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Ex-apresentadora de TV, advogada e política por acidente: conheça Jeanine Áñez, que se proclamou presidente da Bolívia

Senadora entrou na política por sistema de cotas de gênero e prometeu que convocará novas eleições
Jeanine Áñez, com uma Bíblia na mão, fala no palácio presidencial em La Paz Foto: AIZAR RALDES / AFP
Jeanine Áñez, com uma Bíblia na mão, fala no palácio presidencial em La Paz Foto: AIZAR RALDES / AFP

RIO - Jeanine Áñez, que se proclamou presidente interina da Bolívia na noite deste terça-feira em uma sessão sem quórum no Senado, é uma advogada de formação, que foi alçada à vida pública como apresentadora de televisão e entrou na política por acaso. Ela, que, desde que fez o juramento tem se identificado como “presidenta”, disse que ocupa o cargo só para realizar novas eleições, e prometeu que estas serão “limpas”.

Membro da aliança conservadora Unidade Democrática, ela atua desde 2010 como senadora e segunda vice-presidente do Senado, representando o departamento (estado) de Beni. Ela obteve a vaga como candidata do Plano de Progresso para a Convergência Nacional Bolívia (PPB-CN), da aliança mencionada acima. Tornou-se vice-presidente da Casa, onde o Movimento ao Socialismo (MAS) de Evo Morales é majoritário, porque a tradição prevê a representação de forças minoritárias.

Em seu perfil no Twitter, Añez, de 52 anos, se descreve como "democrata, autonomista, mãe e defensora da liberdade e da democracia". Ela foi uma dura crítica de Morales, a quem acusa de querer “perpetuar-se no poder" e "ter posto o país nessa situação por querer um quarto mandato".

A ida de Añez para a política aconteceu em 2006,  de forma que ela descreve como “acidental”. Em 2006, o partido conservador Podemos a convidou a fazer parte na lista de candidatos para a Assembleia Constituinte que elaborou a nova Constituição da Bolívia, aprovada em referendo em 2009. A política, que já era famosa em Beni por aparecer na televisão, assume que foi convidada para exercer o cargo que ocupou até o encerramento do processo constituinte em 2008 porque havia vagas reservadas para mulheres.

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— Se não tivesse sido por uma obrigação legal nem sequer estaria participando como senadora. Para nós mulheres, ajudou bastante que nossa participação fosse obrigatória — afirmou, em entrevista de 2014 à emissora boliviana ATB.

Após a conclusão da Assembleia Constituinte, Áñez voltou para a política e se candidatou a senadora, sendo eleita em 2010 e se tornando vice-presidente do Senado.

Ela afirma que decidiu continuar na política por fidelidade ao ex-governador de Beni e ex-vice-presidente do Movimento Social Democrata (MDS), Ernesto Suárez, condenado por desvio de receitas em 2018, em um processo que ele disse ter se dado por motivos políticos.

Ela é a segunda mulher a assumir a Presidência da Bolívia. Em novembro de 1979, Lidia Gueiler permaneceu apenas 244 dias no cargo, porque em julho de 1980 foi derrubada pelo general Luis García Meza.

Durante as eleições, Áñez apoiou o colega senador Óscar Ortiz, empresário de Santa Cruz, que defende o fim do modelo econômico baseado em investimentos do Estado e que defende grandes incentivos para a iniciativa privada. Santa Cruz é o estado mais rico da Bolívia, e reduto da oposição, e Ortiz, um dos candidatos mais abertamente de direita da disputa, chegou em quarto, com 4,24%.

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Apesar de ter sido uma severa crítica de Morales, ela afirmou que pretende pacificar o país, em um mandato que prometeu que irá durar apenas até a realização de novas eleições. Visivelmente emocionada após a sessão no Senado, Ánez prometeu que seu mandato será curto.

— Queremos convocar novas eleições o mais rápido possível, com autoridades honestas, de mérito, de capacidade, que sejam independentes — disse a nova presidente em discurso no Congresso, ao qual só assistiram legisladores contrários a Morales.

A conservadora Áñez em seguida foi para a Casa de Governo, carregando nos braços uma Bíblia gigante, com a qual declarou:

— É um compromisso que assumimos com o país, e vamos honrá-lo — afirmou.

Parte desses esforços de pacificação aconteceram em mensagens direcionadas nos últimos dias à população indígena, alvo de racismo  de setores conservadores. Em uma mensagem divulgada em redes sociais nesta semana, Áñez defende a bandeira Wiphala, do povo aimará, que foi reconhecida como símbolo do Estado Boliviano na Constituição de 2008, e que foi várias vezes destruída em protestos da oposição nas últimas semanas.

— Quero dizer a meu querido e diverso povo boliviano que é instruído que, junto a nossa sagrada bandeira tricolor, se mantenha a Wiphala. Somos um país plural e diverso. Mas todos somos iguais.

O discurso contraria posições tradicionais de Ánez, reveladas em postagens nas redes sociais desencavadas por seus detratores: em uma delas, de 2013, ela chamava os rituais do ano novo aimará de "satânicos". Em outro, que foi rapidamente apagado pela senadora, ela duvidava da autencidade de um grupo vestido com trajes tradicionais indígenas porque eles usavam sapato.