RIO – As sentenças de até 13 anos de prisão para os líderes separatistas catalães , anunciadas nesta segunda-feira pelo Tribunal Supremo da Espanha, reacenderam o conflito em torno do desejo de secessão de boa parte da população desta que é hoje uma das regiões mais ricas do país. Entenda a seguir as origens deste movimento, alguns de seus personagens e como ele levou ao julgamento.
Cultura própria e união com a Espanha
Com cultura, língua e tradições próprias, a Catalunha se uniu ao vizinho reino ibérico de Aragão, que junto com Castela formou a Espanha moderna no século XV. Em 1714, na Guerra de Sucessão Espanhola, após um longo cerco, Barcelona foi conquistada pelas tropas franco-espanholas, e a Catalunha perdeu suas instituições autônomas e leis próprias. O dia da queda da cidade, 11 de setembro, é comemorado como Dia da Catalunha.
O nacionalismo catalão
Historicamente, o sentimento nacionalista catalão cresceu ao longo do século XIX, com movimentos como a Renaixença, que promoveu a língua, literatura e cultura catalãs, e sua vertente política, o catalanismo. Com isso, nos anos 1930, a região alcançou a conquista da autonomia política dentro da Espanha.
Repressão sob Franco
Logo após conseguir a Catalunha conquistar autonomia, porém, em 1936, um golpe militar, sucedido de três anos de uma brutal Guerra Civil, colocou o general Francisco Franco no poder por quatro décadas. Na ditadura, toda a Espanha viveu sob forte repressão e o poder foi concentrado em Madri. E não foi diferente na Catalunha, onde o catalão foi proibido — o que já havia acontecido também em outros períodos.
A reconquista da liberdade
Com o fim da ditadura de Franco, que morreu em 1975, a Catalunha recuperou a autonomia política para a seu governo regional, conhecido como Generalitat. Assim, apesar de nunca ter sido uma nação independente, a Catalunha tem suas próprias instituições — como a polícia (os Mossos d'Esquadra) e também uma Suprema Corte — e poder para tomar decisões em determinadas áreas sem passar pela aprovação de Madri.
O avanço do separatismo
Com 7,5 milhões de habitantes, a Catalunha é hoje uma das regiões mais ricas da Espanha, respondendo por um quinto de seu PIB e por 25% das exportações do país. E embora a região tenha sempre buscado mais autonomia, a pressão independentista não era tão grande. A partir de 2003, porém, a Catalunha passou a ser governada por uma coalizão da esquerda que obteve o reforço de suas competências. Esse status foi parcialmente revogado pelo Tribunal Constitucional em 2010, o que nutriu o sentimento de independência e levou os nacionalistas de volta ao poder com Artur Mas, presidente regional entre 2010 e o final de 2015.
Independentismo como solução
Em 2010, a Espanha também enfrentava o auge de uma grave crise econômica que elevou bruscamente os níveis de desemprego, incluindo na Catalunha. Insatisfeito com a distribuição desigual dos fundos públicos na Espanha, que seria responsável pela asfixia financeira da região, Mas gradualmente abraçou a causa separatista e organizou, em 9 de novembro de 2014, uma primeira consulta pública sobre a independência, com o sim levando quase 81% dos cerca de 2,3 milhões de votos. Mas, proibida pela Justiça espanhola, a votação não foi reconhecida.
Vitória eleitoral
Apesar do não reconhecimento do referendo de 2014 pelo Tribunal Constitucional da Espanha, o separatismo catalão continuou a ganhar força. Nas eleições regionais de setembro de 2015, separatistas de esquerda e de direita formaram a coalizão “Junts pel Si”, que venceu o pleito com 47,6% dos votos, o que lhes assegurou uma maioria de 72 das 135 cadeiras do Parlamento regional. Assim, em 10 de janeiro de 2016, o líder separatista Carles Puigdemont, da então agremiação de centro-direita Convergência Democrática da Catalunha (CDC), foi escolhido para suceder Mas.
Novo referendo
Imbuído da missão de levar a Catalunha à independência, em junho de 2017 Puigdemont anunciou a convocação de novo referendo de autodeterminação para 1º de outubro daquele ano. O governo central da Espanha prontamente procurou barrar a iniciativa na Justiça , que declarou a consulta ilegal , e pela força . Mesmo assim, Puigdemont seguiu com os planos, e numa votação marcada por episódios de violência, cerca de 90,1% dos 2,26 milhões de participantes (43% do eleitorado foram às urnas) novamente deram vitória para o “sim” .
Declaração de independência
Apoiado pelos resultados do segundo referendo, em 10 de outubro de 2017 Puigdemont declarou a independência da Catalunha perante o Parlamento regional, mas propôs suspender seus efeitos para negociar com o governo Espanhol. Este, por sua vez, reagiu pedindo a prisão de dois líderes secessionistas , Jordi Sànchez, presidente da Assembleia Nacional Catalã, e Jordi Cuixart, presidente da Òmnium Cultural, organização de promoção da cultura catalã, que aderiu à causa separatista, sob acusações de sedição. Assim, em 27 de outubro o Parlamento da Catalunha declarou unilateralmente sua independência da Espanha .
Suspensão da autonomia
Diante da crise política gerada pela declaração de independência, o então primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, pediu e o Senado espanhol aprovou a aplicação do Artigo 155 da Constituição do país . A medida extraordinária, e até então nunca antes invocada, permitiu ao governo central suspender temporariamente a autonomia política da Catalunha e assumir o controle da região, destituindo Puigdemont.
Fuga e prisões
Deposto, em 29 de outubro de 2017 Puigdemont viajou escondido para Bruxelas , Bélgica. Dois dias depois, em pronunciamento , afirmou que só voltaria a seu país se tivesse garantia de um julgamento imparcial. Desde então, Puigdemont é considerado um fugitivo ou exilado, dependendo a quem se pergunte. Outros líderes separatistas, no entanto, continuaram na Espanha, entre eles seu vice, Oriol Junqueras, onde alguns acabaram presos e julgados por acusações de rebelião e sedição .
Condenação
Depois de oito meses de julgamento , o Tribunal Supremo espanhol anunciou nesta segunda-feira a condenação de nove dos 12 líderes separatistas catalães que já cumpriam detenção provisória há dois anos nas prisões espanholas. Embora tenha descartado a tese de rebelião (insurreição com violência) defendida pelo Ministério Público espanhol, o tribunal acolheu a acusação de sedição (sublevação contra a ordem constitucional) contra Junqueras e colegas separatistas, como Raül Romeva (ex-secretário de política exterior da Catalunha), Dolors Bassa (ex-secretária de Trabalho) e Jordi Turull (ex-porta-voz do governo catalão). Junqueras levou a maior das penas, que variaram de nove a 13 anos de prisão.