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EUA completam retirada militar do Afeganistão e encerram guerra mais longa da História americana

Washington finaliza ocupação de 20 anos, com o Talibã novamente no poder do país asiático: 'Fizemos história!", disse um dos líderes de grupo fundamentalista
Um helicóptero Chinook é embarcado em avião de transporte americano no aeroporto internacional de Cabul, na reta final da retirada dos EUA Foto: Comando Central dos EUA / via REUTERS
Um helicóptero Chinook é embarcado em avião de transporte americano no aeroporto internacional de Cabul, na reta final da retirada dos EUA Foto: Comando Central dos EUA / via REUTERS

WASHINGTON — Os Estados Unidos anunciaram nesta segunda-feira que concluíram a retirada de seus militares do Afeganistão, encerrando um dia antes do prazo a guerra mais longa da história americana, após 20 anos de ocupação do país da Ásia Central.

Depois de terem invadido o Afeganistão em retaliação aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA e destituírem o Talibã — acusado de dar abrigo a Osama bin Laden, líder da al-Qaeda — as forças americanas deixam o país duas semanas depois de o grupo fundamentalista retomar o poder em Cabul. O secretário de Estado Antony Blinken anunciou que os EUA suspenderam sua presença diplomática em Cabul e a transferiram para o Qatar.

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A retirada já estava prevista em um acordo assinado entre o Talibã e o governo de Donald Trump em fevereiro de 2020, mantido pelo presidente Joe Biden. Ela se tornou caótica, porém, por causa do rápido avanço militar da milícia.

Mais de 122 mil civis foram removidos de avião pelos governos ocidentais desde 14 de agosto, quando o Talibã já avançava rumo à capital, diante da capitulação do Exército treinado e armado pelos americanos e seus aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Em um comunicado, o presidente Biden elogiou os militares que finalizaram a remoção dos últimos soldados, diplomatas e cidadãos americanos, além de dezenas de milhares de civis afegãos aliados.

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"Nos últimos 17 dias nossos soldados executaram a maior retirada por via aérea da História dos EUA", disse no comunicado. "Fizeram isso com coragem, profissionalismo e determinação incomparáveis. Agora nossa presença militar de 20 anos no Afeganistão acabou", completou. Para marcar o fim da guerra, o presidente americano fará um pronunciamento à nação às 14h30 (horário de Brasília) nesta terça-feira.

Depois que Washington anunciou a conclusão da retirada, o chefe do Comando Central dos EUA afirmou que nem todos os civis que eles queriam remover conseguiram sair do Afeganistão, mas que todos os militares foram retirados. Havia no país, em maio, apenas 2.500 militares americanos, mas um contingente que chegou ao total de 6 mil soldados foi enviado apenas para a operação de remoção de civis.

Estima-se que cerca de 300 mil afegãos trabalharam de alguma forma para as forças ocidentais durante os últimos 20 anos, e teme-se que os que ficaram sejam alvos de represálias do Talibã, apesar das promessas em contrário do grupo.

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Nos últimos dias, militares americanos disseram que os Estados Unidos continuariam os esforços da remoção e se retirariam totalmente até 31 de agosto, a data anunciada anteriormente por Biden. No entanto, o último voo deixou o país faltando um minuto para o dia 31, às 23h59 de segunda-feira (horário do Afeganistão), segundo o chefe do Comando Central dos EUA, Kenneth McKenzie.

Após o anúncio do fim do processo de retirada americana, um dos líderes do Talibã, Anas Haqqani, membro da equipe baseada no Qatar que negociou o acordo de retirada, comemorou: "Fizemos história!":  "Os vinte anos de ocupação do Afeganistão pelos Estados Unidos e pela Otan acabaram esta noite", escreveu Haqqani no Twitter. "Estou muito contente após 20 anos de jihad, sacrifícios e dificuldades, de ter a satisfação de ver estes momentos históricos."

Talibãs caminham em frente a um avião militar um dia após os EUA concluírem sua retirada do país Foto: STRINGER / REUTERS
Talibãs caminham em frente a um avião militar um dia após os EUA concluírem sua retirada do país Foto: STRINGER / REUTERS

À medida que se aproximava o prazo da conclusão da saída militar, as tensões aumentaram drasticamente, e um atentado terrorista na última quinta-feira deixou mais de 180 mortos, entre eles 13 militares americanos, nos arredores do aeroporto de Cabul. O atentado com homem-bomba foi reivindicado pelo Estado Islâmico de Khorasan , conhecido pela sigla em inglês Isis-K, que é inimigo comum do Talibã e dos EUA.

Ainda nesta segunda-feira, as defesas antimísseis dos EUA interceptaram ao menos cinco foguetes lançados contra o aeroporto de Cabul, em outro ataque reivindicado pelo Isis-K. No domingo, horas depois de emitir um alerta instruindo seus cidadãos a deixar os arredores do aeroporto diante do risco iminente de novos atentados, Washington disparou mísseis a partir de drones contra um possível carro-bomba do Isis-K, matando ao menos dez civis afegãos de uma mesma família, segundo reportou o New York Times.

Na noite desta segunda-feira, algumas centenas de pessoas ainda aguardavam possíveis voos de saída fora do perímetro do aeroporto de Cabul, mantidas à distância por combatentes do Talibã que faziam a segurança da área. Cerca de 1.200 pessoas foram transportadas de avião de Cabul nas 24 horas anteriores, segundo a Casa Branca. O número é apenas uma fração dos 21 mil que chegaram a ser removidos em um único dia da semana passada.

Possivelmente, ainda há muitos outros afegãos elegíveis para um visto especial dos EUA, mas que agora estão em um Afeganistão sob o controle total do Talibã. Muitos são ex-intérpretes dos militares dos EUA que estão em algum estágio do processo para receber o documento e que temem por sua segurança.

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Diante desse cenário, os EUA e outros 97 países afirmaram, por meio de um comunicado emitido no domingo, que continuariam a acolher pessoas que fugirem do Afeganistão após a saída dos militares ocidentais e que haviam conseguido um acordo com o Talibã para permitir-lhes passagem segura.

Com a saída americana, os talibãs devem assumir logo o controle do aeroporto internacional de Cabul, a única área do país que continuava sob controle dos EUA. O grupo, que ainda negocia a formação de um "governo inclusivo" com a mediação do Qatar, está em tratativas com a Turquia para a operação do terminal.

Nesta segunda, o alto comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi, fez um apelo para que o Afeganistão mantenha suas fronteiras terrestres abertas para que seus cidadãos "possam exercer seu direito de buscar proteção internacional". Sozinhos, Irã e Paquistão já abrigam cerca de 2,2 milhões de refugiados afegãos, mais do que qualquer outro país do mundo, o que levou Grandi a instar outras nações a compartilharem "essa responsabilidade humanitária".