Mundo

Guerra em Catatumbo: mortes e recrutamento de crianças aumentaram após acordo com as Farc

Estatísticas oficiais indicam que o número de homicídios mais que dobrou desde 2015 e governo não vem conseguindo proteger civis
Imigrante venezuelano trabalha em uma plantação de coca na região de Catatumbo: mais de 25 mil fugiram para a região Foto: LUIS ROBAYO / AFP
Imigrante venezuelano trabalha em uma plantação de coca na região de Catatumbo: mais de 25 mil fugiram para a região Foto: LUIS ROBAYO / AFP

BOGOTÁ — Mais de dois anos após a assinatura de um acordo de paz que colocou fim a uma guerra civil de 50 anos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), outros grupos armados ocuparam áreas rurais da Colômbia e transformaram a região de Catatumbo, perto da fronteira venezuelana, em uma das mais violentas do país. Estatísticas oficiais indicam que o número de homicídios mais que dobrou na zona, passando de 112 em 2015 — ano em que as Farc concordaram com um cessar-fogo — para 231 em 2018.

De acordo com um relatório da Human Rights Watch (HRW), publicado nesta quinta-feira, o vazio deixado pela antiga guerrilha foi ocupado por membros do Exército de Libertação Nacional ( ELN ) e do Exército Popular de Libertação (EPL), além de guerrilheiros remanescentes das Farc, que, desde o início de 2018, travam uma luta brutal pelo território. O governo colombiano, por sua vez, não vem cumprindo suas obrigações para proteger civis de abusos e fornecer reparação às vítimas.

— Enquanto grupos armados lutam pelo espaço deixado pelas Farc em Catatumbo, centenas de civis se veem em meio ao conflito —  disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da HRW .

Nos últimos anos, os grupos criminosos cometeram uma série de abusos contra civis, incluindo assassinatos, desaparecimentos, violência sexual e deslocamento forçado. Crianças com cerca de 12 anos também têm sido forçadas a se unirem a grupos armados após serem ameaçados de morte.

Além disso, de janeiro de 2017 a maio de 2019, 37 pessoas foram vítimas de crimes sexuais relacionados ao conflito armado, segundo a Unidade de Vítimas da Colômbia.

Venezuelanos entre as vítimas

Segundo pesquisadores da HRW, que falaram sob anonimato por razões de segurança, a região é importante porque garante aos grupos acesso a rotas de tráfico de drogas para a Venezuela e permite o controle dos campos de coca, onde podem produzir cocaína.

A região também abriga, atualmente, pelo menos 25 mil venezuelanos que fugiram da crise humanitária no país, que já forçou o deslocamento de 4 milhões de pessoas até agora. No entanto, eles acabam envolvidos na guerra. De acordo com o relatório, muitos são vítimas dos deslocamentos à força e assassinatos. Crianças também têm sido recrutadas como soldados.

— Eles fogem para Catatumbo para ganhar a vida, em muitos casos, trabalhando para grupos armados ou em alguma indústria ilegal. E permanecem ali porque é difícil, na prática, obter uma permissão de trabalho em outro lugar da Colômbia — explica um pesquisador da Human Rights Watch.

Desde 2017, 14 líderes comunitários foram mortos em Catatumbo — as investigações apontam para grupos armados em nove casos — o que torna a região uma das mais perigosas da Colômbia para defensores de direitos humanos.

— Líderes comunitários desempenham um papel fundamental para dar voz às vítimas de abuso e ajudar a restabelecer o estado de Direito em áreas remotas da Colômbia — afirmou Vivanco. — O governo colombiano deve aumentar seus esforços para protegê-los e garantir que os responsáveis por esses assassinatos sejam responsabilizados.

Os grupos armados também estão plantando minas nas áreas rurais de Catatumbo, onde as Farc também já haviam usado a tática de guerrilha. Quatro pessoas morreram e 65 foram feridas desde 2017.

— Aqueles que são parte do conflito não sofrem o que nós, como pessoas do campo, sofremos — disse um professor de uma escola rural que perdeu o pé quando uma mina terrestre explodiu a poucos metros do terreno da escola. — Nós que estamos pagando por um conflito que eles começaram.

Falta assistência do governo

O documento relata ainda que autoridades colombianas não garantem justiça em relação aos abusos cometidos. Desde 2017, apenas dois membros de grupos armados foram condenados por homicídio, segundo a Procuradoria Geral da República. O escritório não acusou ninguém por ameaças, recrutamento de crianças ou desaparecimentos forçados.

A assistência aos deslocados, prevista pela legislação colombiana, também tem sido lenta e insuficiente. Centenas de pessoas vivem em abrigos temporários improvisados pelas comunidades — alguns sem mobília ou água corrente.

Em outubro de 2018, o governo colombiano criou uma Força de Desdobramento Rápido para aumentar em 5.600 o número de militares em Catatumbo. Moradores e trabalhadores humanitários, no entanto, relataram comportamento abusivo de soldados, acusando-os de serem cúmplices de grupos guerrilheiros.

— Os esforços do governo para aumentar sua presença em Catatumbo, respondendo às necessidades militares, devem andar de mãos dadas com esforços mais amplos, como apoio a investigações criminais e assistência humanitária, para proteger os direitos dos agricultores e imigrantes e refugiados venezuelanos.