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Human Rights Watch recomenda reforma policial no Chile, enquanto Piñera pede socorro ao Exército

Condições extenuantes, falta de preparo e equipamentos precários levaram policiais a cometer graves abusos, diz organização de direitos humanos
Policiais golpeiam homem durante protesto em Santiago Foto: GORAN TOMASEVIC / REUTERS
Policiais golpeiam homem durante protesto em Santiago Foto: GORAN TOMASEVIC / REUTERS

SANTIAGO - A organização de direitos humanos Human Rights Watch publicou um relatório nesta terça-feira que afirma que a polícia do Chile cometeu graves abusos de direitos humanos durante a repressão aos protestos, por vezes violentos, que sacodem o país desde 18 de outubro. O relatório recomenda também que a polícia militar, chamada no Chile de Carabineiros , seja reformada. Enquanto isso, o presidente do país, Sebastián Piñera, anunciou um projeto de lei que permite que as Forças Armadas sejam usadas para conter manifestações.

Segundo a organização, a polícia chilena não tem mecanismos de controle interno e atua em condições extenuantes. O relatório recomenda “reforçar o treinamento de todos os policiais com armas menos letais para o controle de manifestantes” e que os policiais tenham “equipamentos de proteção adequados, tempo de descanso e remuneração de horas extras”.

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— Existem centenas de relatos preocupantes de força excessiva nas ruas e abuso de detidos — disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da Human Rights Watch, depois de se encontrar com  Piñera. — A polícia do Chile usou força excessiva para acabar com os protestos e cometeu sérios abusos contra os detidos. Reformas policiais são urgentemente necessárias.

O governo chileno afirmou, por meio de sua subsecretária de Direitos Humanos, Lorena Recabarren, que “valoriza o relatório da Human Rights Watch e as recomendações que foram feitas a nós, que exigem a incorporação de reformas profundas na polícia e maior controle efetivo da ação policial em situações de perturbação e detenção".

— Este relatório nos traz uma série de casos que, sem dúvida, nos preocupam, e que com certeza recebemos com dor, pois falam de graves violações aos direitos das pessoas, incluindo denúncias de abusos, de maus tratos e violência sexual — disse Recabarren, acrescentando que há 600 inquéritos administrativos abertos contra policiais que cometeram excessos.— Como dissemos, não haverá impunidade.

Também nesta terça-feira, Piñera enviou ao Congresso um projeto de lei que permite a convocação das Forças Armadas para realizar funções de segurança pública sem a exigência de declaração de estado de emergência. A proposta de Piñera autoriza que os militares protejam linhas de transmissão, usinas elétricas, aeroportos, hospitais e outras infraestruturas públicas, com o fim de garantir "serviços básicos". Ele disse que a medida "liberaria a força policial (... ) para proteger a segurança dos cidadãos".

Os ininterruptos protestos contra a desigualdade, a desconexão entre a classe política e a população e a falta de serviços sociais deixaram pelo menos 26 mortos e milhares de feridos no Chile, incluindo 232 pessoas feridas gravemente nos olhos por balas de borracha disparadas pela polícia. Eles também danificaram o sistema de transporte público da capital, outrora o mais elogiado da América Latina, e causaram bilhões de perdas de negócios privados, além de terem deixado centenas de policiais feridos, inclusive por lesões provocadas por coquetéis molotov.

Em meio à permanente incerteza, figuras de peso do Partido Socialista, principal sigla da centro-esquerda, da ex-presidente Michelle Bachelet, publicaram um documento intitulado "A democracia está em risco", no qual dizem que há quem, "de boa fé ou movido por visões radicalizadas e interessadas, propaga a ideia de que não há democracia no Chile, atingindo a coesão social e semeando a desconfiança em torno a este nobre valor".

O texto não menciona partidos políticos, mas  parece endereçado a setores da esquerda que têm sido ambíguos em relação a protestos violentos e reforçam que não há democracia no Chile. Este discurso, afirmam, "corrói os fundamentos da vida democrática e facilita saídas de força, aventuras autoritárias e perigosos populismos".

Nesta terça-feira, bloqueios atrapalharam o tráfego em torno de Santiago, com barricadas montadas por manifestantes nas principais estradas ao redor da capital. Logo após Piñera discursar anunciando seu projeto de lei, a polícia usou canhões de água para dispersar os manifestantes em frente ao Palácio de La Moneda. Muitos seguiram para a avenida principal da cidade, paralisando o tráfego.

A América do Sul foi sacudida por protestos em países como Colômbia, Equador e Bolívia nas últimas semanas, com a agitação muitas vezes levando a episódios de violência e a confrontos entre manifestantes e forças de segurança.