Mundo Coronavírus

Espanha e Portugal lideram vacinação na União Europeia, com mais de 70% totalmente imunizados

Especialistas, contudo, apontam que vacinação sozinha não será suficiente para zerar casos de Covid-19 enquanto o coronavírus continuar a circular em grande quantidade
Idosos aguardam para serem vacinados em Seixal, Portugal Foto: Pedro Nunes / REUTERS/23-3-21
Idosos aguardam para serem vacinados em Seixal, Portugal Foto: Pedro Nunes / REUTERS/23-3-21

Após um início conturbado, Portugal e Espanha superaram os obstáculos em suas campanhas de vacinação anti-Covid e hoje lideram as estatísticas da União Europeia (UE). Deixando para trás países mais ricos do bloco, 84,5% dos portugueses já receberam ao menos uma dose, o maior percentual na UE. Os espanhóis seguem um pouco atrás, com 77,8%, atrás apenas da pequena Malta.

O cenário na Península Ibérica é explicado por fatores que vão de sistemas de saúde pública funcionais à confiança na vacina. Não é, no entanto, um sinal verde para retomar a vida pré-pandemia, especialmente perante a mais contagiosa variante Delta: enquanto o Sars-CoV-2 circular em abundância em algum canto do planeta, medidas de prevenção continuarão a ser imperativas, advertem analistas.

Cerca de 73,6% dos portugueses já estão com seus ciclos vacinais completos, um pouco mais que os 70,1% dos espanhóis. Malta, Dinamarca e Bélgica têm números parecidos, mas as grandes potências do bloco, como a França e a Alemanha, ficam um pouco para trás: 58,8% dos franceses e 59,9% dos alemães estão totalmente inoculados.

Os números portugueses e espanhóis devem-se em parte à grande confiança na vacinação e na ciência. Em uma entrevista ao jornal Público, o coordenador da força-tarefa de inoculação portuguesa, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, disse que a taxa de recusa da vacinação atinge “2% a 3% dos portugueses”.

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Em julho, segundo números do levantamento feito em conjunto pelo Imperial College e pela YouGov, 14,2% dos espanhóis entrevistados diziam que não haviam se vacinado e que não se vacinariam de jeito nenhum. Não há números da mesma pesquisa sobre Portugal, mas 29,6% dos franceses, 28,8% dos americanos e 24,2% dos alemães responderam da mesma forma.

Segundo Jeffrey Lazarus, pesquisador do Instituto de Saúde Global de Barcelona, os números espanhóis são facilitados pelo sistema de saúde descentralizado do país, em que as 17 comunidades autônomas podem, em parte, tomar suas próprias decisões sanitárias. Assim, adaptam com maior facilidade as estratégias de vacinação às necessidades de cada área:

— No País Basco, eles telefonam para as pessoas que ainda não se vacinaram. Em Madri, eles aplicam as doses em abrigos para sem-teto. Lá, também não é necessário agendar a vacinação — disse o professor, que publicou em junho na revista Nature um artigo chamando a atenção para a necessidade de uma campanha de vacinação inclusiva na Espanha e no mundo.

Fatores locais

Em Portugal, a velocidade é ainda maior. Com pouco mais de 10,3 milhões de habitantes, o país viu há duas semanas a vacinação dos adolescentes entre 12 e 15 anos superar as expectativas. Esperava-se que 110 mil jovens se inoculassem no primeiro fim de semana, mas em um único dia 115 mil deles foram atrás das injeções. Em alguns centros de imunização, há DJs para animar quem espera sua vez.

Segundo uma reportagem do Público, a memória de um passado recente em que eram registradas doenças hoje prevenidas por vacinas, como a poliomielite e a varíola, ainda é bastante viva no país. O combate a essas doenças e a criação do que seria a base do Plano Nacional de Vacinação, ainda nos anos 1960, ajudam até hoje a aumentar a confiança no sistema de saúde nacional.

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Em partes do país, discute-se desmontar alguns dos centros de vacinação em massa, apesar de debates sobre a necessidade de terceiras doses em um futuro próximo. Se conseguirem imunizar todos com mais de 12 anos, o que pretendem fazer ainda em setembro, antes do início do novo ano letivo, os portugueses ultrapassarão 90% da população inoculada.

Os números atuais são bem distantes da realidade do início do ano, quando tanto Portugal quanto Espanha atravessavam seus piores momentos na pandemia. Enquanto as campanhas do Reino Unido, que havia concretizado seu divórcio da UE semanas antes, e dos EUA começavam de vento em popa, a UE ficava para trás, atrapalhada pela escassez de doses.

Nesta terça, anunciou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o organismo executivo da UE, o bloco ultrapassou a marca de 70% dos adultos completamente vacinados. Entre a população geral, segundo o Our World in Data, 57,6% dos europeus tomaram as duas doses.

Os EUA, por sua vez, imunizaram apenas 51,7% de sua população total. Os estados do Sul americano, com taxas de vacinação aquém da média nacional, fazem do país hoje um dos epicentros globais da pandemia — e a velocidade com que as autoridades de saúde americanas declararam que a crise sanitária estava ficando para trás quando os casos estavam em baixa é motivo de alerta na Europa.

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Novos casos

Tanto em Portugal quanto na Espanha, as restrições começam a ser aliviadas: os espanhóis, por exemplo, liberaram a entrada de brasileiros já vacinados. O fim do uso das máscaras em ambientes fechados também é pautado, algo que uma parcela dos especialistas considera precipitado.

Nos dois países, os casos continuam relativamente altos: Portugal tem 217,4 novos diagnósticos por milhão de habitantes, o sétimo maior número na UE. A Espanha está em 12 o , com 161 casos por milhão. A média americana, para fins comparativos, se aproxima de 500 diagnósticos por milhão.

Para Lazarus, não será surpreendente se houver um novo surto da doença nos próximos meses de inverno, especialmente diante da Delta.

A vacinação deve fazer a diferença: as mortes e internações, ele aponta, não sobem nas mesmas proporções. Segundo dados do Ministério da Saúde português do último dia 23, apenas 0,3% das pessoas com vacinação completa foi infectada. Ainda assim, a queda do respeito às diretrizes sanitárias e a baixa testagem apresentam um risco.

Para Lazarus, há uma “sensação falsa de segurança” e um foco demasiado na vacina que, apesar de ser ímpar, “não derrotará a pandemia sozinha”. O professor crê ser imperativo que mais cidades e países, a exemplo do que fez a França, adotem certificados sanitários para que pessoas já vacinadas, que testaram negativo ou tenham se curado da doença recentemente possam entrar em cinemas, bares e restaurantes, por exemplo.

— Nós não vamos sair dessa só com as vacinas. Elas são centrais, mas não são capazes de barrar a circulação — disse o professor, defendendo que a única maneira de pôr fim à pandemia é combinando a rápida vacinação global com medidas sanitárias.

Enquanto o vírus circular em abundância, ele diz, os casos continuarão a subir e o risco de surgirem novas variantes mais contagiosas permanecerá.