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Governo Putin força opositores ao exílio, em maior fuga política na história pós-soviética da Rússia, dizem especialistas

Figuras da oposição, seus assessores, ativistas de direitos humanos e até jornalistas independentes têm cada vez mais que fazer uma escolha sombria: fugir ou enfrentar a prisão
O presidente Vladimir Putin em São Petesburgo Foto: SPUTNIK / REUTERS 28-7-19
O presidente Vladimir Putin em São Petesburgo Foto: SPUTNIK / REUTERS 28-7-19

MOSCOU — Evocando a era das trevas da repressão soviética, políticos e jornalistas russos estão sendo forçados a se exilar em números cada vez maiores. O fluxo constante de emigração com motivação política que acompanhou o governo de duas décadas do presidente Vladimir Putin se transformou em uma torrente este ano. Figuras da oposição, seus assessores, ativistas de direitos humanos e até jornalistas independentes têm cada vez mais que fazer uma escolha sombria: fugir ou enfrentar a prisão.

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Uma das principais aliadas do líder da oposição preso Alexei Navalny deixou a Rússia este mês, disse a mídia estatal, colocando-a em uma lista de dezenas de dissidentes e jornalistas que devem ter partido este ano. Juntos, dizem os especialistas, é a maior onda de emigração política na história pós-soviética da Rússia.

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As partidas forçadas deste ano lembram uma tática aperfeiçoada pela KGB durante as últimas décadas da União Soviética, quando a polícia secreta dizia a alguns dissidentes que eles podiam ir para o Oeste ou para o Leste — para o exílio ou para um campo de prisioneiros na Sibéria. Agora, da mesma forma, o Kremlin parece apostar que forçar os críticos de alto nível a deixar o país é menos uma dor de cabeça do que prendê-los, e que os russos no exterior são fáceis de pintar como traidores em conluio com o Ocidente.

— A estratégia deles é: primeiro, pressioná-los [a sair do país] — disse Dmitri Gudkov, um popular político da oposição de Moscou que fugiu em junho. — E se você não puder pressioná-los, jogue-os na prisão.

Em 7 de agosto, Lyubov Sobol, a aliada mais proeminente de Navalny que havia permanecido na Rússia, voou para a Turquia, informaram canais de televisão pró-Kremlin. A fuga aconteceu depois que um tribunal condenou Sobol a um ano e meio de restrições de deslocamento, incluindo a proibição de deixar a região de Moscou. Mas as autoridades lhe concederam algumas semanas de liberdade antes de a sentença entrar em vigor — um sinal claro que ela tinha uma última chance de escapar.

— É melhor, claro, participar da política russa de dentro da Rússia — disse Sobol em uma entrevista recente. — Mas, por enquanto, os riscos são muito grandes.

Na segunda-feira, agências de notícias russas informaram que a porta-voz de Navalny, Kira Yarmysh, também havia deixado o país.

A enxurrada de partidas deste ano — desencadeada pela repressão à dissidência que se seguiu ao retorno de Navalny à Rússia em janeiro — inclui mais de uma dúzia de figuras nacionais e regionais do movimento de Navalny, considerado extremista pelo Kremlin; outros ativistas da oposição de todo o país; e jornalistas cujos meios de comunicação foram proibidos ou rotulados como "agentes estrangeiros".

Dois meios de comunicação e um grupo de direitos legais na Rússia, apoiado pelo ex-magnata do petróleo Mikhail Khodorkovski — que passou 10 anos na prisão depois de entrar em conflito com Putin e agora mora em Londres — fecharam este mês depois que organizações ligadas a ele foram declaradas "indesejáveis".

Andrei Pivovarov, ex-líder do movimento Rússia Aberta, fundado por Khodorkovski, foi preso depois de embarcar em um voo para Varsóvia em maio — um sinal de que nem todos os dissidentes estão tendo permissão para fugir.

— Eu acreditava que era imperativo continuar trabalhando abertamente e em público até o último momento, enquanto essa possibilidade existisse — disse Khodorkovski, que agora pondera: — Os riscos desse tipo de trabalho tornaram-se grandes demais.

Enquanto os líderes da oposição deixam o país, a mídia pró-Kremlin relata com desprezo suas partidas. Um comentário postado no Telegram, por exemplo, disse que a saída de Sobol mostrou que "os Navalnyistas só podem ser associados a ratos covardes".

Membros da oposição associados a Navalny tentam manter sua influência por meio de investigações de corrupção e transmissões ao vivo no YouTube e fazendo campanha por um voto de protesto coordenado nas eleições parlamentares russas em setembro. Mas não destacam o fato de estarem no exterior.

Ivan Zhdanov, diretor executivo da equipe de Navalny, deixou a Rússia em janeiro, ajudando a coordenar, do exterior, os protestos que se seguiram ao retorno e prisão de Navalny. Ele decidiu não voltar depois que as autoridades russas o acusaram de recrutar menores para protestar. Em uma entrevista por telefone de um local na Europa que ele não quis revelar, argumentou que o campo de batalha da política russa havia praticamente se movido para a esfera digital.

— O que importa é o que estamos fazendo, não se um determinado funcionário ou um certo número de funcionários cruzou a fronteira da Federação Russa — disse Zhdanov.

Mas as autoridades não conseguem reconhecer a importância da Internet, disse Gudkov, que serviu no Parlamento de 2011 a 2016.

— Nossos generais nas agências de segurança se preparam para a última guerra — disse de seu atual local de refúgio, na Bulgária. — Agora, se você sair, será ouvido da mesma forma, se não melhor.

Alguns críticos de Putin discordariam.

Yulia Galyamina, que ajudou a liderar uma campanha contra um referendo no ano passado que permitiu a Putin governar até 2036 , disse que se recusou a aceitar a sugestão de sair do país enquanto estava sob investigação criminal. Ela recebeu uma sentença de suspensão válida por dois anos, impedindo-a de concorrer ao Parlamento em setembro. Ela agora trabalha com outro candidato da oposição, mas evitando protestos de rua por conselho de seu advogado.

— Sinto muito, mas como as coisas vão mudar aqui se todos forem embora? — ela disse. — Quando tudo começar a desabar, o poder cairá nas mãos de quem está por perto.