Durante muito tempo, as mulheres associadas à Cosa Nostra, a máfia siciliana, nasciam para ficar viúvas, representadas no cinema como madonas dignas e dolorosas de véu negro conduzindo cortejos fúnebres. No entanto, a realidade é mais complexa. A prisão em 3 de março deste ano de Rosalia Messina Denaro escancarou o lugar ativo que muitas delas ocupam hoje no crime organizado, especialmente quando os homens estão escondidos, presos ou mortos.
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Nesta segunda-feira (25), autoridades locais confirmaram que o mafioso Matteo Messina Denaro, capturado em janeiro após passar 30 anos foragido, morreu em um hospital no centro da Itália. Irmão de Rosalia Messina Denaro, o italiano de 61 anos foi um dos criminosos mais cruéis da Cosa Nostra, representada nos filmes da saga “O Poderoso Chefão”.
Fotos de Matteo Messina Denaro, mafioso mais procurado da Itália que foi preso após 30 anos fugitivo
Assim como Rosalia Messina Denaro, presa perto de Palermo, no sul da Itália, as irmãs do "capo" administram a rotina diária, repassam instruções e até ordenam assassinatos do clã. São mulheres muitas vezes "invisíveis", mas que desempenham um papel central na máfia siciliana.
Rosalia Messina Denaro, esta "madrinha" de 67 anos, é descrita pela promotoria de Palermo como uma mulher de tradições "totalmente imersas em uma cultura mafiosa ortodoxa e granítica".
Foi por causa dela, e apesar dela, que o homem mais procurado da Itália — Matteo Messina Denaro —acabou preso.
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Pessoa de confiança
Rosalia, apelidada de "Rosetta", era a encarregada de transmitir os "pizzini", os pequenos textos manuscritos que passam de mão em mão e no qual estão detalhadas as ordens aos sócios ou mensagens pessoais.
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"Somos perseguidos como canalhas, tratados como se não pertencêssemos à raça humana. Somos uma etnia que buscam erradicar", escreveu Matteo Messina Denaro em um dos papéis encontrados na casa de Rosalia pelos investigadores, segundo a ordem de captura da promotoria de Palermo, à qual a AFP teve acesso.
Em outra mensagem é possível ver o saldo mensal do "caixa" familiar alimentado com atividades ilícitas, e usado para pagar despesas diárias, alimentação dos detidos e despesas judiciais: "Saldo final novembro de 2011 - 81.970 euro".
Para Matteo Messina Denaro, condenado à revelia em 2000 à prisão perpétua por assassinatos e em 2020 pelo ataque ao juiz antimáfia Giovanni Falcone em 1992, as instruções eram claras: essas mensagens deveriam ser queimadas depois de lidas. Mas Rosalia preferia escondê-las a destruí-las.
Em dezembro de 2022, agentes da polícia entraram secretamente na casa da sexagenária em Castelvetrano, reduto da família, para instalar microfones e câmeras escondidos. Ao descobrir a perna oca de uma cadeira, encontraram dentro de um daqueles "pizzini" uma espécie de diário médico detalhando os cuidados prestados a um homem com câncer. O nome do paciente usado no bilhete, porém, era falso.
Convencidos de que o paciente era o padrinho foragido, os policiais seguiram as pistas e o prenderam pouco mais de um mês depois. Rosalia, que passou 30 anos de sua existência escondendo o irmão, acabou traindo-o sem querer.
"Durante décadas ela foi seu ponto de referência econômico e sua pessoa de absoluta confiança", disse a promotoria de Palermo. Ao gerir os assuntos do dia a dia, Rosalia "possibilitou à Cosa Nostra manter um chefe forte (...), o último assassino ainda livre, cuja fuga continuou a alimentar a lenda".
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Dinastia do crime
Rosalia, mas também suas irmãs mais novas Anna Patrizia, Giovanna e Bice, são filhas, irmãs e esposas de mafiosos. Seu filho está preso e a filha, advogada, é responsável pela defesa do tio. Foi assim que os Messina Denaro construíram uma dinastia do crime, na qual Rosalia era o braço operacional.
Ele assumiu o comando quando Anna Patrizia foi presa, condenada a 14 anos de prisão em 2018. Na época, Rosalia era encarregada de cobrar o dinheiro das extorsões e defender os interesses de seu irmão dentro da Cosa Nostra.
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Embora o pertencimento a uma máfia seja sacramentado pelo rito do juramento, reservado aos homens, isso não impede que algumas mulheres desempenhem um papel fundamental na organização, aponta à AFP Federico Varese, sociólogo de Oxford. Algumas chegam "quase ao nível de padrinho".
E mesmo que suas mãos não estejam diretamente manchadas de sangue (salvo em alguns casos excepcionais), as mulheres da Cosa Nostra não são consideradas pelas autoridades como simples substitutas.
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— Até a década de 1990, a ideia era que as mulheres não deveriam ser condenadas. Foram os magistrados e, paradoxalmente, as feministas, que disseram que isso era uma abordagem machista — aponta Federico Varese.