Eleições EUA
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Na última noite de uma Convenção Nacional que consolidou o domínio que Donald Trump tem sobre o Partido Republicano, o ex-presidente fez um longo discurso — 93 minutos — para ser confirmado, pela terceira vez, o candidato da sigla na disputa pela Casa Branca. Ele alternou momentos sóbrios ao detalhar o atentado de sábado, contundentes ao falar de imigração, e até certo ponto questionáveis ao citar tópicos de política externa. O discurso foi o mais longo de um candidato em uma convenção partidária já registrado.

— Estou diante de vocês esta noite com uma mensagem de confiança, força e esperança. Daqui a quatro meses teremos uma vitória incrível e daremos início aos quatro maiores anos da história do nosso país — disse Trump. — Estou concorrendo para ser presidente de todos os EUA, não de metade dos EUA, porque não há vitória em vencer para metade dos EUA. Portanto, esta noite, com fé e devoção, aceito orgulhosamente sua indicação para presidente dos Estados Unidos.

O presidente falou do ataque do sábado, no qual por pouco não perdeu a vida: segundo ele, era um "dia lindo" na Pensilvânia, fazendo uma detalhada descrição do local, uma área rural do estado. Segundo ele, estava prestes a virar a cabeça de forma mais intensa, algo que agradeceu não ter feito, quando sentiu um barulho e um impacto, e sua mão estava coberta por sangue.

— Havia sangue por todos os lados, mas de alguma forma eu estava me sentindo seguro, porque Deus estava do meu lado — disse o ex-presidente, pontuando que não contará mais essa história porque ela é "muito dolorosa" . — Não era para eu estar aqui na noite de hoje. Mas eu estou diante de vocês pela graça de nosso Deus.

O ataque na Pensilvânia foi explorado à exaustão pelos oradores ao longo dos últimos quatro dias, na maioria ao lado de citações religiosas com um forte tom messiânico, um sentimento crescente entre os republicanos mesmo antes do atentado. Um recurso usado à exaustão também pelo ex-presidente.

— Quando meu punho estava no ar, a multidão viu que eu estava bem e gritou, e nunca ouvi nada como aquilo — contou Trump.

Em um manequim, ao lado do ex-presidente, estavam o capacete e o uniforme do bombeiro Corey Comperatore, que morreu no ataque — a família de Comperatore se recusou a atender a um telefonema do presidente, Joe Biden. Ao falar do bombeiro, ele saiu do púlpito e deu um beijo no capacete, sendo aplaudido pela multidão, e pediu um minuto de silêncio.

Uniforme do bombeiro Corey Comperatore, morto no atentado contra Donald Trump, no palco da Convenção Nacional Republicana — Foto: Patrick T. Fallon / AFP
Uniforme do bombeiro Corey Comperatore, morto no atentado contra Donald Trump, no palco da Convenção Nacional Republicana — Foto: Patrick T. Fallon / AFP

Orador hábil, Trump soube levar o tom sóbrio mesmo quando citou temas espinhosos, como suas alegações de que está sendo perseguido pelo Departamento de Justiça nos processos criminais contra ele, ou ao citar que o país não pode mais se manter dividido politicamente. Perto do fim da fala, o conhecido tom enérgico que costuma adotar em eventos de campanha voltou a se fazer presente.

— Esta eleição deve ser sobre os problemas que o nosso país enfrenta — afirmou, dizendo que é hora de acabar com a "discórdia e a divisão". — Se os democratas querem unificar o nosso país, devem abandonar esta caça às bruxas partidária, que tenho vivido há aproximadamente oito anos, e devem fazê-lo sem demora e permitir a realização de eleições que sejam dignas do nosso povo. Vamos vencer de qualquer maneira.

Durante seu mandato, Trump acirrou as divisões internas, se aproveitando para marginalizar determinados setores e privilegiar aliados. Dentro do Partido Republicano, deu voz a elementos mais extremos, que tinham raízes no movimento Tea Party, do início do século. Parlamentares ligados a teorias da conspiração foram eleitos, detratores afastados de seus postos no Congresso.

Ao atacar o governo de Joe Biden, disse que essa é a eleição "mais importante da História" porque os EUA são, hoje, "uma nação em declínio", citando questões econômicas e enumerando crises internacionais, acusando o democrata de "nem chegar perto" de resolvê-las.

— Vou acabar com todas as crises internacionais que a atual administração criou, incluindo a horrível guerra com a Rússia e a Ucrânia, que nunca teria acontecido se eu fosse presidente, e a guerra causada pelo ataque a Israel, que nunca teria acontecido se eu fosse presidente. — disse. Recuperando uma velha retórica dos tempos de pandemia, chamou a Covid-19 de "O Vírus Chinês".

Trump disse que os índices de criminalidade na Venezuela e em El Salvador estão caindo "porque estão mandando seus criminosos para os Estados Unidos". No caso salvadorenho, as autoridades locais creditam a queda a políticas de repressão e encarceramento em massa, cuja eficácia não é corroborada por especialistas e organizações internacionais. No caso venezuelano, a explicação oficial é similar, mas o Observatorio Venezuelano de Violência, que estuda a criminalidade no país, de fato credita à migração parte da queda de assassinatos, roubos e outros delitos — contudo, o Observatório aponta que as vítimas também estão deixando o país.

Ele criticou o acordo sobre o programa nuclear do Irã, firmado em 2015 e rasgado por ele em 2018, dizendo que o texto deu incentivos a Teerã para conseguir chegar mais perto de uma bomba atômica — segundo analistas, foi a saída americana do acordo e a retomada das sanções que impulsionou as atividades de enriquecimento de urânio pelos iranianos, embora não haja sinais aparentes de militarização do programa nuclear.

Sobre a Rússia, afirmou que, em seu governo, Moscou não agrediu vizinhos, como Geórgia em 2008 e Ucrânia em 2014/2022 ou anexou territórios, como o fez na Crimeia, em 2014. Ele prometeu abrir um canal de diálogo com a Coreia do Norte, liderada por Kim Jong-un, com quem trocou cartas de amizade enquanto estava no cargo. O republicano chamou de "humilhação" a catastrófica retirada dos EUA do Afeganistão, em 2021, sem citar que ele deixou o cargo sem apresentar um plano de saída, e que o acordo firmado pelo Talibã, em 2020, em seu governo, foi descumprido pela milícia.

Trump prometeu intensificar a exploração de petróleo dentro dos EUA, sinalizando a intenção de derrubar regras ambientais ainda em vigor, chamando o plano de Biden para uma transição a uma energia verde, com baixa emissão de carbono, de "Novo Golpe Verde", sugerindo que eliminará políticas de incentivo ao uso e produção de veículos elétricos.

Ao falar sobre imigração, disse que a entrada de pessoas em situação irregular no país está "roubando empregos de hispânicos e negros", alegação que também faz há algumas semanas, inclusive no debate contra Biden, e que foi criticada por ativistas e organizações de defesa dos direitos de minorias.

Candidato à Presidência dos EUA, Donald Trump (C), empresta caneta ao candidato a vice, J.D. Trump, em cerimiônia de assinatura de documentos de candidatura — Foto: Win McNamee/Getty Images/AFP
Candidato à Presidência dos EUA, Donald Trump (C), empresta caneta ao candidato a vice, J.D. Trump, em cerimiônia de assinatura de documentos de candidatura — Foto: Win McNamee/Getty Images/AFP

Pouco antes de subir ao palco, foi exibido um vídeo com momentos da vida do ex-presidente, incluindo sua figuração no filme "Esqueceram de Mim 2" (o diretor, Chris Columbus, disse que Trump exigiu aparecer no filme como condição para ceder o hotel como locação, algo que o republicano nega), seus tempos de apresentador de "O Aprendiz" e suas incontáveis fotos em revistas de celebridades.

Antes dele, seu filho Eric fez uma longa fala elogiando o pai, e afirmando que, em sua opinião, ele fez dos EUA mais fortes, e negando que ele seja uma "ameaça à democracia".

— Ele é uma ameaça para aqueles que desprezam a nossa república — disse Eric Trump, afirmando que "não acreditamos mais" no sistema eleitoral e na Justiça, e sugerindo que, caso o pai seja eleito para mais um mandato, "as crianças vão amar a Deus". Mais tarde, foi elogiado por Trump.

Trump chegou a Milwaukee oito anos, um mandato, dois processos de impeachment e uma derrota para Joe Biden depois de ser indicado pela primeira vez à Presidência, em 2016, quando chegou a ser apontado como um azarão em meio a nomes mais conhecidos do partido. Mas agora, ao contrário do Trump que que fez muitos torcerem seus narizes — incluindo alguns atuais aliados, como seu vice, J.D. Vance —, ele chega como o comandante do Partido Republicano, hoje remodelado à sua imagem e semelhança.

Sucessor do democrata Barack Obama, os quatro anos de Trump à frente da Casa Branca não raro tiveram momentos de caos. A saída brusca do Acordo de Paris, logo no primeiro dia no cargo, foi uma promessa de campanha, mas abalou os esforços globais para controlar as emissões de gases do efeito estufa. A construção do muro na fronteira com o México, até hoje inacabada, serviu como argumento para atacar a imigração e a oposição dos democratas a políticas fronteiriças e migratórias menos brutais.

Era a forma de colocar em prática seu slogan de campanha, “Façam os EUA Grandes Novamente”, ou MAGA, sua sigla em inglês, uma marca que se fundiu ao seu próprio nome.

Em novembro de 2020, o trumpismo foi posto à prova na disputa pela Presidência contra Joe Biden, e até hoje Trump não aceita a derrota. O discurso de fraude eleitoral, jamais comprovada, recebeu amplo apoio dentro do Partido Republicano, mesmo depois que centenas de apoiadores invadiram o Congresso para tentar impedir a certificação dos votos do Colégio Eleitoral. O então vice de Trump, Mike Pence, se recusou a seguir as ordens do chefe para burlar o processo, e hoje é um pária dentro da sigla.

Eric Trump, filho de Donald Trump, durante a Convenção Nacional Republicana — Foto: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP
Eric Trump, filho de Donald Trump, durante a Convenção Nacional Republicana — Foto: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP

A demonização dos democratas — ele chamou a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, de "louca" —, a insistência na narrativa de fraude, resgatando alguns de argumentos da campanha de 2016, quando afirmava ser necessário “drenar o pântano” de Washington, levaram mais apoiadores aos seus comícios, e ajudaram a fortalecer a imagem de poder e de liderança. Nem mesmo os processos de impeachment ou os julgamentos criminais, que podem levá-lo à prisão, reduziram o apelo junto aos republicanos. Pelo contrário: eles fortaleceram a ideia de que seu líder está sendo perseguido pelo “sistema”.

— Nós sabemos que eles não estão atrás de você, sabemos que eles estão atrás de todos nós, e você apenas está no caminho deles — disse Eric Trump, se dirigindo ao pai.

O atentado de sábado, que por centímetros não lhe custou a vida, lhe deu uma aura quase divina de invencibilidade. As referências a Deus e a como o erro do atirador só pode ser creditado a uma intervenção divina se multiplicaram dentro da Convenção Republicana, entre os delegados e oradores.

Alguns assessores e estrategistas republicanos garantem que o presidente tentará usar um tom mais apaziguador, quase controlado e pacificador, daqui para frente, tentando aproveitar a comoção causada pelo atentado. Resta saber até quando essa onda “Trump paz e amor” vai durar, se é que ela sairá do papel e das análises políticas algum dia.

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