WASHINGTON — Donald Trump passou os três primeiros anos de sua Presidência se equilibrando entre as demandas dos radicais que queriam uma pressão maior sobre a China e seu próprio desejo de buscar um acordo comercial e cultivar um relacionamento mais forte com o presidente chinês, Xi Jinping. A inesperada ordem de fechar o consulado chinês em Houston, no Texas , na terça-feira, deixou uma coisa clara: os falcões agora estão no comando.
Ansioso para culpar a China pela pandemia da Covid-19 e cansado do que as autoridades americanas chamam de um histórico de espionagem e roubo de propriedade intelectual, Trump permitiu que um pequeno grupo de conselheiros, liderados pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, levasse a política dos EUA para a China para o seu maior antagonismo em décadas. O resultado é uma série de sanções, restrições e condenações que culminaram na decisão sobre o consulado.
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— Apesar da mensagem geral de que o governo foi duro com a China, vimos o oposto até termos uma pandemia — disse Mira Rapp-Hooper, membro sênior do Conselho de Relações Exteriores. — Eles realmente adotaram uma política muito estreita com a China até então.
A batalha agora foi aberta em várias frentes: o aperto cada vez maior em relação a Hong Kong , o tratamento dado aos muçulmanos em Xinjiang, a infiltração de tecnologia e a acusação de roubo de propriedade intelectual . Em quase todas as esferas, os EUA estão na ofensiva. Vêm banindo acadêmicos e expulsando jornalistas chineses e alertando que os EUA precisam reduzir sua dependência de produtos vindos da China.
A equipe de Pompeo, juntamente com o vice-conselheiro de Segurança Nacional, Matt Pottinger, são os principais arquitetos da mudança. Eles vêm encontrando um público mais disposto dentro da Casa Branca a apoiar o argumento de que os EUA precisam revidar depois de décadas ignorando o comportamento da China.
De acordo com uma pessoa familiarizada com as discussões internas, Pompeo e seus conselheiros concluíram que um líder capitalista e democrático nos EUA e uma liderança não eleita comunista na China estão fundamentalmente em desacordo e não podem coexistir.
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— Os EUA estão articulando uma resposta ao Partido Comunista Chinês de uma maneira que não fizemos nos últimos 20 anos — disse Pompeo, em 19 de junho.
Com o Salão Oval oferecendo pouca resistência, a equipe de Pompeo orquestrou uma ação sem precedentes de ataques a Pequim, convidando todos os altos funcionários do Executivo a participarem da briga. Isso incluiu discursos do conselheiro de Segurança Nacional, Robert O'Brien; do diretor do FBI, Christopher Wray; e do secretário de Justiça, William Barr, que criticou Hollywood e empresas como a Apple por sucumbir à vontade da China. Pompeo deu ainda mais força à sua porta-voz, Morgan Ortagus, para chamar a China em termos extraordinariamente severos, como ela fez no ano passado ao se referir ao “regime agressivo” do país.
Na quarta-feira, a Embaixada da China em Washington pediu aos EUA que mostrem moderação , comparando o governo a um carro que segue o caminho errado pela estrada. “É hora de pisar no freio e voltar à direção certa!”, escreveu a embaixada no Twitter.
Pompeo levou a campanha para a estrada, com viagens ao Reino Unido e à Dinamarca esta semana com o objetivo de unir uma coalizão global para se opor à China. Neste quinta-feira, ele visitou a biblioteca presidencial de Richard Nixon — responsável por articular o reatamento com a China — e disse em discurso que o ex-presidente, que morreu em 1994, deve se revirar no túmulo porque criou um "Frankenstein".
Objetivos eleitorais
Alimentando a nova política está um grupo de consultores em torno de Pompeo que adotaram uma abordagem muito mais agressiva e de confronto. Eles incluem o secretário assistente David Stilwell e dois acadêmicos americanos nascidos na China: Miles Yu e Mung Chiang. Miles é um professor de História que se concentrou nos estudos militares da China na Academia Naval dos EUA e há muito sinaliza preocupações com os esforços de Pequim para expandir suas capacidades e influência. Mung está de licença do cargo de reitor da faculdade de engenharia da Universidade de Purdue.
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Ambos expressam ceticismo em relação aos esforços anteriores para fazer a China adotar os valores ocidentais. A eles uniu-se um importante consultor externo, Michael Pillsbury, que escreveu um livro em 2015 intitulado “A maratona dos cem anos: estratégia secreta da China para substituir os EUA como superpotência global”.
O grupo, no entanto, não está vencendo em todas as frentes: uma proposta que surgiu no Departamento de Estado para minar o valor do dólar de Hong Kong teve pouca aceitação. Uma recomendação de que os EUA sigam um acordo de livre comércio com Taiwan — uma medida que enfureceria Pequim — também não deu em nada. Trump, por sua vez, ainda não aprovou a ideia de barrar a entrada de membros do Partido Comunista da China nos EUA.
No entanto, os dias de elogios de Trump a Xi, mesmo quando a Covid-19 começava a se espalhar, foram substituídos por uma atmosfera de negatividade. O tom agressivo recém-adotado, embora compartilhado pela maioria dos congressistas, despertou preocupação de democratas e republicanos fora do governo, que argumentam que ele é, em grande parte, uma ficção, dadas as revelações do livro de John Bolton , “The room where it happened” (A sala onde tudo aconteceu, em tradução livre).
Bolton, que deixou a Casa Branca no ano passado, argumenta que Trump só viu a China através das lentes de suas próprias chances eleitorais, nunca se importou com os direitos humanos no país e não se importaria se Xi trancasse os uigures.
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Vários ex-diplomatas, assim como republicanos e democratas mais centristas, argumentam que os EUA precisam cooperar com a China em vários temas, incluindo contraterrorismo, mudanças climáticas e não proliferação nuclear. Eles também temem que a estratégia mais rígida faça com que as autoridades chinesas se radicalizem ainda mais.
— Temo que apenas Xi Jinping possa unir republicanos e democratas no Congresso americano — disse o ex-secretário de Defesa Robert Gates em palestra nesta semana. — Temo que avancemos muito em direção à hostilidade.
Muitos em Pequim veem os movimentos recentes como uma última tentativa de interromper o progresso de um país que está alcançando os EUA em termos de poder econômico.
— Se alguém em Washington acredita que aplicar mais pressão na China forçará a China a sucumbir está fantasiando — disse Gao Zhikai, ex-diplomata e tradutor do líder chinês Deng Xiaoping. — Washington precisa chegar a um acordo com uma China que eventualmente superará o tamanho dos Estados Unidos em cerca de 10 a 15 anos.