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Entenda a posição dos protagonistas da disputa EUA x Irã

Além dos líderes americano e iraniano, divergência sobre acordo nuclear envolve também europeus, israelense e saudita
Trump, na Casa Branca: presidente dos EUA vai anunciar decisão sobre o acordo nuclear com o Irã Foto: KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Trump, na Casa Branca: presidente dos EUA vai anunciar decisão sobre o acordo nuclear com o Irã Foto: KEVIN LAMARQUE / REUTERS

Além dos Estados Unidos , o acordo de 2015 sobre o programa nuclear do Irã foi assinado por União Europeia, Alemanha e pelas outras quatro potências permanentes do Conselho de Segurança da ONU  — França, Reino Unido, China e Rússia. No entanto, a decisão americana de retirar os EUA do acordo foi influenciada por dois não signatários: Israel e Arábia Saudita. Entenda a posição dos  protagonistas dessa queda de braço.

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DONALD TRUMP

O  presidente americano vinha dizendo desde a campanha que iria retirar os Estados Unidos do acordo assinado por seu antecessor, Barack Obama, que chamou de “insano” e “ridículo”. No Plano de Ação Conjunta Abrangente (JCPOA, na sigla em inglês), o Irã aceitou reduzir a escala do seu programa nuclear, de modo a garantir que não produzirá armas atômicas, em troca da suspensão das sanções impostas ao país pelos Estados Unidos, a União Europeia e a ONU. No entanto, Trump argumenta que o acordo não contempla as armas convencionais iranianas nem seu papel nos conflitos na Síria e no Iêmen, além de sua influência em outros países  do Oriente Médio, que aumentou em grande parte graças à invasão americana do Iraque, que levou a maioria xiita — a mesma vertente do Islã predominante no Irã — ao poder em Bagdá.

Em declaração na Casa Branca, presidente americano acusou o regime iraniano de patrocinar o terror no mundo
Em declaração na Casa Branca, presidente americano acusou o regime iraniano de patrocinar o terror no mundo

Até o início deste ano, o presidente americano vinha sendo convencido pelo ex-secretário de Estado Rex Tillerson a manter os EUA no acordo. No entanto, o quadro mudou em abril, quando ele levou para a Casa Branca dois defensores de que os EUA trabalhem pela mudança de regime no Irã: o ex-diretor da CIA e atual secretário de Estado, Mike Pompeo, e o novo conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, um dos arquitetos da invasão do Iraque. Trump e sua equipe têm dito que o acordo precisa ser renegociado para abranger os pontos que estariam faltando, mas resta saber por que a República Islâmica, que enfrenta sanções americanas desde sua fundação, há 39 anos, concordaria em reduzir sua capacidade militar, ainda que convencional, no momento em que se sente ameaçada.

Ao deixar o acordo, Trump contraria boa parte do establishment de política externa americana, incluindo acadêmicos e centros de estudos da área. Até o republicano que preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, Ed Royce, disse nesta terça-feira que Washington não deveria sair do acordo, porque isso jogaria fora todos os esforços para que o Irã não produza a bomba. Para os críticos, a saída aumenta a instabilidade no Oriente Médio e fere a credibilidade da política externa americana, no momento em que a Casa Branca se prepara para uma cúpula com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, com o objetivo de que este aceite acabar com o seu arsenal nuclear. A mensagem, no fundo, é: se quer levar os EUA a negociar, produza a bomba; mas nem essa negociação pode garantir que, em pouco tempo, os EUA não se voltem de novo contra você.

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HASSAN ROUHANI


Presidente Iraniano fez discurso em cadeia nacional
Foto: - / AFP PHOTO / HO / IRANIAN PRESIDENCY
Presidente Iraniano fez discurso em cadeia nacional Foto: - / AFP PHOTO / HO / IRANIAN PRESIDENCY

Presidente do Irã desde 2013, reeleito em 2017, o clérigo, acadêmico e diplomata é considerado um representante da ala moderada da elite dirigente da República Islâmica instalada em 1979. Ele e seu ministro do Exterior, Mohammad Javad Zarif, devotaram dois anos de esforços para a assinatura do acordo nuclear de 2015, e conseguiram o apoio do líder religioso do regime, aiatolá Ali Khamenei, que atua como árbitro entre as diferentes facções políticas. Com o acordo,  Rouhani e os reformistas apostaram no fim do isolamento do país persa em relação ao Ocidente, na recuperação econômica e na normalização das relações internacionais iranianas.

A eleição de Donald Trump e suas ameaças de retirar os Estados Unidos do acordo, reintroduzindo as sanções americanas, já haviam reduzido os benefícios que o Irã esperava colher, uma vez que os investidores e bancos estrangeiros temiam ser alvo de punições americanas renovadas. Embora as exportações iranianas de petróleo tenham aumentado em 25% depois do acordo, os investimentos estrangeiros cresceram menos do que o esperado.

Com a concretização da saída americana, sai fortalecida a linha-dura do regime, que sempre havia advertido contra confiar no “Grande Satã”, como os Estados Unidos — que cortaram relações com o país em 1979 e nunca as restabeleceram —  são chamados desde a queda do xá Mohammad Pahlavi. “Será um enorme revés para os moderados e os reformistas que apoiaram a política de Rouhani de détente com o Ocidente, e qualquer esperança de moderação no futuro próximo vai ser extinta" disse à agência Reuters o analista político Hamid Farahvashian. Um dos principais polos da oposição a Rouhani é a Guarda Revolucionária, que é alvo de sanções americanas não relacionadas ao programa nuclear. O presidente vem tentando, sem sucesso, limitar o controle da Guarda sobre setores da economia, incluindo bancos.


EMMANUEL MACRON, ANGELA MERKEL E EUROPEUS EM GERAL
O trio se encontrou em julho do ano passado, na reunião do G-20, na cidade de Hamburgo, na Alemanha. Merkel chega nesta sexta em Washington Foto: Markus Schreiber / AP
O trio se encontrou em julho do ano passado, na reunião do G-20, na cidade de Hamburgo, na Alemanha. Merkel chega nesta sexta em Washington Foto: Markus Schreiber / AP

A Alemanha e a União Europeia foram co-signatárias do acordo de 2015, com os Estados Unidos e as demais potências permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Reino Unido, Rússia, China e França). O  presidente francês e a chanceler alemã, em visitas recentes a Washington, tentaram, sem sucesso, convencer Trump a permanecer no pacto, que levou dois anos para ser negociado.

— Sobre o Irã, nosso objetivo é claro: o Irã não deve ter jamais quaisquer armas nucleares. Nem agora, nem em cinco, dez anos, nem nunca — disse o presidente francês. — Mas essa política não deve levar à guerra no Oriente Médio. Nós devemos garantir a soberania dos Estados, incluindo do Irã, que é uma grande civilização. Não reproduzamos os erros do passado na região — advertiu Macron em discurso ao Congresso americano, há duas semanas. Neste terça, a ministra da Defesa da França, Florence Parly, repetiu que o acordo “é um fator de paz e estabilização em uma região turbulenta”.

Além de alertar que a retirada americana aumenta a instabilidade no Oriente Médio, a Alemanha, a França e os demais países europeus esperam aumentar seus investimentos no Irã, que com 80 milhões de habitantes é o país mais populoso do Oriente Médio e tem uma população altamente educada. Companhias europeias como Airbus, Total, Siemens e Peugeot assinaram acordos de investimentos no Irã depois da suspensão das sanções, num total de mais de US$ 60 bilhões de dólares. O comércio entre o país persa e a União Europeia dobrou em 2017, para mais de 20 bilhões de euros. Agora, esses acordos podem ser afetados pela saída americana, se não houver nenhuma previsão de isentar empresas europeias das sanções que voltarão a ser impostas pelos Estados Unidos.


BENJAMIN NETANYAHU
Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu alega ter provas de que Irão não cumpriu acordo nuclear Foto: AMIR COHEN / REUTERS
Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu alega ter provas de que Irão não cumpriu acordo nuclear Foto: AMIR COHEN / REUTERS

O primeiro-ministro israelense, no poder desde 2009, tem sido historicamente um dos maiores opositores do acordo nuclear com o  Irã, o que afetou suas relações com o governo de Barack Obama. Desde o início do governo Trump —  cuja base de evangélicos cristãos e conservadores linha-dura defende laços incondicionais com Israel —, Netanyahu redobrou seu lobby pela saída americana do acordo. Aos olhos de Israel, que prefere que o Irã seja mantido em uma posição de pária, o pacto legitima a República Islâmica.

Tradicionalmente, a República Islâmica é o mais poderoso inimigo de Israel no Oriente Médio, não só por não aceitar a legitimidade do Estado judaico quanto por ter apoiado a formação do Hezbollah, o misto de milícia e partido libanês de base xiita que foi fundamental para pôr fim à ocupação israelense do Sul do Líbano, que durou de 1982 a 2000  — uma derrota que nunca foi assimilada pela linha-dura israelense.

Para o Estado israelense, que almeja ter uma superioridade bélica regional inquestionável, o avanço estratégico do Irã — no Líbano, na Síria e no Iraque — é visto como uma ameaça a essa superioridade, embora seja impensável uma ação militar direta do Irã contra Israel, o único país do Oriente Médio que possui arsenal nuclear (não declarado). Nos últimos meses, Israel bombardeou posições de forças iranianas na Síria, sem provocar reação imediata.

A posição de Netanyahu contra o acordo, no entanto, não é unânime nos círculos dirigentes israelenses. Recentemente, em um debate promovido pelo jornal “Yedioth Ahronoth”, quatro ex-comandantes das forças armadas — Shaul Mofaz, Benny Gantz, Dan Halutz and Moshe Ya'alon — disseram que eram contra a saída americana do acordo de 2015, que pelo menos garantia que o Irã não fabricaria a bomba. No mesmo encontro, Mofaz contou que John Bolton, atual conselheiro de Segurança Nacional de Trump, tentou convencê-lo a bombardear o Irã. O comandante atual das Forças de Defesa Israelenses, Gadi Eizenkot, disse em 2016 que o acordo com o Irã foi uma “virada histórica, uma mudança enorme na direção para a qual o Irã se dirigia”. Eizenkot afirmou na época que o principal desafio militar para Israel era o Hezbollah.


MOHAMMED BIN SALMAN
Mohammed bin Salman (direita) faz visita aos Emirados Árabes em 2015: príncipe herdeiro saudita consolida poder com expurgos e campanha para reaver dezenas de bilhões de dólares em bens e ações de acusados de corrupção Foto: Reuters
Mohammed bin Salman (direita) faz visita aos Emirados Árabes em 2015: príncipe herdeiro saudita consolida poder com expurgos e campanha para reaver dezenas de bilhões de dólares em bens e ações de acusados de corrupção Foto: Reuters

Promovido em 2017 a príncipe herdeiro da Arábia Saudita, o jovem Bin Salman, de 32 anos, tem liderado uma política externa mais agressiva do que a do seu pai, o rei Salman, hoje com 82 anos. Sustentou a intervenção no Iêmen, iniciada em 2015 para restabelecer um governo pró-saudita desafiado por rebeldes houthis próximos a Teerã; estabeleceu sanções contra o Qatar, que tem boas relações com o Irã; quis forçar a renúncia do primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, que governa em coalizão com o Hezbollah; e também vinha pressionando os Estados Unidos pela saída do acordo com o Irã, o grande rival dos sauditas na disputa por influência nos países do Oriente Médio. Para isso, Bin Salman se aproveitou de sua proximidade com Trump, que como empresário fez negócios na Arábia Saudita e teve o país como destino de sua primeira viagem internacional como presidente dos Estados Unidos.

Além da competição política e ideológica, a Arábia Saudita rivaliza com o Irã na arena econômica, já que ambos são grandes produtores de petróleo. Teerã vinha aumentando sua produção petrolífera desde o acordo nuclear, o que pressionava para baixo os preços do combustível. A Bin Salman, que lançou um ambicioso plano de diversificação da economia saudita, chamado de Visão 2030, interessa que os preços continuem altos, de modo a sustentar a economia até que ela produza outras fontes de renda para cobrir o orçamento, hoje operando com déficit.