a autoridade de proibir o uso corrupto da autoridade de um Presidente para proteger a integridade da administração da Justiça."

Outra conclusão a que chegou o procurador especial foi que, embora não houvesse prova de conluio da campanha de Trump com a Rússia, a equipe que gerenciava a corrida do republicano à Casa Branca teve inúmeros contatos com enviados russos, mas não chegou ao nível de cometer crimes. Ainda assim, diz Mueller, a campanha de Trump "tinha a expectativa" de se beneficiar das ações ilegais da Rússia nas eleições.

Outro trecho do relatório relata como Trump buscou interferir no comunicado divulgado sobre o encontro de seu filho Donald Trump Jr com a advogada russa  Natalia Veselnitskaya na Trump Tower, em Nova York,  em junho de 2016, em plena campanha eleitoral. Também estavam presentes o genro do então candidato republicano, Jared Kushner, e o chefe da campanha, Paul Manafort. A advogada teria conseguido o encontro com a promessa de revelar informações comprometedoras sobre a democrata Hillary Clinton. Segundo Mueller, depois que o episódio veio à tona, Trump orientou que fosse tirada a frase admitindo a verdadeira razão do encontro e deixada somente a informação de que o foco da reunião era a adoção de crianças russas. O documento, porém, indica não haver indícios de que Trump soubesse do encontro antes de ele ocorrer.

Antes da liberação do relatório, o secretário de Justiça, William Barr, fez um pronunciamento público no qual defendeu o presidente e as suas ações. Ele disse que Trump ficou "frustrado e enojado porque acreditava sinceramente que a investigação minava a sua Presidência e que era impulsionada por seus oponentes políticos e alimentada por vazamentos ilegais".

A sua postura gerou fortes críticas de democratas. "É uma desonra ver um procurador-geral (secretário de Justiça) agindo como se fosse o advogado pessoal e publicista do presidente dos Estados Unidos", criticou  nas redes sociais a senadora Elizabeth Warren.

Por sua vez, Trump e seus advogados vêm celebrando o conteúdo do relatório. "Os resultados da investigação são uma completa vitória para o presidente", diz nota emitida por seus advogados."Esta defesa do presidente é um passo importante para o país e um forte lembrete de que este tipo de abuso nunca deve ser permitido novamente".

A equipe jurídica da Casa Branca pedira  para revisar a versão editada do relatório de Mueller para determinar se o presidente invocaria seu privilégio executivo para evitar a publicação do documento, disse Barr. Segundo ele, a revisão é consistente com precedentes, mas  Trump optou por não ocultar nenhum trecho do relatório além dos que já tinham sido ocultados.

Insatisfeita com o relatório editado divulgado, a oposição democrata voltou à ofensiva para ter acesso à íntegra do documento elaborado por Mueller.

"O Congresso deve receber este relatório na íntegra junto com os materiais investigativos que o embasam. Como membro da Comissão de Inteligência do Senado, sei que uma versão editada do relatório não é suficiente para o Congresso levar a cabo sua responsabilidade de conduzir uma supervisão significativa desta investigação e das decisões tomadas por funcionários do governo Trump no que diz respeito a essas conclusões", cobrou a senadora Kamala Harris, da Califórnia, pré-candidata à Casa Branca.

Por sua vez, a Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados convidou formalmente o ex-procurador especial Robert Mueller a prestar depoimento.

"Depois de dois anos de investigações, o público merece os fatos, não as versões propagandísticas do procurador-geral Barr", disse o deputado democrata Adam Schiff.