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Expansão da economia sob Trump chega a trabalhadores, mas tem debilidades latentes

Combinação de corte de impostos e queda dos juros manteve crescimento nos EUA, sem alavancar investimentos nem recuperar indústria
Trump exaltou o estado da economia em seu discurso sobre o Estado da União: entre verdades, meia verdades e grandes exageros Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP
Trump exaltou o estado da economia em seu discurso sobre o Estado da União: entre verdades, meia verdades e grandes exageros Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP

Dados como desemprego baixo , crescimento ininterrupto e recordes no mercado de ações municiam as hipérboles de Donald Trump em sua campanha à reeleição. Quando o tema é economia , elas alcançam seu esplendor. Só no discurso sobre o Estado da União , na última terça-feira, o presidente americano disse que “a economia é a melhor até hoje”, e que “os empregos estão explodindo, os salários estão cada vez mais altos e a pobreza está despencando”.

As bravatas, dizem economistas consultados pelo GLOBO, se amparam em parte num vigor efetivo, cujos maiores beneficiários, no que diz respeito a salários, são aqueles que ganham menos. Vulnerabilidades como baixa produtividade, alto endividamento das empresas e disfunções no comércio, contudo, permanecem latentes, e compõem um quadro que, embora vistoso, contém fissuras.

— Alguns indicadores favorecem Trump, como a taxa de desemprego, a longa expansão econômica e um crescimento salarial razoável. É verdade que uma boa parte disso vem desde antes de ele assumir, mas, ainda assim, segue há mais de uma década. Em alguns lugares, há uma sensação geral de maior bem-estar econômico — afirmou a economista Monica de Bolle, do Peterson Institute. — Nessa visão mais macro, a economia pode parecer muito bem. Mas, quando se desce para o chão, há muita coisa distorcida e muito desarranjo. E esse potencial vai se acumulando.

Crescimento na média

Em 2019, o crescimento da economia foi de 2,3% — e, nos dois anos anteriores, foi de 2,9% e 2,4%, o que confere aos três anos de Trump uma média de cerca de 2,5%. Os números são um pouco melhores do que os do último mandato do democrata Barack Obama, encerrado em janeiro de 2017, quando a média foi de 2,2%, mas ficam muito aquém da promessa repetida por Trump de “dobrar o crescimento”.

Ainda no fim de seu primeiro ano na Casa Branca, pouco após a reforma que reduziu impostos das empresas e dos mais ricos, o presidente afirmou que a economia poderia crescer anualmente a “4, 5, e talvez até 6%”. Mas a média de crescimento sob Trump, de modo geral, é muito parecida com a dos dez últimos anos, desde o fim da crise financeira e da recessão iniciada com a quebra do Lehman Brothers, na época o quarto maior banco de investimentos dos EUA.

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Os números do mercado de trabalho são mais expressivos: em dezembro, a taxa de desemprego foi de 3,5%, número “mais baixo em meio século”, como se jactou Trump no Estado da União. O desemprego já caíra bastante — em 2009, no auge da crise econômica, chegou a 10% — mas, mesmo assim, mais seis milhões de empregos foram registrados em agosto de 2019 do que três anos antes.

Os indicadores que favorecem o presidente
PIB dos EUA cresce há 11 anos consecutivos
Variação anual do PIB (em %)
4,1
3,8
2,9
2,9
2,9
2,9
2,6
2,3
1,6
1,5
1
-2,5
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
2020*
2000
*Projeção
Desemprego é o menor desde a crise de 2008
Taxa de desemprego (em %)
9,6
9,3
5,9
5,8
3,5
4,6
Crise de
2008
3,9
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
2020*
2000
*Projeção
Crescimento salarial é maior para mais pobres
Média móvel de 12 meses por faixa salarial
25% com menores salários
25% com maiores salários
Geral
5,6
4,6
5,0
3,7
4,9
3,0
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
2019
2000
Fonte: Fundo Monetário Internacional e Federal Reserve Bank of Atlanta
Os indicadores que favorecem o presidente
PIB dos EUA cresce há 11 anos consecutivos
Variação anual do PIB (em %)
4,1
3,8
2,9
2,9
2,9
2,9
2,6
2,3
1,6
1,5
1
-2,5
2004
2008
2012
2016
2020*
2000
*Projeção
Desemprego é o menor desde a
crise de 2008
Taxa de desemprego (em %)
9,6
9,3
5,9
5,8
3,5
4,6
Crise de
2008
3,9
2004
2008
2012
2016
2020*
2000
*Projeção
Crescimento salarial é maior
para mais pobres
Média móvel de 12 meses por faixa salarial
25% com menores salários
Geral
25% com maiores salários
4,6
3,7
3,0
2004
2008
2012
2016
2019*
2000
Fonte: Fundo Monetário Internacional e Federal
Reserve Bank of Atlanta

Estes dados fazem do ambiente de trabalho atual o melhor em anos, e levaram a força de trabalho — de pessoas que estão trabalhando ou à procura de emprego — a aumentar de tamanho, a despeito da aposentadoria das pessoas da geração do baby boom.

O desemprego baixo se relaciona a outra afirmação do presidente no discurso de terça-feira: a de que, “maravilhosamente, os salários estão subindo mais rápido para os trabalhadores de baixa renda”. De fato, a média salarial durante o seu governo cresceu principalmente para aqueles que ganham menos, o que levou Trump a dizer que os EUA passaram por “um boom do colarinho azul” — seu novo slogan, lançado no Fórum de Davos e reiterado no discurso sobre o Estado da União, embora a maior parte dos novos postos seja criada no setor de serviços, e não no industrial.

Os benefícios se estendem a minorias. “O índice de desemprego para afro-americanos, latinos e asiáticos alcançou os níveis mais baixos da História”, disse Trump. Entre os negros, o desemprego chegou em junho de 2019 a seu nível mais baixo desde 1972, quando começou a ser medido: 5,5%. Entre os latinos, a taxa foi de 3,9% naquele mês, a mais baixa desde 1973.

— Os benefícios estão fluindo para trabalhadores tradicionalmente marginalizados. Quando o desemprego é muito baixo, os grandes beneficiados são aqueles que estão embaixo — diz Stephanie Aaronson , diretora do Programa de Estudos Econômicos da Brookings Institution, em Washington. — Após se arrastar por anos, o crescimento salarial também começa a engrenar, revertendo uma tendência de muito tempo.

Dúvidas

Economistas discordam sobre quanto do estado da economia se deve a políticas de Trump. Alguns mencionam a reforma tributária de 2017 como uma razão parcial, enquanto outros citam a política fiscal expansionista.

É quase um consenso, no entanto, que, em algum momento, a economia vai desaquecer. O débito corporativo se acumula, os empregos na indústria caem, retaliações na guerra comercial com a China impactaram a agricultura, além de ciclos recessivos serem próprios ao capitalismo. Muitos se questionam, então, se os EUA estarão prontos para enfrentar as vacas magras.

— As economias capitalistas são instáveis, o próprio sistema gera crises. Cedo ou tarde haverá uma crise. A pergunta é: teremos as ferramentas para lidar com ela? Eu acho que não — diz Josh Mason, professor de Economia da City University de Nova York.

Estímulos keynesianos

Três elementos compõem a matriz econômica de Trump: há uma política comercial protecionista, com a intenção de tornar as indústrias americanas mais competitivas; os cortes nos impostos; e uma política fiscal expansionista, com estímulos monetários keynesianos.

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Apesar do protecionismo, a manufatura americana permanece menor do que antes da crise de 2008, e 900 mil empregos na área foram perdidos. Retaliações à guerra comercial afetaram as cadeias de suprimento americanas, além de outros setores, como o agrícola, disse Monica de Bolle:

— As cadeias de produção são muito integradas. Tem um desarranjo latente na economia americana.

Em relação à reforma tributária, uma análise feita por Robert Barro, economista republicano, e Jason Furman, presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Barack Obama, concluiu que o efeito imediato dos cortes de impostos das empresas foi uma contribuição de menos de 0,15% ao PIB anual. Ao contrário do esperado, o investimento e a produtividade não subiram:

— A lei pretendia aumentar o investimento, mas isso não ocorreu. O que houve foi um crescimento no lucro. As empresas usaram o que ganharam com a lei para comprar mais ações — afirmou Jan Kregel, do Instituto de Economia Levy, em Nova York.

Segundo Jean-Pisani Ferry, do instituto Bruegel, de Bruxelas, “o que resta é a explicação keynesiana: os estímulos fiscal e monetário são os principais fatores por trás da força e duração da expansão” da economia americana — ou seja, o crescimento foi mantido pela combinação de cortes de impostos e aumento do consumo provocado pela queda dos juros em 2019. Aumentos do salário mínimo em alguns estados reforçaram a demanda.

A política gerou um déficit público que superou US$ 1 trilhão em 2019 — o que não preocupa nenhum dos economistas entrevistados, exceto em caso de crise, quando o campo de ação do governo ficará mais restrito. Preocupa-os o endividamento das empresas, que chegou a US$ 10 trilhões. Não está descartado que elas, em algum ponto, não consigam pagar a dívida. Enquanto isso, Trump se vangloria.

— Uma coisa que ele fez com efeito positivo foi pôr pressão no Banco Central para não subir os juros. O BC tomava decisões pessimistas havia muito tempo — disse Josh Mason. — A economia não está tão boa quanto poderia estar, e a recuperação já acontecia. Ainda assim, é a melhor em 20 anos. Estávamos tão acostumados com a mediocridade que abriram espaço para Trump pegar um desempenho normal e dizer que é genial.