George Floyd, cuja morte impulsionou movimento contra o racismo e a violência policial, é enterrado em Houston

Oradores pedem justiça e criticam Trump no sepultamento, que ocorreu 15 dias após divulgação de vídeo que mostra Floyd sendo asfixiado até a morte por Derek Chauvin, um policial branco
Familiares de George Floyd prestam homenagem em frente a seu caixão durante funeral na Igreja Fountain of Praise, em Houston, no Texas Foto: POOL / REUTERS

HOUSTON, EUA —  George Floyd, americano negro assassinado por um policial branco , foi sepultado na tarde desta terça-feira, em Houston, no Texas, onde ele cresceu, ao lado de sua mãe. O enterro ocorreu 15 dias após a divulgação do vídeo que mostra Floyd sendo asfixiado até a morte, imagens que despertaram indignação global e motivaram os mais maciços protestos contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos em mais de 50 anos.

Apesar de ser privado, o  funeral foi transmitido ao vivo pelo site da Igreja Fountain of Praise, que Floyd frequentava até se mudar para Minneapolis. A eulogia coube ao pastor Al Sharpton, ícone do movimento pelos direitos civis nos EUA, que, num pronunciamento carregado de emoção, destacou o longo histórico de homens negros assassinados, cobrou justiça e ressaltou que o preço da vida negra deve ser o mesmo da vida branca. Sharpton  contou que o ex-presidente Barack Obama lhe telefonou e  perguntou o que poderia fazer, ouvindo do pastor: "Queremos justiça."

— Vidas como a de George Floyd não vão importar até que alguém pague o custo de tê-las tirado. Isso não foi uma tragédia, foi um crime — disse  Sharpton. — Há uma negligência intencional. Estamos lutando contra um problema institucional e sistêmico.

Criticando casos de "maus policiais que não são punidos", Sharpton disse "se você faz parte das forças que aplicam a lei, a lei não se aplica a você". Um a um, Sharpton pediu que parentes de homens negros mortos pela polícia se levantassem, sendo aplaudidos pelos presentes. As mães de Eric Garner e Michael Brown, mortos pela polícia americana em 2014, também estavam na cerimônia.

O pastor destacou ainda os protestos antirracistas que nesta terça tomaram mais uma vez as ruas em vários países, dizendo que Floyd tocou o mundo e que "netos de senhores de escravos estão agora derrubando estátuas de senhores de escravos", numa referência ao monumento derrubado em Bristol , Inglaterra.

O funeral teve uma forte carga política. Sharpton criticou o presidente Donald Trump, dizendo que ele estava mais concentrado em deter os protestos, pondo vidas em risco, do que em acabar com a violência policial, e lembrou aos presentes:

— Vocês têm o voto.

Mais cedo, o pastor William Lawson, da Igreja Batista, disse que a morte de Floyd iniciou um movimento mundial, mas que era necessário começar "limpando a Casa Branca". Foi transmitido ainda um depoimento em vídeo de Joe Biden, candidato democrata à Presidência, que se encontrara na segunda-feira com parentes do homem assassinado.

Estátua de Robert Milligan, um comerciante de escravos do século 18, é vista coberta com um cobertor e um cartaz com mensagem em referência ao movimento "Vidas negras importam", do lado de fora do Museu de London Docklands Foto: JOHN SIBLEY / REUTERS
Debate sobre as estátuas que homenageiam escravocratas ganhou força depois que manifestantes de Bristol, no sudoeste da Inglaterra, derrubaram, no domingo, a estátua de Edward Colston, um traficante de escravos do século 17 Foto: - / AFP
Estátua de Robert Milligan, um comerciante de escravos do século 18, foi removida nesta terça-feira de seu pedestal, do local onde estava, diante de um museu de Londres, depois que as autoridades decidiram que não era mais aceitável para a comunidade Foto: JOHN SIBLEY / REUTERS
Estátua de Robert Milligan é removida por trabalhadores no lado de fora do Museu de London Docklands Foto: JOHN SIBLEY / REUTERS
Policiais cercam a estátua de Winston Churchill na Parliament Square, em Londres. Monumento foi pichado com a frase “era um racista” embaixo do nome do ex-primeiro-ministro britânico nesta segunda-feira Morte de George Floyd provocou reações no mundo todo contra o racismo, e manifestantes agora miram monumentos que homenageiam figuras do racismo colonial Foto: TOBY MELVILLE / REUTERS
Estátua do rei Leopoldo II da Bélgica, na cidade de Antuérpia, também foi alvo de manifestantes na semana passada Foto: JONAS ROOSENS / AFP
Nesta terça-feira, a estátua danificada de Leopoldo II foi removida para possível restauração. Porta-voz do burgomestre da Antuérpia adiantou que o momumento não será reinstalado e que, "provavelmente", permanecerá em um museu Foto: ATV / via REUTERS
Estátua do ex-rei belga Leopoldo II pulverizado com um grafite é vista no parque do Museu da África, em Tervuren, perto de Bruxelas, Bélgica Foto: YVES HERMAN / REUTERS
Uma estátua do imperialista britânico Cecil Rhodes, vista ao lado do Oriel College, em Oxford. Ativistas britânicos convocaram uma manifestação em Oxford contra a estátua do magnata da mineração e político colonial atuante na África do Sul no século 19 Foto: EDDIE KEOGH / REUTERS

 — Eu sei que você tem muitas perguntas, querida. Eu sei que nenhuma criança deve ter que fazer perguntas que muitas crianças negras fazem há gerações  — disse Biden, dirigindo-se a Gianna, filha de 6 anos de Floyd, que conheceu na segunda-feira.  — Nós não podemos fugir. Não devemos fugir. Não podemos deixar este momento pensando que poderemos, novamente, ignorar o racismo que está impregnado na nossa alma, o abuso sistemático que ainda flagela a vida americana.

Biden deu seus pêsames à família, que se vestiu de branco para a cerimônia, afirmando que o "fardo" de perder um parente é "agora o seu propósito para transformar o mundo em um lugar melhor". Rival de Trump nas eleições de novembro, Biden tem sua vida marcada por tragédias pessoais: sua mulher e filha morreram em um acidente de carro em 1972, logo após ser eleito para o seu primeiro mandato no Congresso. Seu filho Beau morreu em 2015, quando era vice-presidente, de câncer.

Carruagem que leva caixão com o corpo de George Floyd, cuja morte por um policial branco, em Minneapolis, provocou protestos em todo o mundo contra a desigualdade racial, passa a caminho do cemitério de Houston Memorial Gardens, em Pearland, Texas Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS
Caixão de George Floyd é colocado em carro funerário para ser levado ao cemitério de Houston Memorial Gardens, em Pearland, após homenagens na igreja The Fountain of Praise Foto: POOL / REUTERS
Caixão com o corpo de George Floyd chega à igreja The Fountain of Praise, em Houston, no Texas, onde ele cresceu. Sepultamento do homem negro morto por um policial branco em Minneapolis, nos EUA, ocorre 15 dias depois da divulgação do vídeo que impulsionou movimento contra o racismo pelo mundo Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
Familiares de George Floyd prestam homenagem em frente a seu caixão durante funeral na Igreja Fountain of Praise, em Houston, no Texas Foto: POOL / REUTERS
Um familiar usa um botão com o rosto de Floyd e a frase "Não consigo respirar", últimas palavras ditas por ele antes de perder a consciência Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
Visitantes prestam homenagem em um memorial antes de o caixão chegar para o funeral de George Floyd Foto: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP
Policiais prestam continência durante a chegada do caixão de George Floyd Foto: JOHANNES EISELE / AFP
Membros do departamento de polícia da Texas South University prestam homenagem a Floyd diante de seu caixão durante funeral na igreja Fountain of Praise Foto: POOL / REUTERS
Quincy Mason Floyd, filho de George Floyd, chega para o funeral do pai, na igreja The Fountain of Praise Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
Os sapatos de Philonise Floyd são retratados durante o funeral de seu irmão George Floyd na igreja The Fountain of Praise Foto: POOL / REUTERS
Uma cantora se apresenta durante o funeral de George Floyd Foto: DAVID J. PHILLIP / AFP
Membros da família de George Floyd durante seu funeral na igreja The Fountain of Praise Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
Membros do Novas Panteras Negras acompanham do lado de fora o funeral de George Floyd Foto: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP
O chefe do departamento de polícia de Houston, Art Acevedo, chega para as últimas homenages a Floy Foto: JOE RAEDLE / AFP
Familiares de Floyd se emocionam na chegada à igreka para o funeral Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
O jogador Cyril White fala sobre seu amigo George Floyd, com quem jogou basquete Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
O congressista Al Green e o prefeito de Houston, Sylvester Turner, também estiveram presentes à cerimônia Foto: POOL / REUTERS
O cantor Ne-Yo se apresenta no funeral de George Floyd Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
Ne-Yo cumprimenta familiares de Floyd Foto: DAVID J. PHILLIP / AFP
O pastor William Lawson, da Igreja Batista de Wheeler Avenue, em Houston, fala durante o funeral de George Floyd Foto: POOL / REUTERS
O prefeito de Houston, Sylvester Turner, discursa durante o funeral de George Floyd Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
A cantora gospel Nakitta Foxx também fez uma apresentação Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
O pastor Al Sharpton, ícone do movimento pelos direitos civis nos EUA, fez a leitura da eulogia durante o funeral de George Floyd Foto: DAVID J. PHILLIP / AFP
Vestida de branco, família de George Floyd afirmou que o "fardo" de perder um parente é "agora o seu propósito para transformar o mundo em um lugar melhor" Foto: POOL / REUTERS
Ivy McGregor faz a leitura de uma resolução durante o funeral de George Floyd Foto: POOL / REUTERS
Joe Biden, candidato democrata à Presidência, fala por meio de vídeo enquanto a família e os convidados participam do funeral de George Floyd na The Fountain of Praise Foto: DAVID J. PHILLIP / AFP
O deputado Al Green fala aos familiares e convidados durante funeral de George Floyd Foto: DAVID J. PHILLIP / AFP
A pastora Kim Burrell canta durante o funeral de George Floyd Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP
O ator Jamie Foxx, presente ao funeral de George Floyd Foto: DAVID J. PHILLIP / AFP
Irmãos de George Floyd participam do funeral na igreja The Fountain of Praise, em Houston Foto: GODOFREDO A. VASQUEZ / AFP

Em seguida, o corpo de Floyd foi escoltado pelo Departamento de Polícia de Houston até o cemitério onde foi enterrado, em Pearland. Durante o último quilômetro e meio do trajeto, o caixão dourado foi transportado por uma carruagem. Todos os custos foram bancados pelo boxeador Floyd Mayweather, segundo a imprensa americana.

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O corpo de Floyd chegou à Igreja Fountain of Praise na segunda-feira, quando milhares de pessoas participaram de um velório público em sua homenagem. Diversos visitantes usavam camisas que diziam “não consigo respirar”, últimas palavras ditas por Floyd antes de perder a consciência, ou estampadas com o seu rosto. Ao chegar em frente ao caixão, outros levantavam o punho, gesto que é símbolo do movimento negro.

Seu assassinato, no dia 25 de maio, desencadeou protestos em uma proporção não vista desde o de Martin Luther King, em 1968. Mais da metade dos estados americanos pediu apoio da Guarda Nacional para contê-los. A conduta policial para reprimir  os manifestantes também foi bastante questionada, principalmente após um protesto pacífico ser dispersado à força em Washington para abrir caminho a uma visita encenada do presidente Donald Trump à Igreja Episcopal de São João, onde ficou poucos minutos e posou para uma foto de Bíblia na mão.

Trump, que ameaçou repetidas vezes convocar as Forças Armadas contra os manifestantes, vê-se em uma crise política frente às demandas antirracistas e favoráveis a uma reforma policial. O apoio de sua base branca e conservadora, contrária ao movimento, é fundamental para que tenha chances de se reeleger em novembro. Uma pesquisa recente divulgada pela CNN mostra Biden 14 pontos na frente na intenção de voto .

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'Gigante gentil'

Floyd, que era conhecido pelo seu nome do meio, Perry, tinha 46 anos quando foi morto pelo policial Derek Chauvin e deixa cinco filhos. Nascido na Carolina do Norte, mas criado em Houston, ele era um homem alto, atlético e foi o primeiro integrante de sua família a cursar o ensino superior. Na escola, era estrela dos times de basquete e futebol americano. Seus amigos o descreveram como um "gigante gentil", e sua namorada, Courtney Ross, como "um anjo na terra", afirmando que sua morte "não poderá ser em vão".

Em 2007, Floyd foi acusado de assalto a mão armada e de invadir uma casa, o que lhe rendeu cinco anos de prisão. Em 2014, buscando um recomeço, mudou-se para Minneapolis, em Minnesota. Até o início do ano, trabalhava como segurança em uma casa noturna, mas perdeu seu emprego em decorrência da pandemia da Covid-19, que paralisou as atividades do estabelecimento.

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No dia 25 de maio, a polícia recebeu um telefonema de um vendedor de loja que o acusava de ter usado uma nota falsa de US$ 20 para comprar cigarros. Ele foi abordado pela polícia, jogado no chão, e Chauvin se ajoelhou sobre seu pescoço por quase nove minutos, fazendo com que Floyd perdesse a consciência.

Duas autópsias revelaram que esta foi a causa da morte. Chauvin foi demitido e acusado de homicídio em terceiro grau — ele também responderá por homicídio em segundo grau , quando o agressor age sem premeditação, mas com desprezo pela vida. Outros três oficiais envolvidos no episódio também foram expulsos da corporação e serão acusados pela Procuradoria Geral de Minnesota de terem participado da ação e favorecido o assassinato.