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Europa se divide sobre ajuda contra coronavírus, que opõe Espanha e Itália a Alemanha e Holanda

Países mais atingidos pela pandemia pedem mais solidariedade de Bruxelas, enquanto defensores da austeridade se mostram irredutíveis
Bandeiras da União Europeia em Bruxelas Foto: Yves Herman / REUTERS
Bandeiras da União Europeia em Bruxelas Foto: Yves Herman / REUTERS

Fortes divisões na União Europeia impediram que o bloco de países chegasse a um acordo com medidas conjuntas para enfrentar a pandemia de coronavírus. Isto levou Espanha e Itália , os países mais atingidos pela doença, a denunciar nesta sexta-feira outros Estados, como Alemanha , Holanda e Áustria, por falta de solidariedade.

Na quinta-feira, após uma reunião por videoconferência de mais de seis horas, os países não conseguiram chegar a um acordo comum que contivesse medidas concretas. Durante a reunião, nove dos 19 países da zona do euro, incluindo Itália, França e Espanha, queriam que o bloco emitisse em conjunto títulos de dívida, apelidados de títulos corona, para captar financiamento de longo prazo. Os países enviaram uma carta na véspera do encontro ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

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"Em particular, precisamos trabalhar em um instrumento de dívida comum emitido por uma instituição europeia para levantar fundos no mercado sob a mesma base e para benefício de todos os Estados-Membros, garantindo assim um financiamento estável a longo prazo para as políticas necessárias para combater os danos causados por esta pandemia ", escreveram os nove líderes. "O argumento a favor de um instrumento comum é muito forte, já que todos enfrentamos um choque externo simétrico, pelo qual nenhum país é responsável, mas cujas conseqüências negativas são sofridas por todos."

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, com o apoio de Áustria e Holanda, recusou a proposta. Há nos três países, todos defensores da austeridade, com maior nível de desenvolvimento e menos afetados pela epidemia,  o temor de que a emissão de títulos signifique que eles irão pagar pelos custos dos Estados mais pobres.

— Esclarecemos a posição do lado alemão, mas também de outros, de que essa não é a opinião de todos os Estados — disse Merkel nesta sexta-feira, em referência ao pedido de títulos corona.

A Alemanha é o país mais rico e poderoso da União Europeia, e por diversas vezes ouviu queixas de Estados mais fracos —inclusive da França, a segunda maior potência regional — que demandavam menor austeridade fiscal. Os países que fazem parte da zona do euro tem capacidade fiscal definida pelo Banco Central Europeu, devido à união monetária, e são dependentes da Alemanha em suas atividades econômicas.

Segundo a imprensa holandesa, o ministro das Finanças do país, Wopke Hoekstra, sugeriu investigar por que certos países não economizaram o suficiente e agora não têm margem orçamentária para lidar com a pandemia.

O fato de os países mais austeros mais uma vez terem se mostrado irredutíveis enfureceu o premier italiano Giuseppe Conte, de centro-esquerda, que disse que não apoiaria a declaração conjunta da reunião.

— Precisamos reagir com ferramentas financeiras inovadoras — disse Conte a seus colegas, de acordo com uma autoridade italiana.

Conte também pediu às autoridades em Bruxelas 10 dias para voltar com "uma solução adequada".

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, também de esquerda, alinhou-se com a Itália.  Durante a reunião, ele pediu uma resposta "unificada, poderosa e eficaz”, afirmando que, caso não haja uma, os países podem “pôr em risco todo o projeto europeu”.

Durante a reunião, ele afirmou que o bloco não pode repetir os “erros da crise financeira de 2008, que plantou as sementes do descontentamento e da divisão com o projeto europeu e provocou a ascensão do populismo”, segundo o site Politico.

Nesta sexta-feira, Sánchez voltou ao assunto, e escreveu no Twitter que "a UE deve promover um plano de reconstrução que reforce os mecanismos do Estado de bem-estar europeu", afirmou.

O chefe de Estado Português, António Costa, classificou à imprensa portuguesa o discurso da Holanda como “nojento”, acrescentando que "essa mesquinharia recorrente prejudica totalmente o espírito da União Europeia".

Nesta sexta-feira, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou à imprensa italiana que o seu país apoia a Itália.

— Se não mostrarmos solidariedade, Itália, Espanha ou outros poderão dizer aos seus parceiros europeus: onde você estava quando estávamos na frente? Eu não quero essa Europa egoísta e dividida — disse, ressaltando que a  Europa já ofereceu máscaras e equipamentos médicos para a Itála, e que esse dado não tem tanta repercussão quanto a ajuda oferecida pela China.

As queixas de Madri e de Roma fizeram com que a reunião se estendesse pelas seis horas. Por fim, acabou por haver uma declaração comum, mas repleta de termos técnicos, sem compromissos efetivos.

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“Devemos começar a preparar as medidas necessárias para voltar ao funcionamento normal de nossas sociedades e economias e ao crescimento sustentável", afirma o documento."Isso exigirá uma estratégia de saída coordenada, um plano de recuperação abrangente e investimentos sem precedentes", diz o documento.

A despeito das divergências, já antes da reunião, houve algumas medidas conjuntas no bloco. Os limites da UE para os déficits orçamentários foram reduzidos, para permitir que os países obtivessem mais empréstimos. O Banco Central Europeu também injetou centenas de bilhões nos mercados para evitar uma nova depressão econômica.