O ex-presidente Donald Trump afirmou que tinha "todo o direito" de interferir no resultado das eleições de 2020, na qual o então candidato democrata Joe Biden saiu vencedor. A declaração do republicano, que é réu em quatro casos de caráter criminal, dois deles sobre a tentativa de interferência eleitoral na contagem de votos no estado da Geórgia e seus esforços mais amplos para permanecer no poder após a derrota, foi feita durante entrevista à rede Fox News, que foi ao ar no domingo. Trump fez um longo discurso sobre o Departamento de Justiça e afirmou que as acusações não interferiram no seu desempenho nas pesquisas mas, ao contrário, ajudaram a melhorá-lo, já que seus eleitores, afirmou, não acreditam nos casos.
— Quem já ouviu falar de alguém que foi indiciado por interferir em uma eleição presidencial na qual você tem todo o direito de fazer isso e seus números na pesquisa sobem? — afirmou o republicano, acrescentando: — Quando as pessoas são indiciadas, os números de suas pesquisas caem. Mas foi uma grande bobagem.
Em uma declaração divulgada no dia seguinte, a porta-voz da campanha de Kamala Harris, Sarafina Chitika, afirmou que os comentários de Trump "deixam claro que ele acredita estar acima da lei" e que são outro exemplo do "caos, medo e divisão" que os americanos presenciaram sob o governo Trump: "Agora, Trump está alegando que tinha 'todo o direito' de interferir na eleição de 2020. Ele não tem."
Trump responde por quatros acusações por seus esforços para permanecer no cargo após sua derrota nas eleições de 2020 e seu papel nos eventos que levaram ao ataque do Capitólio. Três são de conspiração em conexão com seu esforço para permanecer no poder: uma para fraudar os EUA, outra para obstruir um processo oficial do governo e uma terceira para privar pessoas de direitos civis previstos em lei federal ou na Constituição. O magnata também foi acusado de tentar obstruir um processo oficial — a certificação dos resultados pelo Congresso.
A acusação é liderada pelo promotor especial Jack Smith, que assumiu as investigações do Departamento de Justiça sobre Trump em 2022. No fim de agosto, o promotor emitiu uma revisão das acusações contra o republicano no caso após a Suprema Corte decidir, um mês antes, que o ex-presidente tem direito a uma imunidade substancial contra acusações criminais (ex-chefes de Estado têm imunidade absoluta contra processos por ações tomadas oficialmente como presidente durante o mandato, mas o mesmo não se aplica para atos adotados como pessoa física). A decisão adiou o processo e, caso Trump vença em novembro, poderá pedir para o Departamento de Justiça arquivar as acusações.
O novo texto de Smith manteve as acusações criminais, mas ponderou o tom ao remover quaisquer menções que pudessem ser interpretadas como atos oficiais de Trump, referindo-se ao magnata como "um candidato à Presidência dos Estados Unidos em 2020”. Na anterior, Trump era apresentado como "o 45º Presidente dos Estados Unidos e um candidato à reeleição em 2020". O magnata nega qualquer irregularidade e afirma ser inocente.
Além disso, em um esforço pontual para reverter os resultados, o magnata também é acusado de interferir nas leis do estado da Geórgia — importante estado-pêndulo nas eleições americanas, onde perdeu para Biden em 2020. São 44 acusações ao total, sendo 13 apenas contra o ex-presidente, incluindo falsificação e racketeering (organização criminosa) sob a Lei de Organizações Influenciadas e Corruptas (ou Rico, na sigla em inglês). As demais acusações envolvem outras 18 pessoas.
O caso é liderado pela promotora distrital do Condado de Fulton, Fani Willis, quem a defesa de Trump e dos outros réus tem tentado desqualificar sob o argumento de suposta má conduta após revelações de um relacionamento romântico entre Willis e um homem, Nathan Wade, que ela contratou como promotor especial. O juiz responsável pelo caso, Scott McAfee, rejeitou a proposta, mas um Tribunal de Apelações do estado suspendeu temporariamente o caso até que um painel de juízes decida se a promotora será desqualificada ou não, o que também não deve ocorrer antes das eleições.
A investigação concentra-se em cinco ações tomadas por Trump e seus aliados nas semanas após o dia da eleição, incluindo telefonemas feitos para pressionar as autoridades estaduais a anular o resultado (entre eles, a ligação mais famosa ao secretário de Estado Brad Raffensperger), bem como assédio de funcionários eleitorais locais por apoiadores de Trump, entre outras. Alguns meses antes, seis acusações contra Trump e os outros réus foram anuladas por um juiz do condado de Fulton, em Atlanta. Embora a decisão tenha sido um revés para os promotores, analistas jurídicos avaliam que ela não enfraquece o cerne do caso.
Durante a sua campanha para as eleições presidenciais deste ano, Trump não falou diretamente se aceitará o resultado da votação, limitando-se a dizer durante o primeiro debate presidencial em junho contra Biden, que desistiu da campanha e endossou Kamala, que aceitaria o resultado "se for uma eleição justa". Tampouco voltou atrás de suas declarações sobre as eleições de 2020, recorrendo às alegações infundadas de fraude e afirmando ser vítima de uma "caça às bruxas". Segundo a agência Axios, esses comentários, bem como seus ataques pessoais à adversária, estão em desacordo com a estratégia de sua campanha.
Em maio, Trump tornou-se o primeiro ex-presidente americano a ser condenado criminalmente na História dos EUA, após um júri popular considerá-lo culpado em todas as 34 acusações das quais era alvo em um caso sobre falsificação de registros de negócios para encobrir um escândalo sexual que ameaçava prejudicar sua campanha presidencial em 2016.