O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou neste domingo que retirou sua candidatura à reeleição. A decisão foi tomada após semanas de especulações sobre a capacidade física e mental do democrata, que, desde o desempenho desastroso no debate presidencial contra Donald Trump no mês passado, foi pressionado por apoiadores e membros do partido a abandonar a disputa. Entre eles, segundo o Washington Post, estaria o ex-presidente Barack Obama — figura relevante na sigla e que, embora não tenha se pronunciado sobre o assunto publicamente, teria dito a pessoas de seu entorno que o atual mandatário deveria reconsiderar sua permanência na campanha.
Segundo fontes próximas ao ex-presidente, Obama acreditava que as chances de vitória de Biden diminuíram nas últimas semanas. Mas, ainda que o democrata tenha ficado profundamente envolvido em conversas sobre o futuro da campanha de seu antigo vice, atendendo a chamadas de muitos membros do partido, ele manteve um perfil discreto — diferentemente de outros membros da sigla. Em público, Obama apoiou o atual chefe de Estado após o debate e tentou acalmar as preocupações dos aliados. “Noites ruins de debate acontecem”, escreveu Obama. “Mas esta eleição ainda é uma escolha entre alguém que lutou por pessoas comuns a vida inteira e alguém que só se importa consigo mesmo”.
Obama teria conversado com Biden apenas uma vez desde o debate, e foi claro ao falar com aliados que o futuro da candidatura do democrata era uma decisão que caberia somente ao próprio Biden. Segundo o New York Times, Obama enfatizou que sua preocupação era proteger Biden e seu legado — e rejeitou a ideia de que ele, sozinho, poderia influenciar na desistência do mandatário. O ex-presidente, no entanto, desempenhou um papel significativo na unificação do partido em apoio a Biden durante as primárias presidenciais de 2020, e o papel dele como líder da sigla entre 2008 e 2016 o tornou um ponto de referência para os democratas.
Por isso mesmo, alguns assessores de Biden teriam ficado irritados com a postura do ex-presidente nas conversas internas do partido. Obama foi acusado de não manter os democratas unidos em torno da candidatura do atual chefe de Estado. Ele também foi apontado pela imprensa americana como responsável por orquestrar críticas contra Biden, além de ter dado aval ao artigo do ator George Clooney, que escreveu que o Partido Democrata não venceria em novembro “com esse presidente”.
Biden e Obama têm uma relação de longa data, mas complicada. Em 2015, quando o então vice Joe Biden se lançou em uma pré-candidatura à Casa Branca, Obama não teria, segundo palavras do próprio Biden, o encorajado suficiente para seguir na disputa, que foi abandonada antes do início das primárias do ano seguinte. Agora, ainda segundo o New York Times, fontes próximas a Biden afirmaram que ele ficou ressentido com o que considerou ser uma “campanha orquestrada” por líderes democratas para sua desistência — incluindo Obama, que, segundo ele, teria agido como um “mestre de marionetes” nos bastidores.
Desde o debate, ao menos 20 congressistas do Partido Democrata e alguns doadores da campanha pediram a desistência de Biden. De acordo com um levantamento do Centro de Pesquisa de Assuntos Públicos da agência de notícias Associated Press-NORC divulgado na última quarta, quase dois terços dos democratas apoiavam a ideia de Biden abandonar a disputa. Frente à pressão crescente, pessoas próximas ao chefe de Estado disseram avaliar que, nos últimos dias, Biden já havia começado a aceitar a ideia de que não conseguiria vencer Trump em novembro.
A decisão de sair da disputa, contudo, foi finalizada apenas na manhã deste domingo, quando Biden fez ligações separadas para três pessoas para informá-las. Seriam elas a vice-presidente Kamala Harris; o chefe de gabinete da Casa Branca, Jeffrey Zients, e a presidente da campanha, Jen O’Malley. Biden não informou a maioria de sua equipe até um minuto antes de fazer seu anúncio público nas redes sociais, segundo um alto funcionário do governo familiarizado com o assunto. A medida, disse a mesma fonte, só ocorreu porque, mesmo após semanas tentando desviar a atenção de seu mau desempenho no debate, Biden “não conseguiu”.
Ainda doente e rouco, o presidente optou por anunciar sua decisão por carta em vez de em vídeo, e trabalhou na redação com Mike Donilon, o autor de muitas das palavras públicas do democrata, enquanto Steve Ricchetti, um de seus conselheiros mais próximos, se concentrava nos próximos passos, como o de quando informar a equipe, como fazê-lo e quem mais precisaria ser notificado.
Após o anúncio da desistência de Biden, Obama publicou uma longa declaração em que afirmou que “avaliar o cenário político e decidir que deveria passar o bastão é certamente uma das decisões mais difíceis” da vida de Biden, mas que “ele não tomaria essa decisão a menos que acreditasse que era a certa para a América”. “É um testemunho do amor de Joe Biden pelo país — e um exemplo histórico de um verdadeiro servidor público mais uma vez colocando os interesses do povo americano à frente dos seus próprios”, continuou.
A nota de Obama, contudo, não endossou o apoio de Biden à candidatura da vice-presidente Kamala Harris. O ex-presidente disse apenas que os americanos navegarão “por águas desconhecidas nos próximos dias”, mas que tem “uma confiança extraordinária de que os líderes” do partido “serão capazes de criar um processo do qual surgirá um candidato excelente”. A posição contrastou com o comunicado divulgado pelo ex-presidente Bill Clinton e pela ex-secretária de Estado Hillary Clinton, que imediatamente apoiaram Kamala como a nova candidata da sigla. Até o momento, nenhum outro nome anunciou publicamente a intenção de concorrer pelo Partido Democrata.
(Com New York Times)