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Em pronunciamento sobre pandemia, Macron promete se 'reinventar' e 'refundar' França

Presidente anuncia extensão da quarentena até 11 de maio e promete dotar o país de independência econômica e estratégica
O presidente francês Emmanuel Macron faz discurso televisionado sobre medidas contra o coronavírus Foto: STEPHANE MAHE / REUTERS
O presidente francês Emmanuel Macron faz discurso televisionado sobre medidas contra o coronavírus Foto: STEPHANE MAHE / REUTERS

PARIS — A França já tem uma data para iniciar um desconfinamento progressivo no país: 11 de maio. A quarentena, que até então estava estipulada até 15 de abril, foi prorrogada por mais 25 dias pelo presidente Emmanuel Macron, em anúncio feito à população em cadeia nacional. Em um raro mea culpa, o líder francês reconheceu falhas do governo no enfrentamento da crise provocada pela Covid-19. Para o futuro, prometeu uma “reinvenção” de si mesmo e pregou uma “refundação” da França e da Europa, com maior independência econômica e estratégica.

A França registrou desde 1° de março 14.967 mortes provocadas pela Covid-19, 574 nas últimas 24 horas. Com quase 138 mil casos,  é o terceiro país mais afetado da Europa, atrás da Itália e da Espanha. No discurso de 27 minutos, Macron pediu aos franceses que sejam “cívicos” e “responsáveis” no cumprimento do confinamento:

— A esperança renasce, mas nada ainda foi conquistado. Devemos prosseguir com nossos esforços e continuar a aplicar as regras. Quanto mais respeito à regras, mais salvaremos vidas. Por isso, o confinamento mais estrito deve prosseguir.

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O líder francês anunciou para daqui a 15 dias a apresentação de um plano detalhado de “organização da vida cotidiana” na saída da quarentena. As pessoas mais vulneráveis, como idosos ou portadores de doenças crônicas, terão de ficar confinadas após o 11 de maio. Mas, a partir desta data, a atividade econômica voltará a ser retomada de forma calculada. Escolas e creches serão reabertas, mas continuarão fechados restaurantes, bares, hotéis, museus, cinemas, teatros e salas de espetáculo. Eventos de público numeroso serão proibidos, pelo menos, até meados de julho. As universidades voltarão a funcionar em setembro, mês do início do ano acadêmico. Hospitais e casas de idosos poderão organizar visitas aos pacientes, respeitadas as normas de proteção.

— A situação será avaliada coletivamente a cada semana, a partir da metade de maio, para que sejam feitas adaptações.

No desconfinamento, o governo pretende realizar da forma “mais ampla possível” testes de detecção do coronavírus na população. A partir do dia 11, um teste será garantido a “cada pessoa apresentando sintomas”, assegurou:

— É uma arma privilegiada para sair do confinamento no melhor momento. Nas próximas semanas vamos continuar a aumentar o número de testes por dia.

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Macron reconheceu “erros, lentidão, fraquezas de logística e procedimentos inúteis” no combate ao coronavírus:

— Estávamos preparados para esta crise? Certamente, não o suficiente. O momento, sejamos honestos, revelou falhas, insuficiências. Mas desde o momento em que estes problemas foram identificados, nos mobilizamos. (...) Sobretudo, nossas empresas e trabalhadores disseram "presente´", e uma produção, como em tempos de guerra, foi organizada.

Entre as falhas, citou as dificuldades em fornecer o material necessário aos hospitais e equipes médicas, incluindo máscaras de proteção, que deverão ter o uso generalizado no período de desconfinamento, sem, no entanto, serem de uso obrigatório.

— O Estado, a partir do dia 11, em conjunto com os prefeitos, deverá permitir a cada um obter uma máscara. Para as profissões mais expostas e para certas situações, como nos transportes públicos, seu uso poderá se tornar sistemático.

Controvérsia da hidroxicloroquina

Macron se comprometeu a “não negligenciar nenhuma pista” de tratamento para a Covid-19, referindo-se, sem citar, à controvérsia em relação ao uso da hidroxicloroquina. Na semana passada, havia visitado o centro hospitalar do médico Didier Raoult, arauto na defesa do medicamento em pessoas contaminadas pelo coronavírus.

— Sei que houve muitos debates no país. Todas as opções serão exploradas, e nosso país foi o que mais lançou ensaios clínicos na Europa. (...) Não se trata de dar um tratamento sobre o qual não se tem certeza, mas de fazer todos os ensaios clínicos, para que todas as pistas sejam acompanhadas.

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Segundo o presidente, uma “minoria” de franceses foi contaminada pelo Covid-19, sinal de que o país “está longe” de alcançar a “imunidade rebanho” — quando a maioria da população já foi contaminada e possui anticorpos contra o vírus. Ele colocou como primeira solução de saída da epidemia a descoberta de uma vacina. A França levará nos próximos dias aos seus parceiros uma iniciativa para acelerar as pesquisas em curso.

A Europa permanece no centro das preocupações do líder francês, que prometeu lutar por mais “unidade e solidariedade” entre os países do continente. Na sua análise, as primeiras medidas dos governos, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, que levaram à liberação de € 540 bilhões para combater a crise, seguiram “na boa direção”. Mas, segundo ele, a gravidade da situação exige mais:

— Estamos em um momento de verdade que impõe mais ambição, mais audácia. Um momento de refundação. Será preciso reconstruir uma independência agrícola, sanitária, industrial e tecnológica francesa, e mais autonomia estratégica para nossa Europa. Isso passa por um plano massivo para nossa saúde, nossa pesquisa, nossos idosos, entre outros.

Macron disse acreditar que é a hora de sair das “ideologias, dos “caminhos já traçados” e se reinventar.

— Há nesta crise uma chance: de nos unirmos e provarmos nossa humanidade, edificar um outro projeto no entendimento. Um projeto francês, uma razão de viver profunda. Nas próximas semanas, com todos os componentes de nossa nação, tratarei de desenhar este caminho que tornará isso possível.