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Justiça da Bolívia ordena prisão de Jeanine Áñez, ex-presidente interina, e da cúpula de seu governo

Ministério Público acusa Áñez e seus principais ministros de participarem de golpe de Estado contra Evo Morales em 2019; réus denunciam perseguição política
A ex-presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, ao lado de aliados em uma imagem de setembro de 2020 Foto: AFP
A ex-presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, ao lado de aliados em uma imagem de setembro de 2020 Foto: AFP

A Justiça da Bolívia emitiu mandados de prisão contra a ex-presidente interina Jeanine Áñez e contra a cúpula de seu governo, incluindo ex-ministros e ex-líderes militares. Ao menos dois deles já foram presos, acusados de participar de um golpe de Estado, durante os episódios que culminaram na saída de Evo Morales do poder, em 2019.

A ex-presidente interina diz ser vítima de uma campanha de perseguição judicial liderada pelo atual governo do Movimento ao Socialismo (MAS).

De acordo com uma cópia da denúncia compartilhada pela própria Áñez, o Ministério Público diz haver elementos suficientes para condenar a cúpula do ex-governo por suposta participação nos crimes de terrorismo, sedição e conspiração. Segundo a ordem judicial, emitida no começo da tarde, as prisões devem acontecer num prazo de 24 horas.

O ex-ministro da Energia Rodrigo Guzmán foi preso na cidade boliviana de Trinidad, capital do departamento de Beni, acusado de participar no caso Senkata, considerado pela Corte Interarmericana de Direitos Humanos como um massacre. Na ocasião, em novembro de 2019, a repressão da polícia a manifestantes favoráveis a Morales deixou 22 mortos e quase 200 feridos.

Já o ex-ministro da Justiça Álvaro Coimbra foi preso na mesma cidade acusado de conspiração. Ambos serão transferidos para La Paz.

O Ministério Público expediu ordens de prisão também contra a ex-presidente Añez e seus ex-ministros Arturo Murillo (Governo), Luis Fernando López (Defesa) e Yerko Núñez (Presidência), e ex-membros do Alto Comando militar, incluindo o almirante Palmiro Jarjuri, que foi comandante da Marinha; Jorge Gonzalo Terceros, ex-comandante da Força Aérea, e o general Gonzalo Mendieta, ex-comandante do Exército,  em um total de 10 acusados.

O MP alega haver risco de fuga e de obstrução do processo.

"Atualmente o Ministério Público não acumulou provas documentais sobre o caso,  como os registros assinados nas ordens do dia em que se estabeleceram as circunstâncias e as pessoas que direta e indiretamente participaram da reunião de 10 de novembro de 2019, quando foi solicitada a renúncia do presidente Evo Morales”, diz a acusação.

“A obstrução neste caso se baseia no fato de que a reunião identifica outras pessoas, como o general (Williams) Kaliman e o general (Sergio) Orellana, que até o momento não testemunharam”, acrescenta.

Em uma rede social, Áñez se disse vítima de uma campanha persecutória. “A perseguição política começou. O MAS decidiu voltar aos estilos da ditadura. Uma pena, porque a Bolívia não precisa de ditadores, mas de liberdade e de soluções”.

Áñez, uma ex-apresentadora de televisão que se elegeu senadora, virou presidente da República após a renúncia de Evo Morales, sob pressão das Forças Armadas, em novembro de 2019. A sessão que a consagrou presidente não teve o quórum necessário pela lei boliviana para empossar um novo mandatário, mas ainda assim foi validada pela Justiça.

Assim como acontece agora, durante o seu governo, líderes do MAS, como Evo Morales e o atual presidente Luís Arce, se disseram vítimas de uma campanha de perseguição judicial, com acusações que incluíam terrorismo e sedição. Na época,  organizações como a Human Rights Watch denunciaram perseguição política na Bolívia contra ex-funcionários e apoiadores de Morales.

Desde a volta do MAS ao poder, a balança judicial virou, em um país onde a Justiça é altamente dependente da política. Os processos anteriores foram anulados pelo Congresso, e agora é a oposição de direita que se vê alvo de denúnciais judiciais.

Em outra ação, peticionada pela ex-congressista do MAS Lidia Patty, foram emitidas ordens de prisão contra o ex-comandante em chefe das Forças Armadas Williams Kalimán, contra o ex-comandante-geral da Polícia Boliviana Yuri Calderón e contra o o almirante Flavio Arce, que já foi preso. Arce é acusado de respaldar a declaração das Forças Armadas exigindo a renúncia de Morales.

Guzmán, o ex-ministro da Energia preso, se disse vítima de um sequestro. A ex-autoridade foi abordada por três pessoas, supostamente policiais, que o colocaram em um carro para levá-lo ao aeroporto.

— Eles o interceptaram no meio da rua, três caras que nem se identificaram colocaram ele em um carro e o levaram embora, felizmente a pessoa com quem ele estava começou a segui-los, porque, senão, não saberíamos que o levaram ao aeroporto — disse sua mulher, Dalia Lima.

O Comitê Pró-Santa Cruz, grupo de extrema direita que foi uma das principais forças que levou à saída de Morales do poder, lançou uma nota, na qual diz que o MAS "voltou a suas velhas práticas políticas de perseguir e amedrontar quem pensa diferente, usando seus braços repressores do Ministério Público e da polícia".

O ex-presidente Carlos Mesa, de centro-direita, denunciou que “estamos em um processo de perseguição política pior do que nas ditaduras".

— Este processo se executa contra aqueles que defenderam a democracia e a liberdade em 2019. O Judiciário e o Ministério Público do MAS são o martelo da execução. Os autores da fraude anistiam a eles próprios e então afirmam serem as vítimas