Mundo Guerra na Ucrânia

Fardo econômico da guerra na Ucrânia testa união do Ocidente contra a Rússia

Segundo analistas, Putin calcula que os líderes ocidentais vão se cansar do conflito prolongado antes dele, especialmente se o preço a pagar for uma pesada inflação e escassez de energia
Vladimir Putin: prolongação da guerra na Ucrânia testa resistência do Ocidente Foto: MIKHAIL METZEL / AFP/11-5-2022
Vladimir Putin: prolongação da guerra na Ucrânia testa resistência do Ocidente Foto: MIKHAIL METZEL / AFP/11-5-2022

LONDRES — As potências ocidentais uniram-se contra a guerra da Rússia na Ucrânia com mais rapidez e solidez do que quase todos esperavam. Mas, à medida que a guerra se transforma em um conflito prolongado, que pode durar meses ou até anos, começa a testar a determinação desses países, com autoridades europeias e americanas questionando se o aumento do custo econômico irá erodir sua união ao longo do tempo.

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Até agora, as fissuras são principalmente superficiais: a recusa da Hungria em assinar um embargo ao petróleo russo, frustrando o esforço da União Europeia para impor uma proibição em todo o continente ; a inquietação em Paris com o objetivo agressivo do governo Biden de enfraquecer militarmente o presidente russo, Vladimir Putin; Biden culpando Putin pelos preços altíssimos dos alimentos e do gás, um sinal tácito de que seu firme apoio à Ucrânia — que conquistou apoio bipartidário em Washington — pode ter um custo político.

Além dessas tensões, há mais sinais de solidariedade: Finlândia e Suécia se aproximam da adesão à Otan , com o Reino Unido oferecendo a ambos os países garantias de segurança para se proteger contra a ameaça russa. Em Washington, a Câmara votou por 368 a 57, na terça-feira, a favor de um pacote de ajuda de quase US$ 40 bilhões para a Ucrânia.

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No entanto, os tanques da Rússia atravessaram a fronteira ucraniana há quase 80 dias, um piscar de olhos no esquema das guerras eternas da História. À medida que a luta avança, o efeito em cascata nas cadeias de abastecimento, oleodutos e colheitas agrícolas será sentido de forma mais aguda nas bombas de gasolina e nas prateleiras dos supermercados.

'Fadiga ocidental'

Putin, dizem alguns especialistas, está calculando que o Ocidente se cansará antes da Rússia de uma longa batalha pela disputada região ucraniana do Donbass, especialmente se o preço do apoio contínuo do Ocidente à Ucrânia for taxas de inflação turbinadas, interrupções de energia, finanças públicas esgotadas e populações fatigadas.

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A diretora de Inteligência Nacional do governo Biden, Avril D. Haines, cristalizou essas dúvidas na terça-feira, alertando os senadores que Putin estava se preparando para um longo cerco e “provavelmente contando que os EUA e a União Europeia resolvam recuar à medida que a escassez de alimentos, a inflação e a escassez de energia cresçam”.

Putin enfrenta suas próprias pressões internas, que ficaram evidentes no tom calibrado que usou no discurso na Praça Vermelha na segunda-feira, sem pedir uma mobilização em massa nem ameaçando aumentar o conflito. Mas ele também deixou claro que não havia fim à vista para o que ele falsamente chama de campanha da Rússia para livrar seu vizinho de “torturadores, esquadrões da morte e nazistas”.

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Na Ucrânia, a luta mostra sinais de se tornar uma batalha prolongada. Analistas apontaram que uma guerra extensa sobrecarregaria os recursos de um Exército russo que já sofreu pesadas perdas de homens e máquinas. Diante disso, alguns argumentam que o Ocidente deveria alavancar sua vantagem apertando o estrangulamento econômico de Moscou.

— Eu me preocupo com a fadiga ocidental — disse Michael A. McFaul, ex-embaixador americano na Rússia. —  É por isso que os líderes do mundo livre deveriam fazer mais agora para apressar o fim da guerra.

Sanções incapacitantes

Os Estados Unidos e a União Europeia, disse McFaul, deveriam impor uma gama completa de sanções imediatamente, em vez de implementá-las em ondas crescentes, como têm feito até agora.

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Mas a interrupção das negociações sobre um embargo de petróleo europeu mostra os limites dessa abordagem quando se trata de suprimentos de energia russos. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que tem um relacionamento caloroso com Putin e está em desacordo com Bruxelas, arruinou as esperanças de uma demonstração de unidade quando bloqueou a medida, argumentando que o veto ao petróleo russo seria a equivalente a uma “bomba atômica” para a economia húngara.

— Só apoiaremos esta proposta se Bruxelas propuser uma solução para o problema que Bruxelas criou — disse o ministro das Relações Exteriores da Hungria, Peter Szijjarto, acrescentando que a modernização do setor de energia da Hungria custaria “muitos, muitos bilhões de euros”.

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Em Washington, Biden encontrou menos problemas para reunir apoio para a ajuda militar e humanitária à Ucrânia. A votação da Câmara a favor de um pacote de ajuda maciço mostrou como a brutalidade da guerra superou a resistência da direita e da esquerda ao envolvimento americano em conflitos militares no exterior .

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E, no entanto, os preços crescentes de alimentos e combustíveis, agravados pela guerra, representam uma ameaça genuína para Biden, que está sob pressão pelo ritmo mais rápido de inflação em 40 anos. O preço dos alimentos subiu 0,9% em abril em relação ao mês anterior, segundo dados divulgados na quarta-feira. A secretária do Tesouro, Janet Yellen, disse que o governo está “terrivelmente preocupado com o abastecimento global de alimentos”, acrescentando que 275 milhões de pessoas em todo o mundo passam fome.

'Nacionalismo poderoso'

Embora Putin enfrente pressões muito maiores – do aumento das baixas em combate até o efeito econômico das sanções – ele está explorando sentimentos nacionalistas, o que para alguns analistas lhe dá fôlego para manter a guerra.

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— Os russos são motivados por um nacionalismo poderoso pelo qual estão dispostos a sofrer danos econômicos extraordinários — disse Francis Fukuyama, cientista político da Universidade de Stanford, acrescentando que a resposta vigorosa do Ocidente pode ser “um momento de virada na autoconfiança das democracias”.

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Para alguns europeus, os Estados Unidos podem estar indo longe demais. Diplomatas franceses com laços com Macron descreveram a política americana como essencialmente armar a Ucrânia ao máximo e manter sanções à Rússia indefinidamente. A França, eles disseram, quer pressionar fortemente por negociações com Putin porque não há outro caminho para uma segurança europeia duradoura.

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Outros analistas argumentam que as ameaças à unidade ocidental são exageradas. Os movimentos da Finlândia e da Suécia para aderir à Otan sugerem não apenas que a aliança está se unindo, mas também que seu centro de gravidade está se deslocando para o Leste.

— Os russos, por causa de sua barbárie, continuam gerando imagens e notícias que ajudarão a causa da unidade ocidental — disse Eliot Cohen, cientista político que serviu no Departamento de Estado durante o governo de George W. Bush.