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Entenda o que significa a lei de segurança nacional de Hong Kong e suas possíveis implicações

Pessoas sob investigação não poderão sair da cidade e assuntos de segurança nacional serão tratados diretamente pelo governo chinês
Polícia usa cartaz para alertar manifestantes que ocupam shopping em Hong Kong Foto: ISAAC LAWRENCE / AFP / 6-7-2020
Polícia usa cartaz para alertar manifestantes que ocupam shopping em Hong Kong Foto: ISAAC LAWRENCE / AFP / 6-7-2020

RIO — O governo de Hong Kong anunciou, na segunda-feira, novos detalhes da lei de segurança nacional imposta pelo governo de Pequim. Pelos termos da lei, mandados judiciais não serão mais necessários para a realização de buscas em lugares suspeitos, e pessoas sob investigação poderão ser impedidas de sair da cidade.

Para muitos analistas, a entrada em vigor da legislação, há uma semana, representa o fim da autonomia relativa de que Hong Kong desfrutava desde que foi devolvida à China em 1997, após 156 anos de colonização britânica. Pelo modelo “um país, dois sistemas” , a Lei Básica da cidade previa autonomia política, administrativa e judicial em relação a Pequim por um período de 50 anos.

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Desde o ano passado, previa-se uma resposta do governo chinês aos protestos que tomaram conta da cidade, inicialmente contra um projeto de lei que possibilitaria a extradição para a China continental, que acabou retirado, e depois exigindo eleições diretas para a chefia do Executivo do território.

Falou-se até em intervenção militar no território, mas o que veio foi a lei de segurança nacional, aprovada em tempo recorde. Anunciada no final de maio, na abertura da sessão anual do Congresso chinês, ela entrou em vigor pouco mais de um mês depois, sem ser submetida à aprovação do Legislativo da cidade, que é parcialmente eleito diretamente pela população local.

Há indicações claras de que a autonomia judicial  de Hong Kong será minada. A lei prevê que separatismo, subversão, terrorismo e secessão sejam passíveis de prisão perpétua, mas não define em detalhes esses crimes. Assim, defender a independência da cidade, a democracia ou protestar contra o governo poderiam ser igualmente considerados violações. A lei é aplicável até a pessoas que moram fora de Hong Kong ou da China continental, que seriam processadas caso pisassem em solo chinês.

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Agora, agentes de segurança de Pequim poderão atuar abertamente na cidade, utilizando ferramentas de monitoramento como grampos telefônicos. O Escritório de Proteção da Segurança Nacional foi inaugurado nesta quarta-feira.

Suspeitos de crimes contra a segurança nacional poderão ser presos sem direito à fiança, e julgamentos poderão ocorrer em segredo e decididos por juízes, sem a convocação de júris. Os magistrados para casos enquadrados na nova legislação serão nomeados pelo chefe do Executivo local, escolhido por uma comissão de 1.200 pessoas majoritariamente pró-China.

A maior parte dos suspeitos será extraditada para a China continental. Organizações estrangeiras, até mesmo as de imprensa, deverão fornecer às autoridades informações que dizem respeito ao território.

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Autoridades chinesas e de Hong Kong argumentam que a lei não tira a autonomia local. Segundo a atual chefe do Executivo, Carrie Lam, a população não tem nada a temer e seus “direitos e liberdades legítimos estariam garantidos”, pois a medida seria aplicada apenas a alguns poucos "desordeiros". Lam afirmou nesta terça-feira que possíveis impactos negativos não passam de “falácias” e que a medida será implementada “rigorosamente”.

Episódios recentes mostram que há motivos para temer: no dia seguinte à promulgação da lei, nove pessoas foram presas por violá-la . A primeira delas era um homem carregando uma bandeira com dizeres favoráveis à independência de Hong Kong. Outra vestia uma blusa com o slogan, considerado por Pequim uma “afronta à unificação nacional”.

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Ao Wall Street Journal, a professora Margaret Lewis, da Universidade Seton Hall, disse que “qualquer barreira que existisse entre Hong Kong e a China continental se tornou, na melhor das hipóteses, uma membrana porosa”. Comuns em Pequim, episódios de censura e perseguição, como a prisão de um professor crítico de Xi Jinping na segunda-feira, podem se tornar habituais.

As críticas e ameaças internacionais de retaliação à lei de segurança nacional provavelmente não convencerão Pequim a revogá-la. Com frequência, o governo chinês diz para críticos estrangeiros pararem de “interferir na política interna” do país, afirmando que a questão de Hong Kong é um problema estritamente doméstico. Opositores, no entanto, afirmam que as violações de liberdades garantidas pelos termos da devolução tornam a questão internacional.

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Do ponto de vista de Pequim, um ponto central para a ofensiva atual é que a cidade vem perdendo sua importância econômica: em 1997, quase metade do comércio da China passava por Hong Kong, e essa proporção agora não chega a 12%. Na época, Hong Kong equivalia a um quinto da economia chinesa e seu PIB per capita era 35 vezes maior. Hoje, a economia de Hong Kong é 30 vezes menor que a da China, e seu PIB per capita é cinco vezes maior.

Ainda ssim, em um artigo para a Foreign Affairs, Doug Bandow, ex-conselheiro especial do presidente americano Ronald Reagan, defende que os países ocidentais ponham um fim ao status econômico especial de Hong Kong, que lhe garante vantagens comerciais e o exime das sanções impostas ao resto da China. Isto não teria um impacto devastador na economia chinesa, mas poderia reduzir o investimento externo no país, que tem na cidade uma importante porta de entrada de capitais.