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Em clima de tensão, acusação e defesa apresentam argumentos finais no processo contra policial acusado de matar George Floyd

Comércios e empresas fecharam as portas temendo novos protestos; corte também foi cercada com arame farpado
O ex-policial Derek Chauvin ouve argumentos finais durante seu julgamento na morte de George Floyd Foto: POOL / via REUTERS
O ex-policial Derek Chauvin ouve argumentos finais durante seu julgamento na morte de George Floyd Foto: POOL / via REUTERS

MINNEAPOLIS, EUA — Sob forte clima de tensão nas ruas, acusação e defesa apresentaram nesta segunda-feira seus argumentos finais no julgamento da morte de George Floyd , quase três semanas após o início do processo . Nas ruas perto do tribunal, comércios e empresas fecharam as portas temendo novos protestos. A corte também foi cercada com arame farpado, e a segurança foi reforçada com cerca de 3 mil soldados armados da Guarda Nacional. Escolas da região irão interromper as aulas presenciais a partir de quarta-feira.

Os 12 jurados se reúnem agora, isolados em um hotel de Minneapolis onde devem passar a noite, para chegar a um veredicto unânime. Eles estão proibidos de discutir o caso com familiares ou amigos e acompanhar as notícias, o que pode aumentar a sensação de isolamento. Formado por mais dois suplentes, que foram dispensados, o grupo é composto por seis mulheres brancas, dois homens brancos, três homens negros, uma mulher negra e duas mulheres multirraciais, de acordo com documentos do tribunal.

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Antes que eles deixassem o tribunal, o juiz Peter Cahill listou quatro pontos fundamentais para a decisão:

— Um, levem o tempo que for necessário para refletir cuidadosa e ponderadamente sobre as evidências. Dois, pensem sobre por que você está tomando a decisão e examinem se há preconceito (...). Três, ouçam uns aos outros. Quatro, resistam a tirar conclusões precipitadas com base em gostos ou aversões pessoais.

Nesta segunda-feira, o promotor Steve Schleicher pediu aos jurados para “acreditarem no que seus olhos veem” enquanto reproduzia o vídeo que mostrava o ex-policial branco Derek Chauvin, de 45 anos, imobilizando Floyd, um segurança negro de 46 anos, com o joelho em seu pescoço por nove minutos, em 25 de maio do ano passado. O principal advogado de Chauvin, Eric Nelson, por sua vez, rebateu a acusação dizendo que Chauvin se comportou como qualquer “policial razoável”, e seguiu o treinamento que recebeu ao longo de 19 anos no Departamento de Polícia de Minneapolis.

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Ao longo do julgamento, os promotores acusaram Chauvin de ter usado força desproporcional, deixando Floyd sem oxigênio. Já os advogados do ex-policial argumentaram que ele seguiu corretamente o treinamento e procuraram levantar dúvidas sobre a causa da morte.

Durante as alegações finais, Schleicher repetiu uma frase inúmeras vezes: “Nove minutos e 29 segundos”, tempo em que Chauvin foi filmado pressionando o joelho contra o pescoço do Floyd, já desacordado. As imagens ganharam o mundo e desencadearam os maiores protestos em 50 anos contra a violência policial e a injustiça racial nos EUA, com manifestações semelhantes ocorrendo em vários países.

— Use o bom senso. Acredite em seus olhos. O que você viu você viu. Este não é um processo contra a polícia. Isso não era policiamento; era assassinato — disse o promotor aos jurados. — George Floyd não era uma ameaça para ninguém. Enfrentar George Floyd naquele dia não exigiu um grama de coragem, e nenhuma foi mostrada naquele dia, nenhuma coragem foi necessária. Tudo o que foi necessário foi um pouco de compaixão e nenhuma foi mostrada naquele dia.

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Chauvin deteve Floyd por supostamente usar uma nota falsificada de US$ 20 para comprar cigarros. O vídeo da morte de Floyd, que foi exibido de vários ângulos, tornou-se uma peça central do julgamento. Os jurados passaram horas assistindo e revendo as imagens no tribunal.

O advogado de Chauvin iniciou o argumento final citando termos jurídicos abstratos, incluindo a presunção de inocência, e afirmou que os promotores estavam errados ao rejeitar a teoria de que o envenenamento por monóxido de carbono da fumaça do escapamento do carro pode ter sido um fator na morte de Floyd. Ele defendeu que havia muito mais no caso do que os momentos capturados no vídeo.

— Não é a análise adequada, porque os nove minutos e 29 segundos ignoram os 16 minutos e 59 segundos anteriores — disse. — Um policial razoável levaria, de fato, em consideração os 16 minutos e 59 segundos anteriores.

Chauvin, que preferiu não prestar depoimento e se declarou inocente, enfrenta acusações de homicídio doloso (com intenção de matar), homicídio culposo (sem intenção) e assassinato de terceiro grau (lesão corporal seguida por homicídio). Nos EUA, proteções sindicais que blindam policiais de investigações oportunas, padrões legais que lhes dão o benefício da dúvida e a tendência de aceitar a palavra dos policiais resultam em poucas condenações e pouco tempo de prisão para agentes que matam em serviço.

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De acordo com a defesa, Floyd teria morrido devido aos efeitos das drogas que usou, e não por asfixia. O laudo toxicológico afirma que o segurança tinha fentanil e metanfetamina no corpo, mas os médicos legistas do Ministério Público — um especialista em sistema respiratório e um médico do Departamento de Polícia de Louisville — afirmaram que a morte ocorreu devido à falta de oxigênio.

O entorno do local onde Floyd foi morto, com comércios e propriedades principalmente de imigrantes, foi tomado por saques e tumultos nos dias de protestos contra sua morte — as manifestações voltaram a acontecer nas últimas semanas, incluindo após a morte de Daunte Wright, um jovem negro de 20 anos, por uma uma policial numa região próxima ao tribunal na semana passada. A prefeitura estima perdas de US$ 350 milhões, com mais de mil edifícios destruídos ou danificados.

Agora, enquanto a cidade aguarda o veredicto, que pode ser proferido ainda nesta semana, há uma sensação de vida suspensa.

— Muitas pessoas estão paralisadas, elas estão com medo —  disse Andre Marshall, um diácono da Igreja Batista de Zion ao New York Times. — Estou otimista com o resultado depois de ver as evidências, mas mesmo assim, pessoalmente, tenho medo de uma absolvição.