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Entenda o processo de impeachment por 'incapacidade moral', que Castillo é o 3º presidente do Peru a enfrentar em 4 anos

A alegação de incapacidade moral não precisa estar associada a infrações penais nem requer comprovação, bastando uma declaração do Congresso
Com apenas oito meses de mandato, o presidente peruano Pedro Castillo apresentou o que já é a sua segunda defesa contra um pedido de moção de vacância Foto: via REUTERS
Com apenas oito meses de mandato, o presidente peruano Pedro Castillo apresentou o que já é a sua segunda defesa contra um pedido de moção de vacância Foto: via REUTERS

Em mais um capítulo da conturbada política peruana, nesta segunda-feira o presidente Pedro Castillo, que ainda não completou um ano no cargo, vai apresentar perante o Congresso, às 17h de Brasília, sua defesa contra um pedido de moção de vacância. Liderado pela oposição, o requerimento foi aprovado por 76 votos a 41 e, na prática, abriu a votação sobre a possibilidade de impeachment de Castillo — a primeira tentativa, em dezembro, não obteve o número de votos necessários para o debate no Congresso.

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O Peru teve cinco presidentes desde 2016, incluindo Castillo. Sob o argumento de “incapacidade moral” para exercer o cargo, o pedido de afastamento do presidente é parecido com outros dois processos de impeachment da história recente do país: o de Pedro Pablo Kuczynski , em 2018, e de Martín Vizcarra , em 2020. Kuczynski renunciou antes da votação, enquanto Vizcarra teve seu impeachment aprovado pelo Poder Legislativo.

A alegação de incapacidade moral não precisa estar associada a infrações penais nem requer comprovação, bastando uma declaração do Congresso.

Veja, abaixo, a origem do termo e entenda o que significa.

Vacância

No Peru, o conceito de vacância está atrelado à saída de um presidente que não pode continuar no cargo. Em sua maioria, os pressupostos para isso estão relacionados a morte, renúncia, ausência do território nacional sem autorização do Congresso — ou não retorno no prazo estabelecido — e incapacidade moral ou física permanente.

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Incapacidade moral

O primeiro antecedente da vacância por incapacidade moral está na Constituição de 1828, embora se refira à “substituição” do presidente por “incapacidade física e moral”, relata a professora de Relações Internacionais da PUC-Rio Maria Elena Rodríguez. No texto de 1834, introduziu-se o termo “vacância” correspondendo à “incapacidade física e mental”. Já na Constituição de 1839, afirma, introduziu-se o conceito de “impossibilidade moral perpétua”, que, no texto constitucional atual (1993) ganhou um adendo, prevendo a “incapacidade moral permanente do presidente declarada pelo Congresso ”.

Mas, segundo declarou o Tribunal Constitucional peruano em 2020, o primeiro antecedente histórico de uma vacância por incapacidade moral do Peru é anterior ao surgimento do termo no ordenamento jurídico do país. De acordo com a corte, ele ocorreu em 1823, com o afastamento do primeiro presidente do país, o militar José Mariano de la Riva Agüero.

Para Carlos Eduardo Martins, professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ, uma tradição tão antiga revela “o poder que o Congresso possui de afastar forças políticas que contrariem seus interesses”.

— (Atualmente) as forças mais conservadoras têm dominado o Congresso, atuando como um fator de dissuasão contra projetos mais reformistas e, no limite, derrubando e punindo seus representantes — disse ao GLOBO.

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Na história recente, o argumento também foi usado contra o ex-presidente de direita Alberto Fujimori, em 2000. À época, ele fugiu do país e comunicou sua renúncia ao Congresso via fax, o que não foi aceito pelo órgão, que declarou a vacância do mandato por incapacidade moral.

Conflito de interesses e instabilidade política

De origem popular, Castillo é um sindicalista rural que foi eleito com um programa voltado para a distribuição de renda, promoção da justiça social e tributação de grandes empresas. Segundo Martins, sua eleição surpreendeu as principais forças políticas do establishment peruano, que, vêm pressionando seu governo desde o início.

O governo também enfrenta disputas internas. No início de março, o Congresso peruano aprovou o quarto Gabinete de ministros do presidente em oito meses desde sua posse.

— Na prática, (o afastamento) por incapacidade moral geralmente mostra o conflito e a luta pelo poder entre o Executivo e o Legislativo — explicou Rodriguez, que é mestre em direito pela Université de Genève. — Fica evidente que são motivações políticas e a incapacidade de estabelecer soluções consensuais aos problemas do país.

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Para André Coelho, doutor em Ciência Política pela Uerj, a sustentação do presidente está relacionada ao apoio do Congresso e à opinião pública. Na avaliação dele, o momento da América Latina é de instabilidade do sistema político, uma vez que este não foi desenhado para que presidentes deixem o mandato antes do fim, salvo em casos excepcionais.

— O problema é quando essa exceção se torna regra. Perdemos a segurança institucional quando qualquer presidente pode sair — declarou Coelho, que é especialista no estudo das democracias latino-americanas. —  O presidente peruano que assume o governo hoje não tem a certeza de que encerrará o mandato. A chance de ele deixar o poder é muito maior do que a de encerrar no período previsto.

*Sob supervisão de Leda Balbino