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Evo Morales deixa Bolívia rumo ao México, onde ficará asilado

Brasil concedeu autorização para que aeronave cruzasse seu espaço aéreo; México realizou complexa negociação diplomática para que Morales deixasse o território boliviano
Evo deixa Bolívia Foto: Reprodução Twitter
Evo deixa Bolívia Foto: Reprodução Twitter

LA PAZ — Evo Morales deixou a Bolívia rumo ao México , na madrugada desta terça-feira, depois que o governo de Andrés Manuel López Obrador enviou um avião de sua Força Aérea para buscá-lo. Em entrevista coletiva, o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, relatou a complexa negociação diplomática para permitir que a aeronave chegasse à Cidade do México. Com autorização do Itamaraty, a aeronave chegou a região fronteiriça entre o Brasil e a Bolívia.

O avião — um Gulfstream 550 da Força Aérea Mexicana — partiu da Bolívia por volta das 23h de segunda-feira (horário de Brasília), com Morales, a ex-ministra da Saúde  Gabriela Montaño e o vice Álvaro García Linera. A aeronave fez uma escala em Assunção às 1h35 da manhã desta terça. Segundo agências internacionais, Linera desceu da aeronave para cumprimentar o embaixador mexicano no Paraguai, mas Morales continuou a bordo.

Em entrevista coletiva nesta terça-feira, o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, relatou a complexa negociação diplomática que foi necessária para que Morales conseguisse chegar ao México — algo classificado por ele como um "périplo por diferentes espaços aéreos e decisões políticas" da América Latina.

Entrevista: 'Morales quer o caos absoluto', diz principal líder opositor Carlos Mesa

O Gulfstream chegou à Lima na segunda-feira, onde precisou esperar autorização do comando da Força Aérea da Bolívia para ingressar em seu território e buscar Morales na cidade de Chimoré. Com o aval concedido, o avião decolou do aeroporto peruano, mas teve sua passagem negada pelos controladores de voo bolivianos. Ele precisou retornar ao Peru até que os diplomatas mexicanos negociassem uma nova autorização, que foi concedida horas depois.

Rota do avião com Evo Morales
Horários de Brasília
1
Na segunda-feira, avião Gulfstream 550 da Força Aérea Mexicana chega a Lima para reabastecer, aguarda autorização da Bolívia para entrar em seu espaço aéreo e decola
Avião tem a passagem negada por controladores de voo bolivianos e retorna a Lima
14h
Chegada
5
Cidade do México
Permissão boliviana é concedida horas depois e aeronave decola mais uma vez
México
2
Pouso em Chimoré, Bolívia
Peru nega permissão de pouso na volta "por razões políticas"
Chancelaria mexicana, com ajuda do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, entra em contato com Paraguai, que dá permissão de pouso
4
9h53m
duração
do trajeto
Lima
Peru
O Gulfstream 550 parte às 23h (hora do Brasil) de Chimoré com Evo Morales, a ex-ministra Gabriela Montaño e o vice Álvaro García Linera, rumo ao Paraguai
1
2
23h
decolagem
Chimoré
Bolívia
3
Escala em Assunção para reabastecimento à 1h35 (terça-feira)
1h35
pouso
3
Assunção
Bolívia proíbe cruzar novamente seu território.
Itamaraty permite sobrevoo do espaço aéreo brasileiro
Paraguai
Peru e Equador permitem sobrevoo
Avião decola de Assunção
4
5
Com avião no ar, Equador revoga autorização e a aeronave muda de rota
Avião com Morales aterrisa na Cidade do México às 14h (hora do Brasil)
Fonte: FlightAware
Rota do avião com Evo Morales
Horários de Brasília
14h
chegada
5
Cidade do México
méxico
9h53m
4
duração
do trajeto
1
2
23h
decolagem
Chimoré
Bolívia
3
1h35
pouso
Assunção
Paraguai
1
Na segunda-feira, avião Gulfstream 550 da Força Aérea Mexicana chega a Lima para reabastecer, aguarda autorização da Bolívia para entrar em seu espaço aéreo e decola
Avião tem a passagem negada por controladores de voo bolivianos e retorna a Lima
Permissão boliviana é concedida horas depois e aeronave decola mais uma vez
2
Pouso em Chimoré, Bolívia
Peru nega permissão de pouso na volta "por razões políticas"
Chancelaria mexicana, com ajuda do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, entra em contato com Paraguai, que dá permissão de pouso
O Gulfstream 550 parte às 23h (hora do Brasil) de Chimoré com Evo Morales, a ex-ministra Gabriela Montaño e o vice Álvaro García Linera, rumo ao Paraguai
3
Escala em Assunção para reabastecimento à 1h35 (terça-feira)
Bolívia proíbe cruzar novamente seu território. Itamaraty permite sobrevoo do espaço aéreo brasileiro
Peru e Equador permitem sobrevoo
Avião decola de Assunção
4
Com avião no ar, Equador revoga autorização e a aeronave muda de rota
5
Avião com Morales aterrisa na Cidade do México às 14h (hora do Brasil)
Fonte: FlightAware

O plano inicial, segundo Ebrard, era que o avião fizesse o mesmo trajeto de volta: reabastecer em Lima e seguir viagem para o México. No entanto, por via de seu chanceler, o governo peruano negou permissão para que a aeronave voltasse a pousar em seu território, citando "razões políticas".

Com o impasse, Morales precisou prolongar sua espera no aeroporto de Chimoré. Segundo o chanceler mexicano, isto gerou uma enorme tensão porque manifestantes pró-Morales ocupavam o lado de fora do aeroporto, onde estavam integrantes das Forças Armas.

Plano B

O plano B da diplomacia mexicana foi entrar em contato com a Chancelaria paraguaia. O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández , também participou da negociação, falando diretamente com o presidente Mário Abdo Benítez. Assunção permitiu que o avião pousasse em seu território para reabastecer, alegando, segundo Ebrard, que "poderia haver uma tragédia" caso isso não acontecesse.

Para isso, a diplomacia boliviana voltou a entrar em contato com o governo do Peru, que permitiu o sobrevoo em seu espaço aéreo, e com o Equador, que deu autorização para que a aeronave fosse reabastecida em seu território. Para isso, no entanto, seria necessário que o avião cruzasse novamente o território boliviano — algo que foi negado.

Buscando outra solução, o embaixador brasileiro em La Paz e o embaixador mexicano em Brasília entraram em contato com o Itamaraty , que permitiu à aeronave atravessar o território brasileiro. Ao GLOBO, o Ministério de Relações Exteriores disse que a autorização foi concedida imediatamente. Durante a entrevista, Ebrard agradeceu a atitude do governo brasileiro.

A rota prevista era que o avião sobrevoasse o território peruano e, de lá, cruzasse o espaço aéreo do Equador até o México. Com a aeronave no ar, no entanto, o governo equatoriano revogou sua autorização de sobrevoo, obrigando que o país fosse contornado e atrasando ainda mais seu pouso na Cidade do México.

Asilo político

"Irmãs e irmãos, parto rumo ao México, agradecido pelo desprendimento do governo desse povo irmão que nos deu asilo para preservar nossa vida. Dói-me abandonar o país por razões políticas, mas sempre estarei ao seu lado. Logo voltarei com mais força e energia", escreveu Morales no Twitter.Evo Mexico

Ontem, logo após a saída de Morales da Bolívia, Ebrard disse que o presidente demissionário agora está "sob a proteção do México" e que "sua vida e integridade estão seguras". O ministro havia informado ainda no domingo que o governo mexicano ofereceria asilo para Morales, informação confirmada na tarde de ontem pelo presidente López Obrador. Ebrard também disse que pediu à ONU proteção internacional para o ex-presidente.

O ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, em sua cama improvisada no chão, em sua primeira noite depois de deixar a Presidência Foto: Reprodução
O ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, em sua cama improvisada no chão, em sua primeira noite depois de deixar a Presidência Foto: Reprodução

O presidente Jair Bolsonaro ironizou a decisão do México em conceder asilo político ao ex-presidente da Bolívia, Evo Morales. Em referência ao presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD), disse que a esquerda "tomou conta de novo" do México e que "tem um bom país para ele (Morales): Cuba."

Eleito no ano passado,  López Obrador é o primeiro presidente de esquerda do México em décadas. Antes da concessão do asilo, o governo mexicano  informou que reconhecia Morales como "presidente legítimo" da Bolívia, afirmando que sua renúncia se devia a um " golpe " dado pelo Exército, classificando como um grave retrocesso para a região.

Vácuo de poder

A renúncia de Morales deixou um vácuo de poder na Bolívia. As autoridades da cadeia sucessória, começando pelo vice-presidente Álvaro García Linera e pelos presidentes e vice-presidentes da Câmara e do Senado, todos integrantes do MAS (Movimento ao Socialismo) de Morales, também abandonaram seus cargos, levantando questionamentos sobre quem assumirá o poder.

Leia também: Entenda em quatro pontos o que poderá acontecer na Bolívia após a renúncia de Morales

A carta de renúncia de Evo Morales Foto: Reprodução
A carta de renúncia de Evo Morales Foto: Reprodução

A sucessão de Morales foi reivindicada pela segunda vice-presidente do Senado, Jeanine Áñez, parlamentar da oposição. Ela reivindicou o cargo no domingo, e nesta segunda-feira viajou do departamento (estado de Beni) para El Alto, cidade vizinha a La Paz, de onde foi levada em um helicóptero da Força Aérea para uma academia militar.

A Assembleia Legislativa boliviana se reunirá em sessão extraordinária na tarde desta quarta-feira para discutir a renúncia de Morales e sua questão sucessória.

*Colaborou Eliane Oliveira