A capacidade da diplomacia brasileira de construir consensos será testada até novembro — quando o país repassará à África do Sul a presidência temporária do grupo das maiores economias do mundo — e é um dos seus principais desafios. Isso ficou evidente na recente reunião dos integrantes da trilha financeira do G20, quando um impasse sobre como seriam abordadas as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio impediu a aprovação de uma declaração final em São Paulo.
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Dias antes, no encontro dos chanceleres, no Rio, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, celebrou uma unanimidade “virtual” — quando ninguém se manifesta contra, sem necessariamente se declarar a favor — em torno da solução de dois Estados para o conflito entre israelenses e palestinos.
Agenda concreta
Outro desafio será transformar eventuais concordâncias em ações concretas. Na avaliação de especialistas, superar tais barreiras demandará foco do Brasil em suas potencialidades e na escolha adequada das pautas. E nos detalhes.
— Haverá uma aposta em agendas que não são tão polêmicas, como a governança ambiental global, que é um tema que favorece o Brasil — diz Dawisson Belém Lopes, professor de Política Internacional da UFMG, lembrando que enfrentamento à pobreza e às desigualdades também tem caráter universal. — As divergências vão acontecer quando se discutirem as minúcias.
Uma das apostas do Brasil para a Cúpula dos Chefes de Estado, em novembro, é o anúncio de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. A proposta foi anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a cúpula do ano passado, na Índia. Umas das ideias é criar uma “cesta” de políticas que deverão ser implementadas pelos países-membros.
— Queremos um mecanismo prático para mobilizar recursos financeiros e conhecimento de onde são mais abundantes e canalizá-los para onde são mais necessários, apoiando a implementação e a ampliação da escala de ações, políticas e programas — afirma o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias.
Ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China, Roberto Abdenur vê com otimismo o trabalho do Itamaraty para a construção de consensos, citanto ainda a inédita iniciativa de realização de uma segunda reunião de chanceleres em Nova York paralelamente à Assembleia-Geral da ONU, no coração do poder multilateral. Mas alerta que as frequentes declarações polêmicas de Lula, seu apoio tácito a ditaduras de esquerda e sua leniência com Rússia e Irã podem acabar prejudicando a tarefa:
— Lula desgasta o prestígio no Ocidente.
Pesquisador da Universidade Harvard e ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Hussein Kalout concorda que os temas sociais e ambientais são “nobres”, mas diz que a construção de consensos pode esbarrar em questões políticas e financeiras:
— Combater quais desigualdades? Onde? Quem vai colocar o dinheiro? Quem coloca o dinheiro vai querer mandar? É preciso ter um coeficiente de realismo, senão cai no hiperativismo diplomático, que não se traduz em resultados concretos.
Nesse cenário, as mudanças climáticas e a reforma de mecanismos financeiros multilaterais são as pautas com maior potencial para algum avanço sob a presidência brasileira no G20.
Belém Lopes avalia que debates sobre as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, bem como a reforma do Conselho de Segurança da ONU, devem continuar polarizados e pouco produtivos.
*Do Valor.