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Governo da Rússia insinua abertura diplomática e diz que quer explicações sobre segurança na Europa

Putin e chanceler russo querem cumprimento de pacto de 1999; depois de advertência de Biden sobre guerra iminente, presidente ucraniano diz que quer "evitar pânico"
Forças do Exército russo durante treinos na quarta-feira na Cordilheira de Kuzminsky, na região sul de Rostov, na Rússia Foto: SERGEY PIVOVAROV / REUTERS
Forças do Exército russo durante treinos na quarta-feira na Cordilheira de Kuzminsky, na região sul de Rostov, na Rússia Foto: SERGEY PIVOVAROV / REUTERS

MOSCOU E PARIS — Apesar de alertas dos Estados Unidos para a possibilidade de uma invasão iminente da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, e seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, sinalizaram nesta sexta-feira que pode haver espaço para negociações diplomáticas capazes de chegar a acordos em pelo menos algumas questões que levaram ao impasse das últimas semanas. Ambos disseram que a Rússia deseja que os negociadores ocidentais respondam sobre mecanismos de segurança na Europa previstos em um acordo assinado por todas as partes em 1999.

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Em um telefonema, Putin informou ao seu homólogo francês, Emmanuel Macron, que a Rússia irá “estudar cuidadosamente” as respostas por escrito entregues pelos Estados Unidos e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) às suas exigências . Ele afirmou a Macron que "não quer confrontos".

Na mesma toada, Lavrov disse que a resposta por escrito dos Estados Unidos às suas exigências de segurança continha "um núcleo de racionalidade" para um possível compromisso entre as partes em questões como instalação de mísseis e exercícios militares.

— Escolhemos a via da diplomacia há muitas décadas. Temos que trabalhar com todo o mundo. Esse é o nosso princípio — declarou Lavrov, em entrevista transmitida por várias estações de rádio e televisão russas. — Se depender da Rússia, não haverá guerra. Não queremos guerras. Mas tampouco vamos permitir que nossos interesses sejam grosseiramente ultrajados, ignorados.

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Na quarta-feira, o governo americano e a Otan entregaram cartas sigilosas contendo respostas às exigências russas para a solução do impasse. Os EUA não abriram mão da política de "portas abertas" para a Otan, segundo a qual qualquer país da Europa, incluindo a Ucrânia, pode se tornar um membro desde que cumpra com certos requisitos.

Lavrov disse que "as propostas dos EUA foram melhores do que as da Otan", mas que pediria em uma carta aos dois explicações sobre a posição relacionada ao princípio da “indivisibilidade” na segurança euroatlântica, conforme descrito no Protocolo de Istambul, de 1999, da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). O documento foi assinado por todos os 57 países-membros da OSCE, incluindo as potências ocidentais e a Rússia.

Lavrov acusou as potências ocidentais de geralmente citarem apenas um trecho do documento, que afirma que cada país é “livre para escolher seus arranjos de segurança, incluindo tratados de aliança”. É baseada nesse princípio que Washington defende que apenas a Ucrânia e a Otan podem definir a sua participação na aliança.

Lavrov alegou que os EUA e a Otan ignoravam propositalmente outra parte do mesmo parágrafo, em que está escrito que “cada Estado participante tem igual direito à segurança” e “os Estados não fortalecerão sua segurança à custa da segurança de outros Estados”.

— Está estipulado, segundo as condições e obrigações de cada país, as quais os ocidentais subscreveram, não fortalecer a sua segurança às custas da segurança dos outros.

Lavrov acrescentou que espera se encontrar com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, nas próximas semanas, e que o presidente Putin decidirá como responder às opções oferecidas.

Putin conversa com Macron

Putin também tocou na questão da indivisibilidade nesta sexta, na primeira vez que se manifestou publicamente sobre a proposta americana. Segundo um comunicado após uma conversa com Macron, ele afirmou que o “lado russo estudaria cuidadosamente as respostas escritas recebidas” e em seguida “decidiria sobre suas ações futuras”.

Segundo o comunicado russo, Putin também disse a Macron que as "respostas americanas e da Otan não levaram em conta preocupações fundamentais da Rússia, como impedir a expansão da Otan, recusar a implantação de sistemas de armas de ataque perto das fronteiras russas, bem como devolver o potencial militar e a infraestrutura do bloco na Europa para as posições de 1997”.

“A questão-chave também foi ignorada: como os Estados Unidos e seus aliados pretendem seguir o princípio da indivisibilidade da segurança fixado nos documentos básicos da OSCE e Rússia-Otan, que estipula que ninguém deve fortalecer sua segurança em detrimento da segurança de outros países”, afirma o comunicado do Kremlin sobre a conversa.

Também em comunicado, o governo da  França disse que na conversa "Putin não expressou nenhuma intenção ofensiva" contra a Ucrânia e "disse muito claramente que não buscava confrontos". O telefonema "permitiu um entendimento sobre a necessidade de atenuar a tensão", indicou o Palácio do Eliseu.

Em relação à segurança estratégica da Europa, ambos os chefes de Estado "concordaram que o diálogo deve continuar, o que exigirá que os europeus [...] façam parte" dele, mesmo que envolva os Estados Unidos e a Otan.

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Em resposta às falas de Lavrov, o embaixador americano em Moscou, John Sullivan, afirmou em uma entrevista coletiva que a carta americana inclui uma proposta sobre maior transparência para a realização de exercícios militares na Europa, bem como para a venda de armas para a Ucrânia.

— Abordamos a possibilidade de medidas de transparência recíproca com o governo russo, incluindo [medidas relacionadas a] sistemas de armas ofensivas na Ucrânia, bem como medidas para aumentar a confiança em relação a exercícios e manobras militares na Europa — disse Sullivan.

O embaixador disse que Washington agora espera uma resposta oficial da Rússia. Ele descreveu o posicionamento de dezenas de milhares de soldados russos na fronteira da Ucrânia como "extraordinário" e disse que não poderia ser considerado um exercício militar comum. A criação desta situação, afirmou Sullivan, enfraquece o discurso russo de boa vontade.

— Isto é o equivalente a se você e eu estivéssemos discutindo ou negociando. Se eu colocar uma arma na mesa e disser que venho em paz, ainda assim é ameaçador — disse Sullivan a repórteres. — E é isso que vemos agora. Esperamos que o governo russo seja fiel à sua palavra e não planeje e não invada mais a Ucrânia. Mas os fatos sugerem que ele tem a capacidade atual de fazer isso.

Ucrânia não quer "pânico"

Na quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou em conversa por telefone com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que vê "clara possibilidade" de que a Rússia invada o país em fevereiro.

O telefonema de Biden e Zelensky foi alvo de grande especulação da imprensa americana. Citando um alto funcionário do governo ucraniano, muitos veículos informaram que Biden teria dito a Zelensky que uma invasão dos militares russos "era certa" e ocorreria assim que o solo da região congelasse. O site Axios, por exemplo, publicou que fontes confirmaram que os dois presidentes teriam discordado sobre a iminência da ameaça russa, com o lado ucraniano afirmando ter informações de inteligência que minimizavam o risco.

Falando em uma entrevista coletiva nesta sexta-feira, Zelensky disse que a Rússia quer intimidar a Ucrânia, mas reforçou a impressão de que não considera um ataque iminente :

— Não considero a situação agora mais tensa do que antes. Há um sentimento no exterior de que há guerra aqui. Não é o caso — afirmou. — Não estou dizendo que um acirramento não seja possível... (mas) não precisamos desse pânico.