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Líder opositor russo Alexei Navalny foi envenenado com agente nervoso Novichok, diz governo da Alemanha

Substância já usada contra outros opositores do Kremlin; Merkel exige explicações russas sobre incidente e vai consultar Otan
Alexei Navalny, no prédio de sua fundação anticorrupção Foto: DIMITAR DILKOFF / AFP / 26-12-2019
Alexei Navalny, no prédio de sua fundação anticorrupção Foto: DIMITAR DILKOFF / AFP / 26-12-2019

BERLIM — O governo alemão afirmou nesta quarta-feira ter "provas inequívocas" de que Alexei Navalny , opositor mais proeminente do presidente russo Vladimir Putin, foi envenenado com o agente nervoso Novichok . Segundo a chanceler Angela Merkel, que classificou o caso como uma "tentativa de assassinato", apenas a Rússia "pode e deve" esclarecer o ocorrido.

De acordo com o governo alemão, exames toxicológicos realizados por um laboratório militar constataram que "não há dúvidas" de que Navalny foi envenenado por um "agente químico nervoso da classe Novichok". De acordo com o hospital alemão Charité, para onde o político foi transferido no último dia 22 , seu estado de saúde continua grave e o período de recuperação será longo. Apesar da melhora gradual, ele continua em coma, respirando por meio de aparelhos, e complicações permanentes não podem ser descartadas.

— Essa é uma informação desconcertante sobre a tentativa de assassinato por meio de envenenamento de uma proeminente figura da oposição russa — disse Merkel, afirmando que o crime tinha por fim "silenciá-lo". — Alexei Navalny foi vítima de um ataque com um agente nervoso químico do grupo Novichok. Esse veneno pôde ser identificado inequivocadamente nos exames.

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A substância encontrada no corpo do opositor, considerada uma arma química soviética, também foi usada em 2018 no ataque contra o ex-espião Sergei Skripal e sua filha, Yulia, na cidade britânica de Salsbury. Ambos sobreviveram ao ataque, mas uma mulher que entrou em contato com a substância morreu. As investigações apontaram dois agentes da Inteligência russa como culpados, mas Moscou negou qualquer envolvimento.

Segundo o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, o embaixador russo em Berlim foi convocado e lhe foi requisitada uma investigação "total e transparente" sobre o envenenamento. Maas disse também ter ressaltado que o uso de armas químicas é proibido pela Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Utilização e Armazenamento das Armas Químicas, tratado que entrou em vigor em 1997 e tem a Rússia como um de seus 165 signatários.

Em resposta, a Chancelaria russa disse que as acusações alemãs não são baseadas em provas e disse que Berlim não está colaborando com a investigação preliminar anunciada por Moscou. Em comentários separados, o Kremlin pediu o compartilhamento total de informações entre os dois países.

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Consulta à Otan e UE

O envenenamento promete piorar as relações bilaterais entre Rússia e Alemanha, que se enfraqueceram após o assassinato de um rebelde checheno em Berlim no ano passado e o hackeamento dos computadores do Parlamento alemão, em 2015 — suspeita-se de envolvimento russo em ambos os incidentes.

A Alemanha disse ainda que discutirá com a União Europeia e na Otan uma "reação conjunta apropriada" ao incidente — na última sexta, os alemães já haviam alertado que podem impor sanções a Moscou. A Casa Branca, por sua vez, chamou o envenenamento de "completamente repreensível" e disse que trabalhará com a comunidade internacional para que os culpados sejam punidos. O governo britânico também disse estar "muito preocupado" e demandou que o Kremlin seja transparente. E os EUA disseram que o uso da substância era "completamente reprensível".

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O Novichok — "novato", em tradução livre — foi originalmente desenvolvido nos anos 1970 e 1980, na União Soviética, como uma arma química, e raramente encontrado fora das mãos do governo russo. Há diversas variantes, mas se trata majoritariamente de duas substâncias químicas menos tóxicas que, quando combinadas, reagem para produzir vários venenos muito mais letais do que os gases sarin e VX.

Ele ataca o sistema nervoso, interrompendo processos essenciais ao corpo humano, como a respiração. Para isso, bloqueia a enzima acetilcolinesterase, que regula os neurotransmissores. Isso pode causar paralisia, convulsões, vômitos e colapso parcial ou total de funções do corpo. Em casos fatais, a morte pode ser por asfixia ou parada cardíaca.

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Envenenamento na Sibéria

Navalny passou mal no avião, em 20 de agosto, ao retornar para Moscou após alguns dias na Sibéria, onde participava da campanha para as eleições locais e regionais do dia 13 de setembro. Acredita-se que seu chá, a única coisa que ingeriu naquele dia, tenha sido contaminado no aeroporto.

O avião foi obrigado a fazer um pouso forçado na cidade de Omsk, onde ele ficou internado até o dia 22, quando foi transladado para o Charité, um dos principais centros médicos da Europa, após idas e vindas sobre a autorização para a sua transferência. Na semana passada, os médicos alemães já haviam anunciado que, durante exames, detectaram sinais de contaminação por inibidores de colinesterase , classe de agentes químicos das quais o Novichok faz parte.

Navalny  começou sua carreira política no partido liberal Yabloko, mas foi excluído em 2007 por seus flertes com as tendências nacionalistas russas. Populista, pragmático e com grande talento midiático, ele tem se voltado principalmente para o combate à corrupção,  e lançou projetos como o Fundo Anticorrupção (FBK), grupo famoso por descobrir e publicar nas redes sociais escândalos de corrupção das elites políticas e empresariais russas.

Suas atividades já lhe renderam ameaças no passado: ele afirma ter sido envenenado com uma substância que lhe causou um grave reação alérgica em 2019, durante uma de suas 13 passagens pela prisão. Em 2017, foi atacado por um homem desconhecido com um líquido verde, perdendo 80% da visão de um olho e sofrendo queimaduras químicas.