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Estátua de traficante de escravos derrubada em Bristol vai para o museu, diz prefeito

Ato foi classificado por Boris Johnson e seus aliados como 'criminoso'; movimento levantou discussão mais ampla sobre a História do Reino Unido
Momento em que a estátua de Edward Colston é derrubada por manifestantes Foto: MOHIUDIN MALIK / MOHIUDIN MALIK via REUTERS
Momento em que a estátua de Edward Colston é derrubada por manifestantes Foto: MOHIUDIN MALIK / MOHIUDIN MALIK via REUTERS

BRISTOL, Reino Unido — A derrubada por manifestantes da estátua de Edward Colston, um traficante de escravos  que viveu de 1636 a 1721, em Bristol, a 171 km de Londres, vem fomentando uma discussão sobre como o Reino Unido lida com capítulos sombrios de sua História. Enquanto o governo do primeiro-ministro Boris Johnson disse que a remoção, no domingo, foi um "ato criminoso", o prefeito de Bristol, Marvin Rees, afirmou nesta segunda-feira que prefere deixar a estátua em um museu do que reinstalá-la.

— Como representante eleito, obviamente não posso tolerar esse dano e estou muito preocupado com as implicações que uma manifestação maciça possa ter em uma segunda onda (de contaminações por coronavírus) — disse Rees à BBC. — Mas eu sou de origem jamaicana e não posso dizer que tenho um verdadeiro sentimento de perda por esta estátua.

Rees também disse que via a estátua de Colston como uma "afronta pessoal" e considerou sua demolição um momento "histórico". Segundo ele, é "muito provável" que a estátua termine em um museu. No domingo, ela foi arrancada do pedestal por um grupo de manifestantes que protestavam contra o assassinato de um homem negro, George Floyd, por um policial branco nos Estados Unidos. Em seguida, a estatua foi jogada no Rio Avon, que corta a cidade, sob aplausos da multidão.

Contexto : Milhares protestam contra o racismo em Londres, e estátua de traficante de escravos é derrubada em Bristol

O porta-voz do primeiro-ministro Boris Johnson, no entanto, afirmou que a derrubada foi um "ato criminoso". Segundo o representante, o premier conservador "entende completamente a força do sentimento neste caso", mas afirma que "há processos internos que podem resolver estas questões". Na campanha pelo Brexit, a saída do Reino Unido da UE — do qual Boris foi um dos mais ardentes defensores — uma das promessas implícitas era que o país, sozinho, poderia reviver as glórias do tempo do Império Britânico.

A manutenção da estátua estava em debate havia anos em Bristol — o local foi alvo de protestos no passado,  e uma petição recente exigindo sua remoção recebeu mais de 11 mil assinaturas. Inaugurado em 1895, o monumento de bronze é uma homenagem a Colston, um traficante de escravos que foi membro do Parlamento britânico. Calcula-se que ele tenha traficado 80 mil pessoas entre a África e as Américas, das quais 20 mil morreram no caminho. Uma rua e diversos prédios na cidade ainda carregam o nome do mercador.

Os britânicos foram, como os portugueses, protagonistas do tráfico de escravos entre a África e as colônias europeias nas Américas entre os séculos XVI e XIX. Em 1807, o Império Britânico proibiu o comércio de pessoas escravizadas entre suas colônias e deu início a pressões sobre as demais metrópoles da Europa para fazerem o mesmo. A escravidão, porém, não foi proibida, o que só viria a acontecer oficialmente em 1833.

Movimento geral

A derrubada da estátua provocou um debate político no Reino Unido, similar ao visto em outros países. A associação de Proteção ao Patrimônio Histórico da Inglaterra condenou a demolição, mas disse que concorda que "a estátua é um símbolo de injustiça". Em seu Instagram, Lewis Hamilton, hexacampeão de Fórmula 1 e primeiro piloto negro a competir na categoria, disse estar "orgulhoso" dos manifestantes que derrubaram a estátua.

Outra estátua foi atacada no domingo, fora do prédio do Parlamento de Londres, a do ex-primeiro-ministro conservador Winston Churchill, um herói da Segunda Guerra Mundial, em cujo pedestal um manifestante escreveu "Ele era racista". Em diversas ocasiões, Churchill fez comentários racistas e antissemitas,  e críticos o acusam de negar comida para a Índia durante a epidemia de fome de 1943, que matou mais de 2 milhões de pessoas na então colônia britânica.

O ministro do Interior britânico, Priti Patel, disse que não "há desculpas" para "a vandalização" do monumento a Churchill e que os responsáveis devem ser legalmente responsabiizados.

O movimento de revisão da História oficial também ganhou as ruas de Glasgow, na Escócia, onde ativistas trocaram, extraoficialmente, o nome de ruas que homenageiam pessoas ligadas ao tráfico de escravos. A Rua Cochrane, um fazendeiro de tabaco que enriqueceu às custas da mão de obra escrava no século XVIII, foi renomeada para Rua Sheku Bayouh, um homem negro morto sob custódia da polícia escocesa em 2015.

Outra rua recebeu o nome de Rosa Parks, ativista americana famosa por se recusar a ceder seu lugar para um homem branco em um ônibus em Montgomery, no Alabama, em 1955, ato que desencadeou o movimento pelos direitos civis nos EUA. Uma terceira foi momentaneamente batizada com o nome de Harriet Tubman, mulher negra que conseguiu fugir da escravidão e organizou uma rede clandestina para auxiliar outros escravizados a escaparem do Sul dos EUA no século XIX. Uma via recebeu o nome de Floyd, mas a homenagem foi retirada, segundo a imprensa local.