IVANO-FRANKIVSK — Em um porão longo e estreito de uma antiga escola, Serhiy Korneliyevych Hamchuk ensina ucranianas das mais diversas idades a manusear uma arma na cidade de Ivano-Frankivsk. A escalada de ataques feitos pela Rússia contra a Ucrânia — e os casos de estupro e violência — fez com que cada vez mais mulheres buscassem aprender a atirar, segundo reportagem do “The Guardian”.
Guerra na Ucrânia: Veja antes e depois da destruição após dois meses de conflito
O modelo de arma utilizado nos treinos é o popular AK-47, fabricado na Rússia. Em uma aula no local, dez “alunas”, com idade entre 18 e 51 anos, observam atentamente enquanto Hamchuk mostra como recarregar a arma, colocando as balas no lugar, uma após a outra, com o polegar.
— Bom. Quem quer tentar? — pergunta o instrutor às alunas, logo após fazer uma demonstração, na escola em que cerca de 1.200 alunos, com idades entre seis e 18 anos, estudavam até o início da guerra, quando o ensino presencial foi suspenso em toda a Ucrânia.
Pesquisa: Guerra na Ucrânia elevou gastos militares da Europa em 2021
Curso para elas
No final de março, Ruslan Martsinkiv, prefeito de Ivano-Frankivsk, uma das maiores cidades do oeste da Ucrânia, anunciou que cinco escolas de tiro da cidade seriam reabertas aos que quisessem ensinar civis a usar armas de fogo. Embora abertos a todos, os cursos são voltados principalmente para mulheres.
— Existem outras instituições onde os homens podem treinar, mas [os daquele local] são cursos especiais organizados para mulheres. As mulheres precisam estar prontas para proteger a si mesmas e suas famílias — diz o prefeito.
Autoridades de Kiev: Bombardeios russos em infraestruturas de transporte matam cinco na Ucrânia
As aulas começaram em 31 de março, dia em que as forças ucranianas libertaram Bucha, a noroeste da capital Kiev. Nos dias que se seguiram, enquanto notícias de crimes de guerra cometidos por soldados russos circulavam na mídia e nos canais do Telegram, milhares de mulheres buscaram o serviço. Só no primeiro fim de semana foram mais de 3.700 inscritas, com outras milhares se inscrevendo nas semanas seguintes, chegando a uma lista de espera de mais de 6.300 mulheres atualmente.
Tarefa da guerra
Para Natalia Anoshina, de 51 anos, a ideia de aprender como manejar um rifle nunca havia sido cogitada. Contudo, depois de ler sobre as atrocidades em Bucha, sua filha de 18 anos sugeriu que elas se inscrevessem.
— É um pesadelo, é simplesmente horrível. Minha mente não consegue processar essa informação, esse pavor — diz ela, ao “The Guardian”, sobre a ofensiva feitas no interior da Rússia.
Ofensiva: Putin acusa Ocidente de terrorismo e pede que Justiça seja dura com conspirações
Natalia observa atentamente enquanto sua filha, Anya, apoiada nos cotovelos no campo de tiro, engatilha o rifle de ar sobre o ombro para carregá-lo.
— Isso faz você olhar para as coisas com uma perspectiva diferente. Essas são as coisas que levam você a algumas decisões inesperadas. Agora, qualquer coisa pode ajudar, como este curso de tiro — desabafa.
Hamchuk, que é um ex-coronel do exército ucraniano, é mais direto.
— Levando em consideração o que está acontecendo em Kiev, acho que todos deveriam segurar uma arma e defender nosso país — diz ele, enquanto manuseia a Kalashnikov.
Ucraniana no Brasil: 'A guerra começou há oito anos para nós'
As aulas de tiro estão disponíveis todos os dias da semana, em cinco escolas da cidade, e são divididas em duas partes: uma inicial, para manusear uma Kalashnikov, e a prática, com exercício de tiro ao alvo no campo, mas utilizando um rifle de ar. Os participantes também não recebem armas depois, mas, segundo o prefeito Martsinkiv, “o ponto principal é aprender a usá-las, para que estejam prontos para usá-las”, se e quando chegar a hora.
— Não há combates em Ivano-Frankivsk no momento, mas se a guerra chegar aqui será uma situação diferente. Vimos o que aconteceu em Bucha e Irpin. As mulheres precisam estar prontas, é a tarefa dos dias atuais, a tarefa da guerra — acrescenta Martsinkiv.