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Ex-presidente volta para enfrentar acusações de traição e complica situação interna da Ucrânia

Caso adiciona instabilidade política à ex-república soviética, que já vive sob temores de uma invasão russa
O ex-presidente da Ucrânia Petro Poroshenko acena a uma multidão fora do aeroporto em seu retorno a Kiev, onde enfrenta acusações de traição Foto: Genya Savilov / AFP
O ex-presidente da Ucrânia Petro Poroshenko acena a uma multidão fora do aeroporto em seu retorno a Kiev, onde enfrenta acusações de traição Foto: Genya Savilov / AFP

KIEV — O ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko retornou a Kiev nesta segunda-feira para contestar acusações de traição, afirmando que seu sucessor cruzou uma "linha vermelha" com alegações que ele nega.

A disputa judicial aberta pelo governo do presidente Volodymyr Zelenskiy aumenta a instabilidade política na região no momento em que a Rússia posiciona tropas na fronteira Leste da Ucrânia, um movimento que levou os aliados ocidentais de Kiev a temer a possibilidade de uma invasão em grande escala. Moscou, no entanto, disse repetidamente que não planeja invadir.

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Poroshenko liderou a Ucrânia por cinco anos após o levante de 2014, que derrubou o líder do país apoiado pelo Kremlin. Ele agora enfrenta acusações de alta traição por acordos de comércio de carvão com separatistas apoiados pela Rússia na região de Donbass, no Leste da Ucrânia. Ainda ativo politicamente, ele lidera um partido de oposição a Zelenskiy.

Dirigindo-se a uma multidão de simpatizantes do lado de fora do aeroporto após chegar à capital ucraniana, Poroshenko disse que o governo de Zelenskiy "cruzou a linha vermelha" com acusações que, se condenado, podem corresponder a 15 anos de prisão. Na sequência, o ex-chefe de Estado compareceu a uma audiência judicial preliminar.

O ex-presidente havia partido da Ucrânia no mês passado com a justificativa de que teria reuniões na Europa. Promotores, no entanto, afirmam que a saída visava fazê-lo evitar os tribunais.

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É uma dramática mudança de sorte para Poroshenko, o magnata da indústria de chocolate que se tornou um político elogiado pelos EUA e pela União Europeia por sua inclinação ao Ocidente nos anos subsequentes à tomada da Crimeia pelo presidente russo, Vladimir Putin. Poroshenko defendeu uma maior integração com a UE e a Otan, enquanto Putin distanciou-se totalmente do Ocidente.

Mas o magnata ficou sob o escopo do governo de Zelenskiy, que se esforçou para conter a influência política de oligarcas e estancar a corrupção endêmica na ex-república soviética.

No final do ano passado, Zelenskiy mirou no homem mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov, que possui vastas propriedades no Leste e a maior empresa privada de energia do país, a DTEK. Akhmetov estaria envolvido em uma tentativa de golpe apoiada pela Rússia, alega o presidente, uma acusação que o bilionário rejeita veementemente.

A manobra deixou aliados ocidentais preocupados com a possibilidade de que o caos político em Kiev complique os esforços para garantir união enquanto o país enfrenta uma ameaça russa.

No sábado, Carl Bildt, ex-ministro das Relações Exteriores da Suécia, lamentou no Twitter que Zelenskiy esteja “mais concentrado em prender” Poroshenko do que em unir o país.

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A principal enviada do Reino Unido à Ucrânia ecoou o sentimento. “Todos os líderes políticos da Ucrânia precisam se unir contra a agressão russa imediatamente”, postou a embaixadora britânica Melinda Simmons no Twitter. “É muito importante neste momento não perder isso de vista ou se distrair com a polarização da política doméstica.”

Previamente, um tribunal havia ordenado a apreensão dos bens de Poroshenko, incluindo imóveis e empresas listadas no registro estatal, levando o ex-presidente e seus aliados a protestar contra o que chamaram de ataque com motivação política.

Tetyana Sapyan, porta-voz do Departamento de Investigações Estatal, negou as alegações de motivação política.

— A política é para os políticos, e os fatos são para os detetives — disse nesta segunda-feira. — A investigação está em andamento.

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Para Volodymyr Fesenko, chefe do instituto de pesquisa Penta em Kiev, o cálculo político com o impasse judicial é central, com os dois se beneficiando: Zelenskiy com um ataque poderoso e Poroshenko alegando repressão política.

— Observamos declarações políticas exacerbadas, mas o que seria necessário é um trabalho eficiente da polícia na investigação do caso — disse Fesenko por telefone. — Poroshenko transformou sua chegada ao tribunal hoje em um show, um espetáculo, e seus adversários lhe deram essa chance.

Poroshenko, que tem um patrimônio de US$ 860 milhões (R$ 4,7 bilhões) de acordo com o Bloomberg Billionaire Index, é acusado de usar as finanças do Estado para comprar carvão de minas controladas por separatistas de Donbas em 2014 e 2015, impedindo assim a diversificação de fontes de energia e aumentando a dependência de combustíveis russos.

Na semana passada, os promotores disseram que pediriam sua detenção ou fiança de 1 bilhão de hryvnia (R$ 196 milhões) após seu retorno à Ucrânia como parte da investigação pré-julgamento.