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Mundo Rússia

Repórter relata situação de Kiev no momento; veja imagens exclusivas

Depoimento mostra clima de apreensão e espera na capital da Ucrânia, na tarde desta sexta-feira
População busca abrigo em estaçoes de Metrô antes do bombardeio Foto: Yan Boechat / Agência O Globo
População busca abrigo em estaçoes de Metrô antes do bombardeio Foto: Yan Boechat / Agência O Globo

KIEV, UCRÂNIA — Famílias inteiras dormindo em colchões em estações de metrô, filas de uma hora nas poucas lojas abertas para conseguir comprar um pacote de salgadinho, ruas desertas, tiros ouvidos ao longe e abordagens de nervosos membros do serviço secreto ucraniano.

O enviado especial Yan Boechat relata a situação em Kiev no momento em que o Exército russo cerca a capital da Ucrânia e pode assumir o controle total do país, na mais importante guerra em solo europeu nos últimos 70 anos.

Confira o relato abaixo e veja as imagens exclusivas do clima de apreensão e espera em Kiev na tarde desta sexta-feira.



EXPECTATIVA E TENSÃO

"Depois de uma noite bastante tensa, com bombardeios ao redor da cidade e aviões sobrevoando, Kiev amanheceu estranhamente calma nesta sexta. As ruas estão tranquilas, sem barulho de bombas. De vez em quando, as sirenes tocam e escutamos alguns sons distantes de bombardeios. Mas no centro da cidade, está tudo tranquilo, tudo calmo, tudo silencioso. A cidade está toda vazia, pouquíssimas pessoas nas ruas. Há carros circulando ainda, mas poucos. Ouvimos relatos de combates do lado de fora da cidade, mas em Kiev não vi nenhuma força militar. Não é uma cidade entrincheirada. Já estive algumas vezes em cidades cercadas, que aguardavam um ataque, e normalmente se veem sacos de areia em todos os cantos, checkpoints, preparações em geral. Mas aqui não há nada, como se nada estivesse para acontecer. Há uma expectativa de que nas próximas horas tudo isso pode mudar e a violência chegar aqui. Ou talvez não, talvez os russos entrem sem disparar um tiro sequer. Enfim, momentos de apreensão, tensão e espera. É bastante estranho, e um pouco assustador também."

SERVIÇO SECRETO

"Hoje pela primeira vez vi e fui abordado pelo Serviço Secreto em Kiev. Estavam bem nervosos, me pararam na rua, estavam com fuzis AK-47 na mão. Depois que me identifiquei como jornalista, me abraçaram e pediram para que eu contasse ao mundo que a Rússia está atacando a Ucrânia e matando civis, e que não seria verdade que são apenas alvos militares. Apesar disso, não tenho informação concreta de que alvos civis estejam sendo atacados. O que sei é que que alguns mísseis russos foram contra-atacados pela defesa aérea ucraniana e acabaram caindo sobre áreas civis. Mas tudo isso é muito difícil de confirmar neste momento. Mais cedo, ouvi tiros. Há desconfiança de que existem muitos sabotadores das forças russas atuando, e o Serviço Secreto ucraniano está bem agoniado."

ATIVISTAS

Para muitos ucranianos que adotaram uma posição política anti-Rússia nos últimos anos, a situação atual beira o pânico. Principalmente para os que foram muito ativistas, acreditando que a Ucrânia poderia ter apoio internacional. Agora estão se vendo sozinhos e muito assustados. Tem muita gente indo embora de Kiev, partindo com suas famílias."

DINHEIRO

"Encontrei muitas pessoas pedindo dinheiro enquanto caminhava hoje pelo centro de Kiev. Principalmente muitos idosos, na porta do metrô, pedindo esmolas. São pessoas que não conseguiram sacar dinheiro, muitos cartões não estão funcionando, elas estão sem nada."

METRÔ

"O metrô está lotado de pessoas que não se sentem seguras em casa. As estações ucranianas são superprofundas, foram preparadas durante a Guerra Fria para ataques nucleares. São locais seguros contra bombardeios. Encontrei homens, mulheres, crianças, famílias inteiras em colchões no chão. De dia, já tem uma boa quantidade de gente, mas à noite esses lugares ficam ainda mais cheios."

COMÉRCIO

"Praticamente todo o comércio de Kiev está fechado. Os supermercados não estão funcionando, há apenas algumas pequenas lojas abertas, onde se formam filas imensas para comprar qualquer coisa. Levei uma hora para conseguir comprar salgadinhos, chocolate e bateria para meu telefone. Comprei também dois cartões de celular de empresas diferentes, no caso de uma queda nas telecomunicações."

HOTEL

"Os funcionários do hotel em que estou hospedado trouxeram suas famílias. Há uma mistura de hóspedes, entre jornalistas, ucranianos ricos e familiares dos funcionários. Tem comida e água, mas alguns serviços caíram. Não há como sacar dinheiro, o sistema parou de funcionar. No hotel ainda é possível pagar contas com cartão, mas se for preciso sair do país, isso pode ser um problema."

JORNALISMO

"Praticamente todo mundo que prestava serviço para jornalista na Ucrânia desapareceu. Estou sem motorista, tradutor, e sem colete à prova de balas. Tudo se foi. Eu e outros jornalistas estamos precisando nos virar sozinhos por causa dessa situação. Ainda assim, teremos a oportunidade de assistir à Historia acontecer diante dos nossos olhos. E acho que isso acontecerá nas próximas horas. Será algo que terá impacto durante muito tempo, não só na Europa, mas em todo o mundo."